“Beja:
comerciantes demonstram “preocupação, descrédito e tristeza"
“A
Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas
(CPPME) esteve, ontem, em Beja, com o objetivo de aprofundar o
conhecimento da realidade local deste sector. “Preocupação,
descrédito e tristeza” foi o cenário que a Confederação diz ter
verificado, por parte dos comerciantes bejenses.
A
CPPME, Confederação Portuguesa tem andando a fazer
um périplo por todo o país, que visa aprofundar o conhecimento das
várias realidades locais da classe, com o objetivo de criar, à
semelhança dos anos anteriores, um documento de propostas a
apresentar ao Governo para o próximo Orçamento do Estado. Em Beja,
Jorge Pisco, presidente da CPPME diz ter encontrado nos proprietários
comerciais “preocupação, descrédito e tristeza”.
Lojas
prestes a fechar, falta de estacionamento, condicionamento do
trânsito na zona histórica, aumento das rendas, desertificação e,
sobretudo, o facto de haver “um número excessivo” de grandes
superfícies comerciais no concelho, para os cerca de 30 mil
habitantes foi, segundo Jorge Pisco, a realidade com se deparou a
CPPME, na sua passagem por Beja.
O
presidente da CPPME revelou que esta situação só pode ser
revertida, através de apoios nacionais aos micro empresários e,
deixou claro, que “as autarquias locais têm um papel fundamental”
na resolução deste problema.”
PARAR
PARA PENSAR
Há
muitos anos que ando a escrever que, transversalmente de norte a sul,
o comércio de rua entrou num processo progressivo de extermínio.
Este texto da CPPME, referente ao estado da compre e venda na cidade
de Beja, diz tudo. As actividades mercantis, ditas de tradicionais,
perante a maior passividade de todos, clientes, mercadores e
autarcas, arrastam-se pelos corredores do desaparecimento temporal.
Tomo
a liberdade de plasmar uma crónica que escrevi há cerca de uma
década, mais precisamente em Abril de 2008:
José, nascido e criado para os lados de Penacova, com pouco mais de 10 anos, depois de ter concluído o ensino primário, começou a trabalhar numa loja de fazendas ali na Praça do Comércio. A Segunda Guerra Mundial, pela escassez de bens, ainda estava fresca na memória. Apanhavam-se os últimos estilhaços e, como um puzzle, tentava-se dar ordem a um certo caos reinante, sobretudo na procura e na oferta económica.
Apesar
de Salazar ter evitado o envolvimento de Portugal neste grande
conflito bélico, mesmo assim, não evitou o racionamento e alguma
fome nas aldeias e cidades. Os tempos que se viviam eram duros. Os
então caixeiros de comércio trabalhavam de sol-a-sol, apenas com o
Domingo de folga, quando calhava. Eram tratados pelos seus patrões
com violência verbal e física, sobretudo se não conseguiam vender
um metro de tecido ao freguês para fazer a saia. José lembrava-se
de apanhar brutais “caneladas” dadas pelo seu patrão, mesmo
enquanto atendia o freguês. Era verdade que ele não se manifestava,
mas o dono da loja reconhecia no marçano qualidades acima do comum e
uma intuição especial para o negócio.
Com pouco mais de 20 anos, José, com muitos sacrifícios e uns contos de reis emprestados, adquire o seu primeiro espaço comercial e, logo a seguir, o seu primeiro carro Honda, em segunda mão.
Com pouco mais de 20 anos, José, com muitos sacrifícios e uns contos de reis emprestados, adquire o seu primeiro espaço comercial e, logo a seguir, o seu primeiro carro Honda, em segunda mão.
Quando
se deu o 25 de Abril de 1974, a revolução apanhou-o a trabalhar
arduamente dia e noite com os seus 10 empregados. Era proprietário
de três lojas de pronto-a-vestir na Baixa. Com os novos ventos de
mudança no país os salários passaram de mil escudos (5 euros) para
cerca de três mil escudos (15 euros) por mês. Nunca até aí os
assalariados se tinham visto com tanto dinheiro. A consequência
deste aumento foi uma frenética onda consumista. Foi uma correria
para as lojas de comércio, nesta altura, centralizado então na
Baixa histórica de Coimbra. Para aqui, para a zona histórica,
confluíam todo o concelho e distrito de Coimbra. Aqui eram
realizados todos os desejos. Numa variedade incomensurável de
oferta, desde a almotolia em folha de Flandres até uma albarda para
burro, tudo por cá se vendia. Aliás, e por isso mesmo, por a
procura ser superior à oferta o negócio prosperava e não havia
mãos a medir.
Depressa José se apercebeu que o comércio de rua iria atravessar os seus melhores tempos de ouro. Empenhou-se pessoalmente nas vendas diárias das suas lojas. Para cada cliente entrado nos seus estabelecimentos, no seu entender, deveria corresponder uma venda. Com uma pressão envolvente e sentida, os seus empregados sabiam que não podiam falhar, caso contrário lá tinham de ouvir os ralhetes intempestivos do patrão.
Depressa José se apercebeu que o comércio de rua iria atravessar os seus melhores tempos de ouro. Empenhou-se pessoalmente nas vendas diárias das suas lojas. Para cada cliente entrado nos seus estabelecimentos, no seu entender, deveria corresponder uma venda. Com uma pressão envolvente e sentida, os seus empregados sabiam que não podiam falhar, caso contrário lá tinham de ouvir os ralhetes intempestivos do patrão.
O
cliente queria uma camisola vermelha? Azar, só havia azul-marinho!
Não importava! Ficava o cliente a saber que não devia comprar
vermelho. Para além de não se usar, não dava com o seu tom de
pele. “Veja como lhe fica bem o azul-marinho”, argumentava o
funcionário, encostando a malha ao rosto do comprador, tentando
convencer e pensando para si: “se é mais uma “xizada” (se não
vendo) estou tramado, lá tenho de ouvir o “Jota”. Deus queira
que este compre!”.
Sem
exagero, José tinha os melhores vendedores do comércio de Coimbra.
Eles sabiam que o prémio da sua aplicação, no fim do ano, seria
generoso e muito bem recompensados pelo patrão.
Investiu na construção civil, comprando vários edifícios por toda a cidade e mais estabelecimentos na Baixa. Em 1990 tinha 38 funcionários e 8 lojas, todas juntas, umas às outras. Na cidade era difícil lembrar a moda e a sua grande variedade de artigos sem falar em José Coimbra.
José acreditava na Social Democracia e era fã de Sá Carneiro. Com a morte deste fundador do PPD/PSD, em Dezembro de 1980, o grande comerciante sofreu o seu primeiro desaire em projecto político-partidário. Abominava “os comunas”, “esses vermelhos que hão-de levar este país à desgraça”, espalhava por entre o seu meio, enfatizando com solenidade profética.
Quando o governo de Cavaco Silva caiu para Guterres, em 1995, José começou a ver-se cabisbaixo e preocupado com o rumo do país, e do comércio de rua. A partir daí ninguém mais o viu sorrir. As rugas de preocupação assentaram arraiais na sua fronte para nunca mais levantarem. Nesta altura, tinha 30 empregados e a facturação das suas lojas decaía diariamente.
Investiu na construção civil, comprando vários edifícios por toda a cidade e mais estabelecimentos na Baixa. Em 1990 tinha 38 funcionários e 8 lojas, todas juntas, umas às outras. Na cidade era difícil lembrar a moda e a sua grande variedade de artigos sem falar em José Coimbra.
José acreditava na Social Democracia e era fã de Sá Carneiro. Com a morte deste fundador do PPD/PSD, em Dezembro de 1980, o grande comerciante sofreu o seu primeiro desaire em projecto político-partidário. Abominava “os comunas”, “esses vermelhos que hão-de levar este país à desgraça”, espalhava por entre o seu meio, enfatizando com solenidade profética.
Quando o governo de Cavaco Silva caiu para Guterres, em 1995, José começou a ver-se cabisbaixo e preocupado com o rumo do país, e do comércio de rua. A partir daí ninguém mais o viu sorrir. As rugas de preocupação assentaram arraiais na sua fronte para nunca mais levantarem. Nesta altura, tinha 30 empregados e a facturação das suas lojas decaía diariamente.
Morreu
em Outubro de 2000, sem saber que “os comunas”, de que tanto
receava, afinal eram os ultra-liberais que impregnavam o interior do
seu amado partido PSD/PPD.
Sem o desejar, deixou uma bomba-relógio para o seu filho-varão resolver. Em 2004 ainda trabalhavam naquela outrora grande firma 25 funcionários, a maioria com mais de 30 anos de antiguidade.
Hoje o filho mais velho do extinto José Coimbra tem 10 funcionários. As vendas das suas agora 3 lojas não chegam para pagar os impostos. Muito menos ainda para pagar os ordenados.
Sem lhe restar outra alternativa, requereu a insolvência da firma que foi a menina dos olhos de seu pai. Vai encerrar definitivamente em Junho deste ano da (des)graça de 2008. Com o “féretro” desta grande firma, que faz parte dos anais históricos comerciais da cidade, vai-se um pouco de mim, um pouco de muitas centenas de pessoas –talvez mais de um milhar-, que ali aprenderam o “bê-à-bá” do comércio tradicional.
Sem o desejar, deixou uma bomba-relógio para o seu filho-varão resolver. Em 2004 ainda trabalhavam naquela outrora grande firma 25 funcionários, a maioria com mais de 30 anos de antiguidade.
Hoje o filho mais velho do extinto José Coimbra tem 10 funcionários. As vendas das suas agora 3 lojas não chegam para pagar os impostos. Muito menos ainda para pagar os ordenados.
Sem lhe restar outra alternativa, requereu a insolvência da firma que foi a menina dos olhos de seu pai. Vai encerrar definitivamente em Junho deste ano da (des)graça de 2008. Com o “féretro” desta grande firma, que faz parte dos anais históricos comerciais da cidade, vai-se um pouco de mim, um pouco de muitas centenas de pessoas –talvez mais de um milhar-, que ali aprenderam o “bê-à-bá” do comércio tradicional.
É
caso para interrogar: Para onde vais, para onde caminhas,
comércio de rua? Ao escrever isto, sinceramente, não consigo conter
uma lágrima vadia de revolta.
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