(Fotos d'O Teatrão)
Hoje, por volta das dez da manhã, no Largo da
Freiria, fui interveniente na terceira sessão, e última, do projecto “Ó do Bairro”, um “workshop” de expressão
dramática e uma ideia idealizada pela companhia de teatro O Teatrão. Trata-se
da realização de encontros entre alunos do ensino básico e secundário e adultos,
residentes ou trabalhadores, de um bairro, ou lugar enquanto membros de uma
comunidade. Se cada um de nós tem uma história conforme a sua experiência de
vida, um sítio real –contrário a virtual-, porquanto espaço comum congregador
de vivências de pessoas, na sua dinâmica natural, será uma fonte natural sempre
a jorrar memórias. Para que não se percam, é preciso divulga-las.
Numa época em que, contrariamente a um passado
recente, a substituição avulsa e obsessiva, num usar depressa e deitar fora
rápido, passou a religião e tudo o que nos rodeia agora já foi e parece cair
num esquecimento de apagão, faz todo o sentido falar aos mais novos de que o
tempo já andou devagar e nós, mais velhos, já fizemos dos raios solares, a
sombrear a esquina, um relógio natural e da Lua um calendário para semear
sonhos e colher realidades.
É de absoluta necessidade mostrar
aos jovens que a história dos povos, do nosso povo, não se faz em corte
horizontal, de placa sobre placa, mas antes num “continuum” e que, por exemplo, sem a escrita hieroglíflica, impressa em sinais e símbolos, não teríamos chegado
a esta altura designada de pós-moderna –e que, pelo que se escreve nos
telemóveis, tudo indica caminharmos para o ponto de eterno retorno.
Numa conversa interactiva, onde
se começou pelo comércio enquanto sistema de troca que existe desde que passou
a haver duas pessoas na Terra e que, pelas suas necessidades um deles teria
sido mercador, teria levado à sua evolução desde a banca de mercado popular até
à loja tradicional, deslizando pelas grandes superfícies, comércio digital e
outras formas que surgirão no futuro. Achar que está tudo feito e que tudo
acaba aqui é profundamente errado.
Falámos da cidade de Coimbra e na
sua divisão territorial, entre a Alta, muralhada e com a Universidade, e a
Baixa, área desde a Idade Média destinada a artífices e vendedores e com as
suas ruas alegóricas, na toponímia, a corporações, como exemplo, Rua dos
Sapateiros, Rua da Louça, Largo das Olarias, Rua das Padeiras, Beco das Cruzes
e outras. Comentámos o facto de, em nome da modernidade e da dinâmica que acompanha
todos os centros urbanos, a zona histórica estar triste e ser cada vez mais
igual a si mesma. Ou seja, com o desaparecimento de muitas profissões e comércios
–alguns destes, como mercearias, que foram sepultadas pelo aparecimento das
grandes superfícies comerciais- que lhe davam vida através dos odores, dos
barulhos dos vendedores ambulantes, das cores das janelas floridas, a zona
histórica foi largando a alma, perdendo moradores, e transformou-se cada vez
mais em terra-de-ninguém com prédios vazios, desde a loja no rés-do-chão até ao
último andar.
E por que não residem pessoas nos pisos superiores? Interrogou um
dos alunos. Porque a Baixa, no seu percurso natural, tendo coisas boas e outras
más, hoje sofre as consequências da falta de políticas de orientação, como o
urbanismo comercial –que mais tarde ou mais cedo terá de se implementar. Mas
pode explicar-se assim: esta zona comercial, nos seus estádios, atingiu o pico máximo nos anos de 1980 e pela concorrência comercial feroz que nesta década emergiu começou aí a decadência. Tal como cada um de nós, individualmente, que pensamos
ser eternos, os comerciantes enquanto grupo, nessa altura de 1980, pensavam que,
pela intensa procura manifestada pelos consumidores, valia a pena transformar todo
o edificado construído em armazém e ponto de venda. Estávamos no auge, a
procura de produtos excedia a oferta e fazia com que uma simples entrada de
porta valesse milhares de contos –milhares de euros. Hoje, em decadência
continuada e perante a passividade geral, assistimos ao contrário, a oferta
transcende em muito a necessidade de comprar e, em economia, quando isto acontece,
o valor dos produtos embaratece extraordinariamente, leva à desmotivação e
conduz à falência dos produtores e mediadores.
Por intervenção de outra criança,
aflorámos ao de leve o facto de em 30 anos esta zona de antanho passar de cerca
de dois milhares de residentes fixos para cerca de 850 eleitores –constituídos na
sua maioria por idosos empobrecidos, vulneráveis e sem meios de locomoção.
Demos o exemplo da deslocalização de citadinos na procura de mais bem-estar e
desencadeada pela criação de novos centros de atracção urbana.
Terminámos com a esperança neles, jovens
alunos. Ao mesmo tempo que, inevitavelmente, se mudarão os costumes, serão eles
que, comprovando que o tratamento familiar nestas lojas é
incomensuravelmente diferente das grandes superfícies comerciais, irão ser a
força consumidora, anímica e revitalizadora, deste centro comercial a céu-aberto.
O futuro chegará aqui tão mais depressa quanto formos capazes de passar a
mensagem aos mais novos de que vale a pena vir comprar à Baixa. Muitos parabéns
a O Teatrão pela iniciativa.
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