Na rua da Sofia não se fala de outra coisa: “a Maria Bonita foi “violada”. De tal
modo foi o “diz-que-disse” que encheu
a boca e os ouvidos de todos. Desde o “Manel”,
da onça, até ao Urbano, engraxador, com cada um a acrescentar um ponto, o “furo” chegou ao meu largo mais
desvirtuado que a trabalhadora nocturna Eleutéria. É claro que, aqui na redação
do blogue, não emprenhamos pelos ouvidos, nem por inseminação artificial -somos
muito pobrezinhos, graças ao altíssimo que nos alumia lá do alto, mas muito
seriozinhos quando o podemos ser, mas isso não importa nada-, montámos em cima
da cavalgadura –que, por falta de meios para troca, continua a ser o Silvano- e
partimos em direcção à antiga rua dos colégios.
Mal o nosso repórter dava ao lamiré do caso da loja arrombada, da Maria Bonita,
o diálogo era imediatamente cortado secamente com “não sei nada!”. Mas é claro que cá em casa, desde o burro até ao
gato, toda a equipa está instruída para nunca desistir de obter uma informação
relevante para os nossos leitores. Afinal, mesmo não pagando e serem mais
exploradores que o Hermenegildo Capelo e o Roberto Ivens quando atravessaram
Angola durante o último quartel do século XIX, é para vocês, leitores
aproveitadores do pobre desgraçado escrivão, que aqui se trabalha arduamente
para manter a informação de tudo o que mexe e remexe nesta zona da Baixa. Somos
tão bons, tão bons, que ninguém nos quer ver nem de ginjeira. E foi assim, por
becos e travessas, suando, transpirando e esgravatando, que se chegou a um voluntarioso
depoente. Vou ligar o gravador. Tome atenção que não posso repetir porque não
há dinheiro para substituição de pilhas.
GRAVADOR “ON”
“Eu falo
consigo pela consideração que tenho por si! Está a ouvir? Mas atenção: nada de
nomes! Está a ouvir? Ouviu bem? Eu não falei consigo. Está ouvir? Então vamos
lá! A “Maria Bonita”, nome da loja, está aqui implantada há cerca de um ano. É
de uma senhora brasileira –que me parece que era estilista no Brasil. Ao que
consta, por questões de estratégia, o contrato de arrendamento foi celebrado em
nome de uma outra senhora e esta, por sua vez, sub-alugou à estilista natural
das terras de Cabral. Há cerca de quatro meses, alegadamente pela tubagem em
mau-estado e da responsabilidade do proprietário do edifício, houve uma
inundação na loja que teria redundado em prejuízo para a locatária do sub-aluger.
Por razões não esclarecidas, o senhorio não aceitou a argumentação da lesada e
esta, presumivelmente, teria deixado de pagar dois meses para ressarcimento dos
danos. Resultado de tudo isto: nesta última segunda-feira o proprietário,
acompanhado da primeira contraente do contrato e de um funcionário de uma firma
de chaves, mudou a fechadura e colou uma informação a justificar o acto. Ao que
parece, a contratante, para se fazer pagar das rendas atrasadas, teria levado consigo
máquinas e artigos –através do vidro é visível prateleiras vazias e um certo
caos- e deixaram as luzes acesas do estabelecimento.
Tanto quanto sei a empresária brasileira apresentou queixa na PSP. Sabe
o que é isto? É o estado miserável do comércio a vir ao de cimo. Ao que isto
chegou, meu amigo! Mas, tome nota, a procissão ainda vai no adro! E mais não
posso dizer! Mas não ponha lá o meu nome… está a ouvir?”
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