LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: CARA FACILIDADE"; e "QUER ALMOÇAR?"; "HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES"; "OS ANOS DA CATARINA"; e "O ÚLTIMO DIA DO PAULO"
REFLEXÃO: CARA FACILIDADE
“Em 2003, vendi um automóvel usado a um amigo
que tinha em total estima e consideração. Até frequentava a casa dos meus pais
e tudo! No ato da transmissão, para lhe facilitar as coisas, não coloquei a
data da venda. Para começar, nunca me chegou a pagar a totalidade. Entregou-me
menos de metade do acordado. O tempo foi passando e coloquei a verba em dívida
nos incobráveis e, para não me aborrecer deveras, não mais pensei no assunto.
Até que no ano passado um meu familiar que me trata da declaração de IRS me
alertou que eu tinha uma dívida inscrita no Portal das Finanças relativa ao
imposto de circulação do carro que já foi meu. Não recebi e ainda tenho de
responder em obrigação tributária. Contactei o meu ex-amigo e ex-devedor –porque
a sua dívida perante mim já prescreveu. Começou por me aldrabar dizendo que já
tinha feito o abate do veículo numa determinada sucateira. Desloquei-me à sede
desta empresa e era mentira, o carro continua a circular por aí. Cometi um
erro, um erro de palmatória! Está a custar-me muito caro e, em cima de tantas
despesas, está a levar-me ao desespero.
Sou funcionário da CMC, Câmara Municipal de Coimbra. Esta semana recebi
uma comunicação dos Recursos Humanos emanada da Autoridade Tributária a
penhorar-me parte do salário e para ressarcimento, entre coimas e o imposto em
falta, no valor de mais de 500 euros. Fiquei em choque. Bolas, depois dos
cortes sucessivos no meu ordenado já pouco me resta para pagar o empréstimo da
casa que adquiri há poucos anos. A minha mulher está grávida e a trabalhar a
cerca de uma centena de quilómetros de Coimbra, em uma cidade do interior. Bem
sei que facilitei mas já viu isto? Estou completamente desorientado. Que futuro
vou dar ao meu filho que está para chegar? Não tenho dinheiro para o meu
dia-a-dia, e acontece-me mais isto? Ainda agora tive de ir a correr às Finanças
e pagar 61,42, que estava em vias de prescrição. Acredita que tive de ir ao
banco pedir que me avançassem esta importância e para descontar no meu salário
do fim do mês? Bolas, amores e dissabores todos temos nesta vida! Mas isto é
demais! Sinto-me muito desmoralizado! Sinto-me um náufrago na imensidão do
oceano!”
ORDENADOS PENHORADOS NA CMC É MATO
Segundo fontes que me deram o alerta, há uma
percentagem elevadíssima de funcionários com a corda ao pescoço e agora confirmadas por este meu depoente. Segundo
esta minha testemunha que pediu o anonimato, “é verdade que há imensos casos de penhoras de vencimento na autarquia.
Alguns deles com depressões associadas e com possíveis tragédias anunciadas. Pelo
sentimento de impotência, é um dó falar com estas pessoas. Para além de
chorarmos com elas, o que poderemos fazer?”
Talvez fosse boa ideia o
executivo municipal debruçar-se sobre o que se está a passar na sua própria
casa, digo eu, não sei!
“QUER ALMOÇAR?”
“O senhor quer almoçar? Ai já almoçou! E uma
sobremesa, não vai? Ai, diz que está gordinho? Não está nada! Porque não
experimenta a nossa suculenta doçaria? Não vai mesmo? E um café? Também não?”
Quem me fez hoje todos estes convites em pacote
embrulhado em papel de simpatia e impregnado com um fantástico sorriso foi a
Rita Nunes, em frente ao Restaurante A
Taberninha, na Praça do Comércio. Mas, conte-me lá Rita, quem é você e o
que faz aqui?
“Tenho 21 anos, sou natural de São Martinho do Bispo, em Coimbra, e
estou aqui a trabalhar há dois dias. Estudava enfermagem, frequentava o segundo
ano, mas tive de desistir: não tinha dinheiro para as propinas. Estava a
acumular dívidas e tinha de tomar uma atitude. Comecei a mandar currículos para
tudo quanto era empresa e foi assim que vim para aqui trabalhar. O labor nunca
me deu medo nem assombração. Se tem de ser tem de ser. Ponto Final e parágrafo.
Como já trabalhei em promoções em algumas grandes superfícies, o serviço que
estou a prestar agora neste restaurante é canja!
HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES
“No dia
27 de Março, último, no meu trôpego andar e agarrado à minha inseparável
bengala, estava na paragem da Rua Mouzinho de Albuquerque, no Bairro Norton de
Matos, à espera do transporte coletivo, o 24T. Eram cerca de 11h00 da manhã e o
dia estava cinzento. Assim que ouvi o refrear dos travões ao meu lado, penetrei
no autocarro. Como sempre faço quando entro, cumprimentei o motorista e dei o
passe a ler à máquina –já estou habituado a nunca receber um simples olá. Com o
tempo habituamo-nos à falta de respeito cultural. Como sou velho, acredito que
vale a pena continuar a persistir no erro. E eu teimo! Já tinha dado um passo à
frente quando ouvi: “bom dia! Como está?”. Seria para mim? Se calhar… e dei um
passo atrás. Era mesmo! Para meu espanto aquele motorista dos SMTUC, Serviços
Municipalizados de Transportes Urbanos de Coimbra, olhava os meus olhos com um
sorriso tímido. Senti-me gente, pessoa, não um velho imprestável como em outras
ocasiões parecidas. Mentalmente, agradeci repetidamente. E sentei-me. Ao meu
lado, reparei depois, estava acomodado um passageiro cego. O autocarro, entre
curvas e contracurvas, chegou à Rua dos Combatentes e parou. Para minha
completa surpresa, num respigo, o motorista saiu do seu lugar e pegando no
braço do meu confinante ajudou-o a descer e, com ele, atravessou a rua. Tudo
muito rápido e sem nenhuma perda de tempo.
Não pude sair sem lhe agradecer aquele gesto que me encheu o coração. Senti-me
menos velho e desamparado. Muito obrigado!”
OS ANOS DA CATARINA
A Helena Catarina Fidalgo comemorou, nesta
última segunda-feira, o seu 35.º aniversário. Conjuntamente com o marido, o
Nuno Duarte, desde novembro último, são os novos rostos da Tasquinha da Baixa –durante décadas e até há cerca de um ano a Tasquinha do Mário-, situada no Largo da
Fornalhinha, ao lado da Ricarlina.
Os muitos amigos em redor do
estabelecimento, e que não quiseram deixar passar a data em claro, numa
surpresa para a aniversariante, trataram de enfeitar o seu automóvel com balões
e mensagens de alegria e boa disposição. Naturalmente que não podia faltar o bouquet de flores, um bonito bolo em
forma de carochinha e um coro afinado a muitas vozes: “Parabéns, a você!”
A Catarina, perante uma tão simpática
brincadeira, não disfarçava a alegria. “Adorei
esta partida dos meus amigos. Tenho o coração cheio. Apesar de os ter conhecido
há pouco tempo, sinto-me em casa. Posso dizer a sorrir: o largo é meu!”
O ÚLTIMO DIA DO PAULO
O Paulo Simões está há mais de três décadas na
Sapataria “Clarinha”, na Rua da
Louça. Começou como empregado em 1981 e como patrão em 2003. Como a maioria dos
comerciantes, há cerca de quatro anos, em 2009, quando a economia nacional, por
arrastamento, foi apanhada no tsunami
do subprime, começou a verificar a
queda abrupta das vendas no seu comércio de sapatos – subprime é a designação que se atribui a um crédito concedido a um
tomador que não oferece garantias de bom pagamento e que começou nos Estados
Unidos e com a falência do Banco Lehman Brothers. Então há cerca de três anos,
ao lado do seu estabelecimento comercial, tinha encerrado um pequeno
estabelecimento de hotelaria havia pouco tempo e, porque é preciso continuar a malhar
duro para pagar as despesas, o Paulo, sem grande experiência, entrou no mundo
hoteleiro. No princípio, apesar de começar com uma renda de 1100 euros, o
negócio ia correndo sem grandes preocupações. Dava trabalho a dois
funcionários. Depois, progressivamente, quase gota-a-gota, começou a sentir
diariamente uma diminuição nas receitas e um aumento nos custos fixos.
Dispensou um dos empregados mas o desnível continuou. Apesar do senhorio ter
baixado para 800 euros de renda –montante que paga atualmente-, é impossível
continuar a segurar o “Snack-bar Paulos”
em funcionamento. Encerrou esta semana. Vamos ouvir o Paulo:
“Não há hipótese nenhuma de continuar. As despesas são cada vez mais e
as refeições que sirvo são cada vez menos. Devido à crise económica nacional as
pessoas não têm dinheiro para comer. Todos os dias constato isto mesmo no meu
pequeno snack. Tenho 46 anos. Sempre trabalhei e irei no mesmo sentido, mas
sinto faltar-me o chão. Sei que não posso perder a esperança, mas vejo o amanhã
muito complicado. Mesmo com as vendas fracas tenho de continuar a lutar na
sapataria. O ter entrado na hotelaria foi uma tentativa arrojada, um defender
para a frente, porque gosto e preciso de labutar. Mas não resultou. Saio pior,
muito pior, do que entrei. Se pudesse voltar atrás, se fosse hoje, não me tinha
atirado. Ui… Ui! Hoje em dia, quem pense em iniciar uma casa de negócio que
abra a pestana. Não faça como eu! Digo isto com a maior franqueza! Pode ser uma
desgraça! Seja lá onde for, por amor de Deus, pensem duas vezes antes de dar o
primeiro passo. Podem até começar bem mas, passados meia-dúzia de meses, estão
em queda! Foi uma má experiência. Foram três anos perdidos da minha vida. Gosto
muito de trabalhar mas, como as coisas estão, vale mais estar quieto. As
pessoas não têm poder de compra –este é o verdadeiro problema. Mas há outro que
está a secar a esperança: a Baixa tem cada vez menos gente a passar nas ruas. Vejo
o seu futuro com preocupação. Se pudesse ia-me embora rapidamente. Só estou cá
pelos compromissos assumidos e pelos meus filhos. Não sei se, no limite,
acabarei por emigrar. Sinto-me vazio e num mundo à deriva. É um desastre o que
está a acontecer! Sinto-me muito triste e deprimido. Não tenho vergonha de
dizer: tenho chorado muitas vezes no silêncio da noite, a analisar a minha má
sorte! Não vejo futuro para a minha vida. Não sei para onde caminha este nosso
Portugal. É muito triste!”
O “NOSSO” CHEFE VAI PARA A “ESTRANJA”
O António Gonçalves, durante cerca de três
anos, foi o “chefe de serviço”, o braço direito do Paulo Simões na cozinha e no
balcão do pequeno restaurante. Tem 39 anos e, por altura do seu aniversário,
falei dele há uns tempos atrás, aqui. Para a próxima semana vai para a Suíça. “Tenho lá um irmão e foi ele que me deu a
mão neste meu tropeçar –diz-me, naturalmente ensimesmado. Sou obrigado a emigrar porque não tenho
trabalho aqui. Nem para trás vou olhar. Tem de ser, tem de ser! Mas levo muita
mágoa comigo. Deixo cá os meus amigos. Tenho muita pena de ser obrigado a
abandonar a minha cidade. É uma tristeza!”
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