Passavam minutos das 19h00 deste último dia 31
de Março. Estou sentado numa das muitas dezenas de cadeirões do Salão Nobre da
Câmara Municipal de Coimbra (CMC). Está a decorrer uma Assembleia-Geral da APBC,
Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra. É aqui, neste espaço, que normalmente
decorrem as sessões da Assembleia Municipal. Por momentos especulo se a minha
cadeira onde estou acomodado pensasse, provavelmente, imaginaria que o traseiro
que ali se acomoda agora é demasiado duro, talvez porque já levasse muitos
pontapés –em contraposição aos fofinhos, de algodão, de muitos doutores e
engenheiros que nas últimas décadas ali se assolaparam.
À minha frente está a grande mesa
onde se instaura o poder. Esta peça de mobiliário é o símbolo das pessoas bem
instaladas na cidade. Nas últimas quatro décadas, salvo erro, nunca ali se
sentou um comerciante, com loja, com rasgos sanguinolentos na alma, que ali
pudesse elevar a voz para defender a sua classe.
Vejo que a grande secretária está
ocupada, do lado esquerdo, com uma senhora, funcionária da autarquia, e
representante dos órgãos sociais da APBC, e ao seu lado está Carlos Clemente,
até às últimas eleições presidente da Junta de Freguesia de São Bartolomeu e
agora assessor do presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado –antes
de subir ao palanque, passou por mim e pareceu não me ver. Como sou um tipo
descarado e malcriado como fui lá
apelidado por um bem-criado, toquei
no ombro de Clemente e interroguei: então,
então? Já não me conhece? Sou o Quintans, está a ver? Aquele tipo que antes das
eleições você quase todos os dias falava… não sei se está a ver?! Está a ver?
Ainda se lembra de mim? Em jeito de desculpa, respondeu qualquer coisa
assim no género de que não me tinha visto. Em solilóquio, em conversa curta com
os meus botões, deu para perceber que ambos sabíamos bem a razão mas, isso para
aqui não interessa, vamos os dois ignorar e fazer de conta de que foi assim
mesmo. Pensando bem, até poderia ser verdade que não me viu. De facto, estou
cada vez mais burgesso e invisível.
Do lado direito da mesa está um
representante da Caixa Geral de Depósitos, e que também pertence aos órgãos
sociais da APBC. E então no centro, a dirigir a sessão, está o assessor –que, já disse, não recordo o
nome- do presidente da edilidade e que, ali, está nesta função em representação
de Manuel Machado, este por inerência também presidente da Mesa da Assembleia-Geral
da agência. O que me lembro bem é que este prosélito político tinha uma voz de
ouro, um timbre de tenor, bem colocada e que sabia usar bem porque tinha noção
perfeita de que impressionava ao falar numa grande assistência. Foi o dom –não sei
se único- que Deus lhe deu, presumi.
Para quem tem acompanhado esta
sequela, que não interessa ao Menino Jesus, deve lembrar-se que na sessão anterior
Manuel Machado, presidente da autarquia e ao mesmo tempo presidente da Mesa da
Assembleia da APBC convocou uma reunião com apenas três dias de antecedência
quando o prazo estipulado nos Estatutos é de 15. Nesse 12 de Março, perante
cerca de meia-dúzia de associados, invoquei ao presidente da mesa a obrigação
de cumprir a lei, nos prazos. É óbvio que ficou um bocadito arreliado. Só um “cochito”,
coisa pouca! Começou por dizer que não tinha nada que cumprir prazo nenhum e
que eu estava a perturbar os trabalhos.
Embora a direcção da APBC tivesse conhecimento da ilegalidade, pela importância
e como dos corajosos não reza a história, como era o senhor Presidente da
Câmara, valia mais não fazer ondas e, ali à sua frente, dizer que estava tudo
bem e passar por cima do atropelo. Nem uma voz única saiu em defesa do animal –que
por acaso era eu- que ousava clamar por justiça.
Perante os maus modos de Machado, naturalmente que, depois de ameaçar ir ao
Ministério Público para repor a legalidade, mesmo com o rabo entre pernas como o meu bobbie, só me restava sair da sala, a
continuar a fazer parte daquela encenação em jeito de fantochada, e ir pregar
para outra freguesia. Pelos vistos, Machado, depois de eu sair, deveria ter
pensado que com gente doida vale mais ignorá-la mas… E então adiou para outra data e com os mesmo pontos em análise.
E agora, já dentro dos 15 dias,
convocou então outra sessão, esta em que me encontro agora e estou a tentar
descrever –não estou a ser muito chato,
pois não? Obrigado!
Estou então sentado na cadeira almofadada. Fechando
os olhos, começo a imaginar uma cena, pouco tempo antes, entre dois homens:
Manuel Machado e o assessor, que dirige ali os trabalhos. Em completa
presunção, diz Machado para o assessor: “como
estou de volta da porcaria do PDM, que já me está a dar água pela barba, vais
presidir à sessão, lá no Salão Nobre. Vais tomar atenção a um gajo de cabelos
brancos e de óculos –ai, Senhor!, que só falar desse tipo até se me “arrepanha”
a pele. Irrita-me profundamente! Buuuffff! Então, continuando, fazes o
seguinte: apresentas-te à assembleia –que deve ser constituída por pouco mais de
meia-dúzia de gatos pingados. Estes comerciantes são uns medricas! Só têm
garganta! Falam, falam, mas é nas minhas costas e nas dos meus antecessores,
que Deus tenha em bom descanso e não me venham atentar. Quando é preciso dar a
cara ninguém aparece. Tenho saudades de há 13 anos atrás. Nessa altura é que
havia nas lojas gente de fibra. Estou a lembrar-me do César Branquinho, um bom
amigo! Não conheces, pois não? Deixa lá! Continuando. Com a tua voz adociacada,
de tenor, borrifas o mafarrico, que ele fica logo zonzo –que ele também gosta
de receber e dar música ao pessoal. Se não chegar, cantas-lhe uma ária, que o
malaqueco adormece logo. Toma atenção em uma coisa: não te chegues muito perto
dele porque, para além de te poder morder, o gajo andou a tocar com esses
maltrapilhos músicos de rua, não sei se estás a ver, às tantas até tem peçonha,
sei lá! Falas sempre com ele do alto do teu pedestal, não te aproximes muito! Estás
a ouvir?”
Vá-se lá saber porquê –se calhar só o Sigmund,
o Freud, não sei se estão a ver, poderia explicar- a coisa não funcionou e
entre o tenor e a minha pessoa
sentiu-se logo ali uma tensão danada –assim do género de um rosnar e um miar entre um cão e um gato –a
ordem é aleatória, eu podia perfeitamente ser o cão.
Vamos mas é lá acabar com esta
conversa para boi dormir, que está o
senhor Carlos Clemente a falar ao micro. Vamos ouvir.
FALA CLEMENTE
Depois de aprovados os dois pontos anteriores,
“Análise e votação do Relatório de
Actividades de 2013” e “Análise e
votação do Relatório de Contas de 2013”, estamos agora no terceiro assunto
em discussão: “Análise e votação do Plano
de Actividades e Orçamento de 2014”. Carlos Clemente, presidente do
Conselho Fiscal da APBC, pede a palavra. Está neste exacto momento a dirigir-se
para o pedestal, onde está o micro. Shiu! Vamos ouvir!!
“Enquanto presidente do Conselho Fiscal posso garantir que as contas,
conforme pode atestar o TOC, Técnico Oficial de Contas, aqui presente e cujo
relatório está a frente de todos, estão conformes e tudo como deve ser.
Passando a outros assuntos, é inadmissível que a ACIC, Associação
Comercial e Industrial de Coimbra, não se tenha envolvido neste assunto. Esta
associação representativa dos comerciantes não quer saber do que se passa!
Admite-se que não esteja aqui ninguém, hoje?
Por outro lado, por parte dos associados da APBC, para além de serem
poucos a participar, também não podem continuar a exigir um bom trabalho e,
depois, não pagam as quotas! Isto não pode continuar assim!”
ARMINDO QUER UM LOUVOR PARA A DIRECÇÃO
Ainda dentro do mesmo ponto de ordem, por umas
indirectas de Carlos Clemente lançadas a Armindo Gaspar, presidente da APBC, já
se pressentia ali uma tensão entre os dois outrora amigos, mais ou menos, assim assim e/ou antes pelo contrário, e estava de
ver o conflito a estourar. Ouvia-se um sibilino silvar na sala. Cá para mim,
que nunca acerto uma, era o Armindo furibundo… Alto! Que o Gaspar está a
caminhar em direcção ao poleiro, quer dizer, na direcção do micro. Shiu!
Vamos ouvir o Armindo!
“Lamento que o Conselho Fiscal não tenha uma palavra de agradecimento a
esta direcção, um voto de louvor pelo seu desbragado esforço de desempenho
durante vários anos a favor da classe comercial, sem ganhar um cêntimo, e que
está prestes a largar a sua missão.
Quanto às quotas que o senhor Carlos Clemente referiu, tenho a dizer
que ainda agora voltámos a enviar 25 cartas registadas para os relapsos. Dos
incobráveis, apesar disso, já recebemos quase 2500 euros. É preciso ver que os
comerciantes estão com muitas dificuldades e não podemos andar atrás deles a ameaça-los.
Só quem não sabe nada de como está o comércio pode defender o contrário.
Por outro lado, contrariando o que aqui foi dito, a CMC deu, no ano
passado, 35 mil euros à APBC.
Quero dizer também que, aqui e publicamente, agradeço aos meus colegas
que me acompanharam nesta missão. Lamento que, apesar de tanto trabalho e abnegado
esforço ainda sejamos os maus da fita! Trabalhámos arduamente sem ganhar um
tostão!”
E HAVIA UM CHEIRO INTENSO A REFUGADO
E sem que houvesse murraça
nem nada, a coisa até estava animada. E passou-se ao ponto seguinte, “Eleição dos novos órgãos sociais da APBC”,
que era a previsível cena inscrita em cartaz e que, estou certo, lá levou algum
(pouco) público para ver esta peça de teatro.
Estranhamente -pelo menos para
mim-, nesta altura, o grande Salão Nobre começou a ser invadido por um intenso
odor a refugado, como se lá dentro estivessem a cozinhar qualquer coisa –bom,
tenho de dizer que sempre era melhor aquele cheiro, de mistura aromática a
louro e colorau, do que o pestilento que invadiu o Parlamento há dias.
Um momento, que vai falar o
assessor da voz melosa e que preside à mesa. Shiu! Vamos ouvir!
“Conforme o quarto ponto da ordem de trabalhos, vamos passar à eleição
dos novos órgãos sociais da APBC. Acabei agora mesmo de receber uma lista com
vários nomes que vou enunciar. E que será esta lista que vamos votar!” –entretanto
passou os olhos pela folha de papel e disse: “há aqui na lista instituições repetidas nos mesmos cargos. E não pode
ser assim! Alguém se quer manifestar acerca deste ponto?”
REPENTINAMENTE, ARMINDO
SACA DO PARECER
O Armindo Gaspar, presidente da
APBC, lembro, pede a palavra. Sem que nada o fizesse prever, saca de um parecer
jurídico e começa a ler o que o jurista tinha escrito e descrito em vários artigos
que, modéstia à parte, foram de encontro ao que eu tinha elencado três anos
antes. Aquilo só visto! Foi como se de repente começasse a nevar intensamente
no salão. O silêncio só era quebrado pelas palavras nervosas do Gaspar –que já
deitava fumo pelas narinas por indirectas do seu outrora, ou ainda, ou futuro
amigo Clemente, sei lá! Na parede em frente até a fotografia de Judite Mendes
de Abreu, a primeira presidente da autarquia no após 25 de Abril, pareceu
perfilar-se. Só lhe faltava falar e dizer: “olha,
o Armindo passou-se da tola! Como não leva o louvor, já está por tudo!
E o Armindo continuava a ler o
parecer mas o silêncio era de cortar à faca e ele apercebeu-se e interrogou: “querem que eu não leia mais?”. Ninguém
respondeu e ele foi continuando a ler mas sem grande entusiasmo. Foi então
que o Lúcio Borges, um reconhecido pasteleiro e empresário cá da Baixa, foi à
mesa, presumindo-se que juntar umas farinhas no cozinhado, e curvando-se vira o
traseiro para o Gaspar. Aqui é que o Armindo explodiu completamente –até a foto
do engenheiro Moreira, outro desaparecido presidente da edilidade, pareceu
encolher-se toda e dizer: “ai, senhor?!
Que isto vai tudo pelos ares!”. Mas, por acaso, não foi porque o Armindo,
respirando fundo e contando até dez, ficou mais calmo e só disse: “isto é uma falta de respeito. Eu aqui a
falar e haver conversas cruzadas aqui na mesa?! Não falo Mais!”
É claro que o senhor presidente
da mesa lá foi dizendo: “o senhor é que
sabe, mas, se calhar….”. E o Gaspar sentou-se chateado.
É óbvio que o meu ainda amigo
Armindo Gaspar foi intolerante para o outro, o Lúcio Borges, meu outrora amigo
–acho eu, que estas coisas, quando se trata de tocar nos interesses, para
desfazer amizades são fantásticas. O Lúcio estava simplesmente a tentar ajudar
no cozinhado da lista proposta ali mesmo, creio que meia-hora antes, para ser
ali votada a sangue frio, sem analgésico, nem urna –que isso é para outras
profissões. E, lá nisso, este pasteleiro é mestre. Ele sabe!
E FALA O “JE”
Como não poderia deixar de ser, porque, embora
queira parecer diferente, sou igual aos outros, sempre que surge uma
oportunidade de brilhar cá estou eu! E pedi a palavra ao presidente da mesa, da
voz melosa. Durante cerca de mais de
cinco minutos expus o que se estava a passar. Dei conta que, dentro da minha
opinião subjectiva e pouco sábia, cerca de três anos antes sobre os Estatutos
da agência tinha avisado três pessoas: Armindo Gaspar, Arménio Pratas e Carlos
Clemente.
E, por palavras sem grande
rebusco, lá fui explicando que os associados fundadores, incluindo a CMC,
trataram sempre, desde o início da sua fundação, a APBC como se fosse uma
quinta, uma roça de cacau. Eles foram sempre os proprietários que, decidindo
entre eles, deram ordens aos feitores, à direcção, e esta, sem recalcitrar
aceitou sempre tudo sem nunca levantar a garimpa. O pagamento para estes
feitores não era em géneros, não era em dinheiro, por incrível que pareça, era
sempre através de convite pessoal, personalizado. Sempre que havia festas no
palácio presidencial lá a direcção recebia um convite para estar presente junto
do governo da Colónia. Para além disso, de vez em quando, lá recebia um
telefonema do governador assim no género: “alô?
Presidente? (era sempre assim, para dar uma sensação de importância de
distinção) Daqui fala o Governador! Estou a ligar-lhe para lhe manifestar o meu
inteiro apoio às suas recentes declarações. Você é um homem de muita coragem,
presidente! Se houvesse mais pessoas como o senhor este país não estava como
está! Se precisar de alguma coisa, já sabe! Tem o meu número, não tem? E o do
meu assessor? Também? Alguma coisa que precise, já sabe, não hesite em
contactar-me!”
O problema é que sempre que os
humildes membros da direcção ligavam para o Governador, este nunca atendia. A
seguir ligavam para o assessor e este, desfazendo-se em mil desculpas, lá ia
descalçando a bota como podia. Mas sempre a deixar no ar a sensação de importância
que tal telefonema tinha para os humildes servidores da direcção.
Penso que fui claro lá no Salão
Nobre a expor, a dissecar o maquiavélico plano de distribuir lentilhas a
pessoas humildes. A gente habituada a trabalhar, servis, o onde o servilismo se
confunde muito com cobardia, e onde a reivindicação quando surge é sempre feita
com uma preocupação máxima de não desagradar, sem ofender e embrulhada em mil desculpas
e multiplicando o curvar da espinha dorsal. É uma humilhação pressentida pelo
detentor do poder que aproveita para abusar de quem roga. No fundo, a fazer o
jogo dos políticos partidários. No fundo como se toda a defesa da polis fosse um jogo de espelhos. Como se
todo o poder fosse igual e agisse em equidade em toda a sua verticalidade
piramidal, de baixo para cima. Nada disso! O de topo apenas está interessado em
defender os seus interesses, a conveniência da sua família e dos seus amigos.
Como tem uma lógica fria, inconsciente, heliocêntrico -como se fosse o epicentro de tudo, o Sol como centro do Universo-, de que tudo paga a quem o
serve mesmo com favores, despreza o servilista. E quanto mais se aperceber da
facilidade do dobrar da espinha do criado,
escravo, maior é o desdém sobre quem o serve. Este poder de topo apenas
está interessado na sua imagem. A sombra de qualquer outra não lhe causa um
desvio de olhar. É profundamente egoísta, autocrático e absolutista. O poder
instituído, contrariamente ao que se pensa, foi eleito para servir a causa
pública e não servir-se desse mesmo poder. Mas ninguém quer saber desta
filosofia. Vale mais receber uma migalha imediatamente que todos receberem, por
direito legítimo, a médio prazo um pão.
Não é preciso ser presciente para
adivinhar que lá no grande salão ninguém ligou ao que eu disse. Os que
perceberam bem fizeram de conta que era chinês. É filosofia! E filosofia é
sempre para os outros, para quem pensa, e, sobretudo para gente humilde e
trabalhadora, não enche barrigas!
CLEMENTE ATIRA-SE AO ESFÉRICO
Ainda a última palavra do Armindo Gaspar,
sobre o parecer, estava a pairar no ar e o espírito de António Moreira
materializado na sua foto na parede lateral está a coçar o nariz de espanto, já
Clemente, o ainda presidente do Concelho Fiscal da APBC em exercício pede a
palavra. Vamos ouvir -ora porra, fiquei sem pilhas no gravador! Esta porcaria
de máquinas são como os amores, quando mais precisamos deles é quando nos viram
as costas. Mas não importa nada porque eu vou retransmitir tudo fielmente. Isso
é que era bom se um raio de uma maquineta inventada sei lá por quem
haveria de impedir um momento tão solene!
“É de lamentar que o senhor presidente da APBC demorasse cerca de três
anos para pedir um parecer jurídico. Se tinha conhecimento de que as coisas não
estavam bem-feitas porque não desencadeou acções no sentido de as repor e só
agora o fez?
Para além disso, apesar de haver pessoas que querem destruir este
projecto ele está para continuar. Estamos perante uma boa lista, composta por
comerciantes dispostos a levar para a frente este projecto da APBC. Para quê
perder tempo com adiamentos e mais adiamentos? Devemos sair já hoje daqui com
uma nova direcção.”
O PASTELEIRO DEFENDE A
FARINHA
Lúcio Borges, um reconhecido profissional de
pastelaria e empresário de sucesso na Baixa da cidade, pedindo a palavra e
seguindo para o poleiro, aliás para o pedestal onde se encontrava o micro, sem
nuvens de algodão atirou-se cá ao rapaz com os seguintes modos:
“Eu não concordo com aquele senhor" –E vira-se para mim. Veja-se bem
o que os interesses fazem. Até causam amnésia! "Eu não quero saber do que diz a
lei. Eu quero fazer pastéis e ter
farinha. Eu quero ter farinha. Isto é que me interessa! O resto é conversa!
Esta lista deve ser eleita hoje!”
E A LISTA FOI APROVADA
Mesmo com todas as chamadas de atenção, mesmo
com o parecer jurídico a defender a legalidade, assentando sobretudo na
convocação de eleições e apresentação de novas listas mesmo sabendo que o
resultado seria sempre o que os associados fundadores deliberassem, a lista
única e cozinhada nas bentas de quem lá esteve, depois de levada à votação, foi aprovada.
Ao ser chamado atenção para o acto, quanto a mim irregular, não pode deixar de ser tomada em boa conta a frase lapidar do presidente da mesa da Assembleia-Geral: "quem manda aqui sobre se esta lista é ou não legal sou eu!"
Ao ser chamado atenção para o acto, quanto a mim irregular, não pode deixar de ser tomada em boa conta a frase lapidar do presidente da mesa da Assembleia-Geral: "quem manda aqui sobre se esta lista é ou não legal sou eu!"
GOLPE DE ESTADO PALACIANO
Sinceramente nada tenho contra os elementos da
lista ali proposta. Aliás, declarei isso mesmo na sessão, há ali gente muito
válida e que tem dado provas de querer fazer coisas pela Baixa. O que saliento
é, para mim e a título opinativo, a falta de hombridade em aceitar serem
nomeados como comissários políticos. Sabendo que é irregular deveriam ter um
pingo de honra e pedirem que se cumprisse a lei e houvesse eleições. Mas eles
lá saberão as linhas com que se cosem. E naturalmente que, pelo seu dobrar de
espinha e obsessiva procura de protagonismo tal como os anteriores, irão ser
trucidados a médio prazo pelo poder instalado.
Salienta-se que a hotelaria, em
larga medida, tomou conta desta agora lista e apeando o comércio. Salvo melhor
opinião, tratou-se de um golpe palaciano.
E SAI UM LOUVOR PARA…
O ponto 5 e último inscrito na convocatória era
“outros assuntos”. Neste âmbito, com
a maior franqueza pedi um louvor para esta direcção e para a funcionária Carina
–embora não tivesse lá aflorado, gostava de lembrar uma outra funcionária
também muito esforçada e que já não presta serviço à APBC, a Ana. Porque tenho
a certeza de que este executivo, sobretudo o Armindo Gaspar e Arménio Pratas,
foram umas vítimas de si mesmo. Trabalharam, trabalharam, entregando-se de alma
e coração, a abraçar esta causa comercial, e, no fim, nem foram reconhecidos
por quem se “serviu” deles –os
associados fundadores da APBC-, nem pelos mais directos beneficiários do seu
esforço: os comerciantes de rua, que são mais egoístas que certas gentes que
conheço. Fazem-me lembrar os sem-abrigo. Por mais e mais que lhes dêem acham
sempre pouco e nunca estão satisfeitos. Para além de não moverem uma palha para
mudar a sua sorte, nunca agradecem o que fazem por eles. Acham que -porque se
consideram umas vítimas da sociedade- quem os ajuda tem obrigação dobrada para
o fazer.
BYE, BYE, APBC
Para mim, ficou bem assente que havia uma
intenção deliberada de mostrar “o quero”,
“posso e mando” por parte da autarquia. A mensagem que recebi deste
processo é que este novo executivo liderado pelo PS está disposto a passar por
cima de tudo para dominar, seja esta pequena assembleia seja um outro qualquer
problema maior. Se esta é a forma de demonstrar a sua democracia e tolerância na
abertura da discussão aberta aos cidadãos deixa muito a desejar. Sinceramente
não gostei e, volto a escrever, não me movem sentimentos particulares contra
quem quer que seja. Foi um exercício de arrogância e contrário ao espírito que
deve incentivar a busca da cidadania activa. É evidente que é a minha opinião e
vale o que vale, mas ficou bem patente o autoritarismo imposto à força toda. O
que se tentou ali mostrar, nesta assembleia-geral e na anterior falhada, foi que, em juízo de valor,
que não é qualquer “cidadãozito” –como eu- que pára os desígnios divinos de um
grupo que está disposto a levar tudo à frente. Estou convencido que o futuro
vai mostrar muto mais. Aguardemos com serenidade.
Como estou convencido que a APBC terá os dias
contados e neste dia 31 de Março começaram as suas exéquias, e lá deixei
lavrado em acta, vou pedir a demissão de associado e ponto final e parágrafo.
Nesta batalha perdida –porque só se for a longo prazo é que a Baixa comercial
se salvará- não vale a pena andar armado em Don Quixote quando,
maioritariamente, os poucos comerciantes que comparecem nestes eventos apenas
estão interessados nas suas pessoas e ainda tratam mal quem faz alguma coisa -refiro o Armindo e o Arménio- e chama a atenção
para o que está mal. E os outros, os que nunca aparecem em nada, num desprezo
incompreensível, não querem saber.
Se eu me chateasse a sério, para obrigar a
cumprir os Estatutos, provavelmente iria haver grandes aborrecimentos. E como
estou convencido que esta agência, a funcionar do modo que tive a pretensão de
deixar ilustrado, estará a prazo. Mais, estou convencido que por parte da
edilidade nem haverá grande vontade em que este projecto se mantenha para o
futuro –só se aguentará se tiver o envolvimento activo de todos os interessados.
Como isso será impossível e, para piorar, de aqui a três anos mais de dois
terços dos comerciantes actuais terão desaparecido e serão substituídos por
outros tipo “low cost”, abrir e fechar dois meses depois.
Por outro lado, para a autarquia esta ideia da
agência –que desde o seu nascimento saiu
torta- é apenas encarada como uma despesa fútil e sem retorno. Admito que possa
estar enganado, mas se não estiver, se eu levantasse obstáculos à sua
continuidade e a coisa desse para o torto, mais que certo, eu iria ser
sacrificado e inculpado por o projecto ter implodido. Assim não. Que tudo corra
pelo melhor.
A si, leitor, muito obrigado por ter chegado
até aqui. Aos outros, aos que cito por nomes e ainda outros que não nomeei,
espero que ninguém se ofenda. Ainda que admita que esta crónica está escrita
com demasiada ironia, a intenção é mostrar o que se passou de facto mas, acima
de tudo, não ofender ninguém. Espero que seja assim entendido. Se não for,
paciência! Temos pena, como diz uma
amiga minha!
1 comentário:
Amigo:
Então, isto faz-se ?
Estava eu aqui tão entretido a ler e "zás" o senhor pára de mergulhar o aparo no tinteiro.
É que aos cinquenta e tal começa-se a temer estas palpitações.
Vá lá, enuncie-nos a ementa... Pelos vistos o que saiu, saiu "com todos", ou acabaram por esturrar a cebola?
Agradecido mando-lhe um abraço
Álvaro José da Silva Pratas Leitão
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