(Foto de Jorge Neves)
Como contava no anterior
apontamento, estava eu, na quarta-feira passada, de perna cruzada na esplanada
do Café Santa Cruz, a comer com olhos
os pães masculinos que passavam no meu ângulo de visão, quando vi o Veiga
vir, em passo de corrida, na minha direcção. Chegou ao pé de mim e… “Rosete…
Rosete”… -o Veiga, perante a visão infinita das minhas pernas e das minhas
mamas, nem sabia se havia de despejar o recado, se haveria de me despir pela vontade, se haveria de me comer com os olhos –ai estes homens, que não podem
avistar carne fresca! Ficam logo como açúcar em ponto, todos derretidos. Estava
completamente hipnotizado pelas minhas pernas –o que também não é de admirar, se eu, que tão bem as conheço, estou
perdidamente apaixonada por elas. Bendito paizinho que tão boa filha fizeste.
Em fracção de segundo, como foco de luz de um farol a percorrer o oceano, ora
vinha a cima, ora vinha a baixo. E eu, num deleite celestial como se estivesse deitada
nua numa nuvem, a gozar a atrapalhação do Veiga. Os homens para mim, perante
uma mulher boa, serão sempre eternamente crianças crescidas. Adoro estes
momentos de provocação. Não sei se alguém já teria apresentado este exemplo,
mas os homens, em face de um naco como eu, fazem lembrar um urso polar. Avançam
a toda a pressa sobre a vítima a contar que não haverá reacção. Porém, se
houver, basta uma mínima segurança da presa, do alto do seu enorme tamanho
ficam estarrecidos, só não se enterrando pelo chão abaixo por acaso, e batem
estrategicamente em retirada.
Claro que aqui, no caso do Veiga,
é um homem batido nas conquistas femininas. Sei lá quantos corações se teriam
derretido, mas, adiante. “Rosete… Rosete… o Quim Barreiros está na Rua Eduardo
Coelho, a convite da Isabel Leão. Tens de ir fazer a reportagem. É momento
único este facto do homem que Quer
cheirar teu Bacalhau estar cá na Baixa. Aqui nunca acontece nada!” –titubeava o meu amigo Veiga, enquanto, mais
uma vez, me tirava as medidas ao meu excelente corpo bem criadinho, graças ao
Altíssimo.
Por momentos ainda pensei dizer
ao meu amigo para ir dar uma volta à Portagem e voltar. Mas depois, vendo bem a
coisa, de outro modo, até poderia ser giro. Há muitos anos que penso na personagem Quim Barreiros. Isto é, para
o exterior e como pacote comercial e
bicho de palco, existe o Barreiros brejeiro,
engatatão, tipo Zé Camarinha, e
depois, por baixo daquela máscara está o homem, o pacato, o Zé português tão igual a qualquer um.
Aquele Zé que, para se desenrascar,
para subir na vida e almejar uma existência digna, como órfão em busca de um
pouco de amor, teve de se agarrar ao que sabia fazer melhor. Ora, cá para mim,
que sempre gostei de observar, este artista Quim Barreiros é o paradigma do self made man, aquele que, vindo das
catacumbas da miséria, subindo a corda a pulso, agarra com unhas e dentes a
oportunidade única que o destino, enquanto rei do acaso, lhe coloca à frente:
enterteiner, músico, e, acima de tudo, um bom comunicador. Fazendo das suas
fragilidades uma fortaleza, explora como ninguém a pedantice de um português bacoco,
que se julga mais esperto que qualquer um e gosta de espezinhar os humildes.
Gosto deste Barreiros, pronto. Está dito! E só por isso até vou fazer a reportagem.
Além disso, sempre quero ver como, perante a minha imagem de Afrodite, procede
o Quim. Sempre quero ver se, de facto
como imagino, não terá mais olhos que
barriga. Vamos lá então. Senhor
Costa, senhor Costa… -chamei eu, alto e bom som, o empregado de mesa, a
tempo inteiro e pintor nas horas em que deveria dormir, do Santa Cruz. Quanto é o café, senhor Costa? –faço sempre
isto, claro que eu sei muito bem quanto é o custo do café, mas é uma forma de
chamar a atenção. Por mais que invoquemos que somos todos muito seguros e não
queremos saber nada da opinião de quem nos rodeia andamos sempre em busca de
aprovação. O reconhecimento dos outros é o nosso carburante anímico. Bem sei
que deveria estar fora disto. Pois! Acontece que, por mais críticas que teça ao
comportamento alheio, dou por mim, amiúde, a fazer igual. Lá me lembro do velho
Sigmund…o Freud. Ah, velho danado! Mesmo um século depois, as tuas citações e
pensamentos continuam actuais!
Saí então da Praça 8 de Maio e, no meu passo bamboleante de diva, de luxúria
e curvas libidinosas, entrei nas ruas estreitas. Vamos lá ver se algum
comerciante, mais afoito, me atira com um piropo, ou assobio. Inclino-me que
nem um se vai atirar a mim. Imagino-os sentados numa cadeira com os braços
apoiados numa mesa e as mãos a suportar a cabeça –como o pensador de Rodin.
Tristeza! Um homem pode perder tudo, mas quando perde a tesão é o fim da sua
essência. Deixa de ser homem e passa a sombra. Atravessei a Rua do Corvo e até
meio da Eduardo Coelho e nem uma boca “ó boa chega-te a mim!”. Esta cidade está
mesmo num desespero!
Encontrei o Barreiros dentro da Loja da Rosinha a experimentar já
nem sei o quê, creio que eram cuecas. Comecei logo por ouvir as suas frases bem
metidas de ocasião: “preciso de uma calçadeira
para enfiar os tomates dentro disto!”. Não pude deixar de rir. O que seria
esta vida triste sem pessoas como o Quim? Se não fossem estas suas graças
pareceria que vivíamos dentro de um cemitério. Mais uma vez ensaiei um sorriso
desde o meu queixo até ao umbigo. E lá veio o Barreiros de cuecas na mão –salvo
seja, é claro. Quando me viu pareceu ter ensandecido. Ai o gajo! Não pode mesmo
ver uma gaja boa! Vou mas é pirar-me daqui. Caso contrário ainda corro o risco
de ser comida viva. Fosca-se!
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