LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: A SACRALIZAÇÃO DO ANIMAL"; e "SEXTA-FEIRA SANTA"
REFLEXÃO: A SACRALIZAÇÃO DO ANIMAL
Nesta última semana, alguns cafés da Alta da
cidade foram inundados com um papel com uma fotografia de um cão ostentando o
título: “Procura-se!!”. Ali estava
indicado um número de telefone e o pedido premente de contacto. Até aqui tudo
normal e só por isto não seria notícia. Mas se eu escrever que este homem bate
na sua mulher forte e feio então o caso muda de figura –e não se pense que não
está referenciado na polícia por violência doméstica. É certo que os humanos
são uma carga de problemas e, pela sua imprevisibilidade nos comportamentos,
por mais que se tente, nunca serão completamente entendidos.
Não é a primeira vez que escrevo sobre esta
obsessão pelos animais que, progressivamente, está a dominar a sociedade
contemporânea, nacional e internacional –basta abrir uma qualquer página do Facebook. Como exemplos, basta lembrar,
aqui em Coimbra, a deliberação camarária do anterior executivo de coligação em
subsidiar uma associação de proteção aos gatos com 600 euros mensais e durante
quatro anos. Há cerca de um mês este novo executivo não só veio ratificar o
precedente como ainda ponderou aumentar a verba proximamente. A nível
internacional, lembro a recente decisão do governo francês de classificar os
cães e gatos no Código Civil como “seres
vivos com sentimentos”. O que quer isto dizer? Pura e simplesmente que
estamos a caminhar a passos largos para a sacralização dos animais. Saliento
que não haveria mal nenhum neste ato se ainda não houvesse legislação que
protegesse os irracionais. A meu ver, o que se assiste é, por um lado, a uma
ofensiva política no sentido de mostrar aos eleitores que os mandantes são
muito suscetíveis a esta questão e, com esta hipocrisia mascarada de ternura,
captar votos à esquerda e à direita. Por outro, e ainda pior, numa manipulação
de sentimentos, estamos em face da maior investida da indústria de apoio ao
comércio animal.
Já há muito que se verifica uma transferência
de afetos do homem para o animal. Basta verificar a quebra de natalidade, no
nascimento de cada vez menos bebés, e o abandono de velhos, por exemplos. Ora a
produção não dorme em serviço. Morre o homem eleva-se o cão e o gato. O grave é
que nesta intentona de deslocalização de sentimentos, fenece também a sensibilidade
que existe em cada um de nós pelo próximo e plasmados nos Evangelho e
Constituição. Numa relação de igualdade pessoa-animal eleva-se o segundo e cai
o primeiro, o humano. Ou seja, num planeamento global busca-se um igualitarismo
deliberado. Pelo exagero, é de supor que não trará nada de bom para a
humanidade. Talvez valha a pena pensar nisto!
SEXTA-FEIRA SANTA
Faltam poucos minutos para as 14h00, nesta
Sexta-feira Santa, na Baixa de Coimbra. O dia está acinzentado. Mais que certo,
durante a tarde, ainda vai cair aquela morrinha de molha-tolos. Acabei de almoçar numa pequena tasquinha ali para os
lados e a meio da Rua da Sofia. Éramos dois ou três clientes sentados ao
balcão. Não mais. Agora faço o percurso inverso, de regresso, em direção à
Praça 8 de Maio. Enquanto troco os passos, vou apreciando todos os estabelecimentos
abertos. As casas de hotelaria estão a meio-gás, as lojas de comércio estão
completamente sem ninguém.
Ao lado da Pastelaria Palmeira um homem de
cinquenta e muitos está sentado no chão com as pernas cruzadas e mostra umas
pequenas cicatrizes nas canelas. De rosto fechado e cara de suplício, com a mão
aberta com moedas, ostenta um pequeno cartaz aos seus pés, na calçada: “Pela Nossa Senhora de Fátima me ajudem por
favor. Eu tenho um aparelho de oxigénio e estou sujeito a ficar sem casa porque
a minha reforma não chega. Por Deus e Virgem Maria me ajudem”. Rebusco os
meus bolsos e nem uma moeda para amostra. Na minha tolerância, falo com ele.
Aceita comer alguma coisa na pastelaria Palmeira, ali ao lado? Interrogo. “Não senhor! Já almocei! Uma moedita é que
dava jeito”, respondeu.
Continuei a andar. Em frente à Câmara Municipal de Coimbra –hoje encerrada, por ser Dia Santo-, meio-deitado no corrimão de pedra, está o “escurinho”, numa posição de abandono, de pernas estendidas, olhos semicerrados e apoiado num dos cotovelos parece pensar. Um pouco ao lado, em grupo, vários romenos falam sobre a sua vida -quem sabe sobre a crise que se abateu sobre a venda do “bord’água”?
Continuei a andar. Em frente à Câmara Municipal de Coimbra –hoje encerrada, por ser Dia Santo-, meio-deitado no corrimão de pedra, está o “escurinho”, numa posição de abandono, de pernas estendidas, olhos semicerrados e apoiado num dos cotovelos parece pensar. Um pouco ao lado, em grupo, vários romenos falam sobre a sua vida -quem sabe sobre a crise que se abateu sobre a venda do “bord’água”?
A Praça 8 de Maio está semivazia, com as
esplanadas cheias de cadeiras vazias. No patim da Igreja de Santa Cruz, a dona
Rosa Maria, vendedora de bolos de Ançã, com o açafaite ornamentado e em posição, está junto do Luís Cortês,
músico de rua, e, no conjunto, fazem um lindo par de jarras.
Entro na Rua Visconde da Luz, reparo que há poucos
transeuntes. Aqui e ali ouve-se a língua de Cervantes, mas é uma pequena
réplica de anos passados. A descer, apoiada em duas bengalas e sustentada nos
seus 90 anos, vem a dona Adelaide. Quando me viu, atira logo: “olhe lá, quando
é que você vem tocar para a rua? Gostava tanto de vos ouvir!”. Tiro-lhe uma
foto e ela atira de supetão: “toda a gente
me tira retratos, carvalho! Se me pagassem, estava rica, fosca-se!?!”. E
muda logo para a conjuntura: “ isto está
“fornicado”, não está?”. E eu rio-me –valha-me esta graça de mulher para,
por momentos, me tirar do meu ensimesmamento.
Continuo a andar na direção do
Largo da Portagem. Estou agora na Rua Ferreira Borges. Reparo que as lojas
comerciais praticamente não têm ninguém. Olho para o chão e vejo o estado do
piso que já conheceu melhores dias. Os cafés nesta rua larga estão bem
compostos, quer nas esplanadas, quer no interior. Ouve-se a pronúncia espanhola
intensamente. E chego ao largo do senhor Joaquim António de Aguiar, que lá do
cimo do pedestal, de caneta na mão, continua a apontar tudo sem mexer um
músculo. Aqui as esplanadas também levam um suficiente na ocupação.
E desço as escadas do Gato. Começa a chover –que mania o São Pedro estar sempre a
provocar o pessoal! De certeza que o senhor de todas as águas do mundo tem
problemas de afirmação –penso para mim. Os estabelecimentos comerciais neste
perímetro envolvente estão às moscas. Vou em frente e entro na loja da Lena – a minha correspondente
exterior para as questões noticiosas do interior da Rua Sargento-Mor. Começo
por cumprimentar e perguntar: novidades,
Lena? Não há? Está acompanhada pela Teresinha Pena, a minha diva e que já
contei a sua história aqui. Como já é hábito, a Helena Gomes, a Lena, está sentada, de agulha na mão, a
fazer coelhos de pano e que vende a 1,50 €. Interrogo esta minha prezada amiga
da razão de fabricar os bonecos e os vender muito abaixo do custo e nem pagar o
seu trabalho. Claramente que está a fazer “dumping”.
Tens noção, Lena? Interrogo no meio de um sorriso irónico. Estás a substituir
os chineses, que, segundo se consta, trabalham por uma tigela de arroz? Responde
assim: “faço estes bonecos por ternura. É
uma forma de me manter ocupada. O seu efeito, para mim, é tão relaxante como
uma droga, ou comprimido para a ansiedade.”
Continuo a andar no sentido da Praça do
Comércio que, como já é hábito, está parcialmente ocupada com automóveis irregularmente
estacionados. As esplanadas estão a meia-tarimba.
Uma vendedora de almoços, de um dos restaurantes da praça, atira-se a mim para
me vender uma refeição, mas eu não posso. Para além de estar gordo, e também devido
à minha carência financeira, devo comer cada vez menos –e trabalhar cada vez mais
para aguentar o peso do corpo. Olho para o chão, para as lajetas de pedra e
apercebo-me que estão em muito mau estado. Reparo num arranjo recente às três pancadas. Um qualquer habilidoso
–se calhar serralheiro armado em calceteiro- colocou uma muito mal-amanhada laje na via –muito mais
clara do que as que estão- e ao lado deixou uma solta e que poderá originar
quedas em cadeia.
Nestes entrementes encontro um amigo que sabe mais da Baixa a dormir do que eu acordado. Falamos do desleixo a que está votada esta área velha, sobretudo depois da agregação das freguesias, cuja sede é junto aos Arcos do Jardim, no Bairro de Sousa Pinto. Comentamos o facto de alguns fregueses desta zona, maioritariamente idosos, terem de lá se deslocarem várias vezes pelo mesmo assunto. Pergunta ele: “porque não abrem ao público a antiga sede da ex-junta de Freguesia de São Bartolomeu, na Avenida Fernão de Magalhães?”. Naturalmente que eu não sei, mas fica a interrogação. Continuamos a especular sobre o futuro breve desta zona histórica. Agora que a freguesia foi extinta, associada a outras, quem vai assegurar a realização dos Santos Populares no Largo do Romal? É que o último presidente, Carlos Clemente, deixou uma marca de água muito acentuada aqui na Baixa. Era ele que dava o toque. Quem vai dar continuidade ao trabalho feito até aqui? Quem responde? Interroga o meu amigo. E eu sei lá? O que sei é que, apesar de entender o princípio da agregação das freguesias, o modelo seguido é um logro, uma farsa para quem vive nas áreas envolventes. Se aqui, na cidade, é assim, o que não será no interior do território?
Nestes entrementes encontro um amigo que sabe mais da Baixa a dormir do que eu acordado. Falamos do desleixo a que está votada esta área velha, sobretudo depois da agregação das freguesias, cuja sede é junto aos Arcos do Jardim, no Bairro de Sousa Pinto. Comentamos o facto de alguns fregueses desta zona, maioritariamente idosos, terem de lá se deslocarem várias vezes pelo mesmo assunto. Pergunta ele: “porque não abrem ao público a antiga sede da ex-junta de Freguesia de São Bartolomeu, na Avenida Fernão de Magalhães?”. Naturalmente que eu não sei, mas fica a interrogação. Continuamos a especular sobre o futuro breve desta zona histórica. Agora que a freguesia foi extinta, associada a outras, quem vai assegurar a realização dos Santos Populares no Largo do Romal? É que o último presidente, Carlos Clemente, deixou uma marca de água muito acentuada aqui na Baixa. Era ele que dava o toque. Quem vai dar continuidade ao trabalho feito até aqui? Quem responde? Interroga o meu amigo. E eu sei lá? O que sei é que, apesar de entender o princípio da agregação das freguesias, o modelo seguido é um logro, uma farsa para quem vive nas áreas envolventes. Se aqui, na cidade, é assim, o que não será no interior do território?
E entro na Rua Eduardo Coelho, o último afluente
navegável antes de chegar ao meu porto de abrigo. E dei a volta ao quarteirão. Nesta
artéria, tal como as que descrevi, o otimismo dos comerciantes, com quem falei,
não vai além de dois respiros. As lojas estão como as outras, vazias e à espera
de quem não prometeu vir. Valerá a pena o comércio continuar a substituir este
Dia Santo pela segunda-feira, sobretudo, quando os serviços públicos estão
encerrados -e os transportes públicos são residuais- neste dia feriado e
abertos no primeiro dia da semana? Fará sentido, isso sim, estar aberto nos
dois dias. Estamos em crise, não estamos?
Tal como o cartaz do pedinte na Rua da Sofia,
vamos todos implorar a Nossa Senhora de Fátima que nos ajude -nem que seja a vislumbrar
o caminho da luz. Estamos todos a ficar sem oxigénio e com a nossa casa para
pagar; sem esperança; sem reforma -esta que nunca mais chega-, e, por tudo isto
e mais alguma coisa que não vai no rol, pedimos a Deus e à Virgem que nos ajudem.
Pode ser?
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