Lentamente,
como caracol em folha de couve, o ano percorre o seu tempo. Como
nevoeiro que se instala e depressa se evapora, o mês de Agosto está a chegar ao fim. Com o seu final anunciado vai-se um pouco de nós. É
como se com ele fosse um pouco da nossa vida e o passado fosse mais
passado. É certo que ao escrever isto estou a ser parcial, afinal
comemoro o aniversário neste mês e talvez seja por isso que sinto a
nostalgia, o sentimento da melancolia, ou talvez uma saudade de um
marco que dura pouco e é tão marcante na minha existência.
É
tão curto o mês de Agosto! É talvez a unidade de tempo mais
desejada e, no entanto, como gelado que se come rapidamente em
lambidelas de prazer, parece esvair-se por entre os dedos. Quase sem
darmos por isso, à noite, verificamos que o pôr-do-sol se instala
mais cedo e o crepúsculo poético, aquele prazer que nos invade em
entrar pela agradável noite dentro, avisa que, até ao final do ano,
vai ser cada vez mais rigoroso a cortar na luz solar.
A
cidade, que neste período de férias troca os nativos por outros
turistas do mundo de calções pelos joelhos e mochilas às costas,
aos poucos, regressa à normalidade. Substituindo o pálido branco
imaculado de quem nos visita, passamos a conviver com a cor do
amendoim torrado no rosto dos nossos vizinhos. Reparamos que vêm
muito mais calmos. Parecem encarar o berço que o viu nascer ou
acolheu no seu seio com outra forma cordata de ver. Estão mais
assertivos, menos críticos na acutilância, perderam o pessimismo
galopante que os caracterizava, e, se preciso for, durante um curto
espaço de tempo e até a raiva voltar, até davam um beijinho na pêra
do regedor do paço.
O
estrangeirismo, que durante esta altura tomou conta dos nossos
sentidos, das nossas ruas, dos nossos becos e ruelas e foi o nosso
oxigénio, evapora-se como glaciar em clima tórrido e dá lugar à
nossa língua-mátria, que contra ventos e marés de alteração, que
com defeitos e virtudes é nossa e gostamos muito dela.
Nas
lojas comerciais, paulatinamente, vai-se abandonando a irritante
interrogação em espécie de vocativo: “Bom dia! Fala
português?”
Os
restaurantes, perdendo as tropas de infantaria com as listas na mão,
a imitar o Algarve e a interrogar os passantes “Is it for
lunch?” (é para almoçar?), vão tornar-se mais consociáveis.
As esplanadas, que foram centro do mundo no nosso centro da urbe,
tornam-se mais locais sedentarizados e a considerarem novamente o seu
cliente de muitos anos.
Para
os empresários de hotelaria é o tempo de embainhar as espadas até
meados do ano seguinte e, no anunciado descanso do guerreiro, entrar
numa espécie de hibernação e catarse para avaliar o que correu de
menos bem.
O
mês de Agosto é o mês dos festivais de Norte a Sul, das festas de aldeia, das romarias sacras e
profanas. É o pico de união entre as gentes que estão cá e outras
que vem de fora. Os emigrantes mais velhos - que vieram por uns dias,
e que cada vez são menos pela força do desligamento dos filhos e
netos a Portugal, cujos costumes e cultura popular não lhes diz nada
no outro lado da fronteira e que já nem falam português - continuam
a sonhar vir morrer à sua terra-natal.
Mesmo
correndo a contra-gosto, é o Agosto, o mês mais universal e
democrático, que nem que seja pelas ilusórias “vacaciones”
concorre para uma igualdade sociológica.
Até
para o ano, mês de Agosto!
Sem comentários:
Enviar um comentário