O Paulo Simões está há mais de três décadas na
Sapataria “Clarinha”, na Rua da
Louça. Começou como empregado em 1981 e como patrão em 2003. Como a maioria dos
comerciantes, há cerca de quatro anos, em 2009, quando a economia nacional, por
arrastamento, foi apanhada no tsunami
do subprime, começou a verificar a
queda abrupta das vendas no seu comércio de sapatos – subprime é a designação que se atribui a um crédito concedido a um
tomador que não oferece garantias de bom pagamento e que começou nos Estados
Unidos e com a falência do Banco Lehman Brothers. Então há cerca de três anos,
ao lado do seu estabelecimento comercial, tinha encerrado um pequeno
estabelecimento de hotelaria havia pouco tempo e, porque é preciso continuar a
malhar duro para pagar as despesas, o Paulo, sem grande experiência, entrou no
mundo hoteleiro. No princípio, apesar de começar com uma renda de 1100 euros, o
negócio ia correndo sem grandes preocupações. Dava trabalho a dois
funcionários. Depois, progressivamente, quase gota-a-gota, começou a sentir
diariamente uma diminuição nas receitas e um aumento nos custos fixos.
Dispensou um dos empregados mas o desnível continuou. Apesar do senhorio ter
baixado para 800 euros de renda –montante que paga actualmente-, é impossível
continuar a segurar o “Snack-bar Paulos”
em funcionamento. Encerra amanhã. Vamos ouvir o Paulo:
“Não há hipótese nenhuma de continuar. As despesas são cada vez mais e
as refeições que sirvo são cada vez menos. Devido à crise económica nacional as
pessoas não têm dinheiro para comer. Todos os dias constato isto mesmo no meu
pequeno snack. Tenho 46 anos. Sempre trabalhei e irei no mesmo sentido, mas sinto
faltar-me o chão. Sei que não posso perder a esperança, mas vejo o amanhã muito
complicado. Mesmo com as vendas fracas tenho de continuar a lutar na sapataria.
O ter entrado na hotelaria foi uma tentativa arrojada, um defender para a
frente, porque gosto e preciso de labutar. Mas não resultou. Saio pior, muito
pior, do que entrei. Se pudesse voltar atrás, se fosse hoje, não me tinha
atirado. Ui… Ui! Hoje em dia, quem pense em iniciar uma casa de negócio que
abra a pestana. Não faça como eu! Digo isto com a maior franqueza! Pode ser uma
desgraça! Seja lá onde for, por amor de Deus, pensem duas vezes antes de dar o
primeiro passo. Podem até começar bem mas, passados meia-dúzia de meses, estão
em queda! Foi uma má experiência. Foram três anos perdidos da minha vida. Gosto
muito de trabalhar mas, como as coisas estão, vale mais estar quieto. As
pessoas não têm poder de compra –este é o verdadeiro problema. Mas há outro que
está a secar a esperança: a Baixa tem cada vez menos gente a passar nas ruas. Vejo
o seu futuro com preocupação. Se pudesse ia-me embora rapidamente. Só estou cá
pelos compromissos assumidos e pelos meus filhos. Não sei se, no limite,
acabarei por emigrar. Sinto-me vazio e num mundo à deriva. É um desastre o que
está a acontecer! Sinto-me muito triste e deprimido. Não tenho vergonha de
dizer: tenho chorado muitas vezes no silêncio da noite, a analisar a minha má
sorte! Não vejo futuro para a minha vida. Não sei para onde caminha este nosso
Portugal. É muito triste!”
O “NOSSO” CHEFE VAI PARA A “ESTRANJA”
O António Gonçalves, durante cerca de três
anos, foi o “chefe de serviço”, o braço direito do Paulo Simões na cozinha e no
balcão do pequeno restaurante. Tem 39 anos e, por altura do seu aniversário,
falei dele há uns tempos atrás, aqui. Para a próxima semana vai para a Suíça. “Tenho lá um irmão e foi ele que me deu a mão
neste meu tropeçar –diz-me, naturalmente ensimesmado. Sou obrigado a emigrar porque não tenho trabalho aqui. Nem para trás
vou olhar. Tem de ser, tem de ser! Mas levo muita mágoa comigo. Deixo cá os
meus amigos. Tenho muita pena de ser obrigado a abandonar a minha cidade. É uma
tristeza!”
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