terça-feira, 29 de abril de 2014

A CARTA (1)

(Imagem da Web)



Não é verdade que… goste de ti, apenas, pelo teu dinheiro –como me acusaste na última vez em que estivemos juntos e rompemos. Ou é? Num raro intervalo em que a tua imagem não me ocupe completamente a cabeça, às vezes, em catarse, dou por mim a interrogar-me se, de facto, esse não teria sido mesmo o motivo primeiro que me levou até ti. Sim! Admito! Talvez fosse. Quando comecei a arrastar a asa tu eras os dois em um. O sonho de qualquer homem, na meia-idade, como eu. Eras linda! -E continuas a ser, meu amor! Tinhas uma figura de manequim com rosto de boneca de porcelana. Quando recordo a tua imagem, nesse teu andar ligeiro sobre a calçada... “toc… toc… toc”, no barulho dos saltos altos, dos teus sapatos vermelhos, a martelar o chão como sinfonia perfeita num caos de ruídos naturais, sinto-me elevar como se fosse uma folha seca tocada pelo vento e ao sabor do acaso.
Confesso, o teu dinheiro, a tua robusta conta bancária por mim imaginada, atraiu-me como abelha correndo em busca do pólen. Mas, depois, quando te senti minha e vi que eras um passarinho desamparado em busca de colo, progressivamente comecei a amar-te simplesmente por seres pessoa. Esse teu jeito de me abraçar, envolvendo o meu peito, acabou por me pegar a alma. O estranho é que estava convencido que não me deixaria tocar por mulher nenhuma. Eu já tivera a minha conta. Estava ressabiado, profundamente magoado com as mulheres. Afinal tinha sido despedido sem aparente justa causa num contrato de casamento de 35 anos. Eu só queria passar o tempo, um bom bocado, como sói dizer-se. Precisava somente de um placebo que ajudasse a encontrar-me. Que curasse as mágoas que me atropelavam o espírito, me deixavam sem alento, e me mandava a auto-estima para os interstícios labirínticos da depressão. Quando dei por mim, numa completa reviravolta, reparei que deixara de ser o caçador para ser a presa. Estava apaixonado por ti.
Não é verdade que… veja em ti a minha reforma dourada. Ou é? Se calhar é! Mas que importa isso? Se te amar honestamente e só viver para ti? Se fores o Sol da minha vida e eu para ti a Lua cheia de uma noite de luar de Agosto, terão importância os teus milhões? É verdade que… gosto de ti. Amo-te!


(Texto original de participação na 1.ª jornada do Campeonato Nacional de Escrita Criativa e sobre o mote “Não é verdade que…”)

Sem comentários: