LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "REFLEXÃO: EM BUSCA DE UM NOVO SALVADOR", deixo também as crónicas "O OLHAR DO GATO PERSA"; e "BAIXA NOT SHOPPING".
REFLEXÃO: EM BUSCA DE UM NOVO SALVADOR
Estamos aí com as eleições
autárquicas à porta –e por que não, se calhar e mais que certo, também as
legislativas?! Os candidatos à cadeira do imperador perfilam-se, afiando
espadas, navalhas e, sobretudo, recorrendo aos meios de influência para levar
tudo, desde o cãozinho ao gatinho, e todos lá de casa a votarem nos seus
idealizados projetos, não a pensar no desenvolvimento das zonas locais onde
estão implantados, mas sim no que pode dar
no olho e cativar o eleitor, desde o mais simplório até ao mais importante
do léxico social.
Depois da apresentação das suas
candidaturas em brilhantes colóquios –que
no início das suas dissertações o público convidado mostra as suas gravatas
reluzentes na cor partidária em fato domingueiro e, algumas vezes, fazendo-se
acompanhar com um grande bouquet de flores, começa por ser uma feira de
vaidades onde, no fim do discurso do candidato, se concentram todas as particulares
clientelas pretendentes aos novos tachos, levando os filhos, os netos e os
sobrinhos ao beija-mão real- passa-se então à fase seguinte, que são os almoços em família. Neste entremeio, os olheiros do aspirante, sub-repticiamente,
vão vendo o posicionamento dos conhecidos mais próximos. Se o postulante ao
poleiro é do centro-direita, naturalmente mais conotado com a Democracia Cristã ou a Social-democracia, o mais provável,
perante certas atitudes vanguardistas dos avaliados, é serem inscritos no Index como comunistas. Se o candidato a chefe de colocação de empregos é do
centro-esquerda, em face de parciais crónicas nos jornais a favor do opositor,
posições públicas assumidas, conversas de café, o mais certo é o estudado ser
relegado para um limbo de condenados ao esquecimento. Se o pretendente ao maior
número de votos é da esquerda retinta, como sabe que dificilmente assentará o rabiosque no trono, o mais óbvio é olhar
todos os não prosélitos como inimigos;
assim um pouco como os maoistas, nos
idos anos de 1960, consideravam todos os não seguidores da doutrina de Mao. Ou seja, és por mim ou, não sendo, és inimigo do povo, e, em consequência
para abater a qualquer custo. E depois, como não poderia deixar de ser, vêm os
novos movimentos independentes. Aqui, como sabem e sentem ser discriminados
pela Lei Eleitoral, onde a legislação funciona como preservativo, e tudo é
dificuldade criada pelos partidos tradicionais para evitar a sua multiplicação,
neste caso, dentro destas organizações, intrinsecamente de esquerda mas
apregoando a aceitação de todos os credos ideológicos, apela-se ao papelinho na
urna, a todas os idealistas, venham os votos, sem olhar a quem e com algum
cinismo calculista à mistura, nem que seja do Inferno.
Passando às prováveis eleições
legislativas que aí estão a romper, o cenário não é menos desolador e
catastrófico. O interesse pessoal e partidário domina completamente os atores
sonhadores com um lugar ao sol no executivo ou, no mínimo, uma cadeirinha no
Parlamento, na Assembleia da República. O curioso, neste tempo de vacas magras e de colocações difíceis, é
que, como se estivéssemos num teatro de máscaras, de repente, toda esta gente
–esta execrável amostra de gente sem princípios e valores, sublinho-, de uma
forma prepotente e cuidada, deixaram cair as dissimulações e, agora,
apresentam-se, sem pudor, como sempre foram: servidores dos seus próprios alinhamentos
mentais e interesses narcisistas. Se nesta feira
de ladroagem, cujo país será já pequeno para conter tantos ladrões, sempre houve alguma esperança
no Presidente da República, cuja função constitucional, hipoteticamente, será a
de árbitro, gestor de conflitos e ansiedades do povo que sofre na pele as
tropelias destes indivíduos sem escrúpulos, este último e em exercício, Cavaco
Silva, em nome dos alegados soberanos
interesses do país, ao tornar-se um descarado protetor do seu partido de
sempre, guardador de um rebanho de ovelhas que giram à sua volta, e acima de
tudo preocupado com a sua própria imagem, com a sua recente intervenção
desastrada, veio, de uma vez por todas, afundar o que ainda restava na
confiança que os portugueses depositavam no seu chefe de Estado. A partir de
aqui, para a frente, acabou-se de vez a crença nas instituições. Desapareceu a
esperança. O sistema democrático está em coma induzido. Basta desligar as
máquinas para ser enterrado sem direito a epitáfio. Morreu o projeto europeu,
assente na livre-circulação de pessoas e bens. Claudicou o Euro e o sistema
monetário, assente na crença de uma moeda única, símbolo do princípio da
derrocada da soberania para todos os seus membros. Está aberto o caminho para o
ressurgimento de um novo salvador que vai retirar Portugal das garras dos
interesses mesquinhos de uma classe de elite que desprezando o povo, não
olhando a meios para atingir os fins, sem freio, abocanha e, sem vergonha, mastiga,
tritura e consome tudo o que for riqueza nesta Nação. Com o seu confisco,
levando ao suicídio individual, ao encerramento da pequeníssima empresa, e
destruindo famílias inteiras como se de um processo de seleção se tratasse. Uma
espécie de Eugenia, que Hitler para
atingir os seus fins recorreu também com o sucesso que se conhece traduzido em
80 milhões de mortes com a subsequente Segunda
Guerra Mundial. Por que razão ninguém se sustenta na História e nos sinais
evidentes que perpassam em frente aos nossos olhos? Essa, verdadeiramente, é
mesmo a questão nacional.
Em regressão, fazendo analogia
com os anéis do tempo, provavelmente, estaremos
entre 1892, data da bancarrota e finais da Monarquia Constitucional, e 1933,
apogeu e ascensão de Salazar, na instituição do Estado Novo como bandeira
nacionalista. Sem esquecer a ditadura Sidonista de 1917. Tal como nessa época,
para a maioria, para este povo que lavra
neste rio de sacrifícios sem valer a pena, a sensação é a de que se com
este sistema não vamos a lado nenhum e estamos cada vez mais pobres e
miseráveis venha lá esse Salvador. Onde é que ele está? Onde é? Onde é? Venha
ele!
O OLHAR DO GATO PERSA
Dentro da montra daquela que já
foi a maior universidade livre do comércio da Baixa, o felino, de pelo bem
tratado e a parecer um gato de peluche, olha para quem passa com desdém. Os
seus olhos, frios e petrificados no vazio, parecem avaliar tudo em seu redor.
Uma pequena fresta muito estreita na principal porta de entrada indica que sai
quando quiser. Notoriamente, pelo ar descansado em pose, sente-se dono de todo
aquele território imenso e abandonado pelos homens. Afinal ali tem tudo o que
um gato precisa; espaço para fazer umas caminhadas ao entardecer, em completa
segurança, porque caminhar em beirais e outros tais, já foi. Isso foi noutros tempos. Pensa para si
mesmo –porque gato também pensa, não esqueçam. Hoje com a segurança protecional aos felinos, concedida pelos humanos,
não vale a pena arriscar. Gente de todos os quadrantes trazem tudo, a paparoca
– já nem é preciso correr atrás dos ratos-, água, vitaminas, e até umas vacinas
para evitar a multiplicação da espécie. Às vezes, quando, no intervalo de
uma boa leitura, tira um tempo para refletir, dá por si a questionar o que se
passa com o pessoal de duas patas. Será que enlouqueceram? Não ligam patavina aos congéneres da mesma espécie; nem um olhar de
comiseração lhe dispensam, mas para nós, irracionais, é tudo em grande. Para
além da Sociedade Protetora dos Animais, já arranjaram mais uma associação cá
na cidade. Não deixa de ser estranho, confesso, nós não pedimos nada e dão-nos
tudo. Por acaso, falo por mim, não tenho aspirações políticas, porque se
tivesse, com este paparicar em forma de assédio, facilmente chegava à cadeira
do mayor. Até era giro. Já imaginaram um gato como eu, de grandes bigodaças,
chapéu na cabeça, e grandes botas de cano, a mandar nestes humanos tolos? Não
se admirem. Já estive mais longe. Um dia destes até fundam a Universidade do
Miau. Em contrapartida, as pessoas passam a vida de braço no ar a reivindicar
tudo nas ruas e não levam nada. Para além de ninguém lhes passar cartão, ainda
lhes retiram o que conseguiram nas últimas décadas. Muitas vezes penso que esta
gente anda toda doida. Qualquer dia, no Código Penal, vale mais a vida de um
gato do que a de uma pessoa. Este pessoal não sabe o que nos hão-de fazer. Isto
às tantas é carência de afeto, sei lá! A solidão invadiu o coração do colectivo.
Todos tentam sorrir a fingir que são felizes, mas eu sei que não são. O
sofrimento é imenso. Ainda bem que a dor não tem cor. Se tivesse estes humanos
seriam todos africanos. Só eu sei quantas lágrimas choradas me apercebo nas
tantas janelas que espreito.
Mas deixem-me mostrar, isto aqui tem umas vistas magníficas sobre a rua
e a praça em frente. Se não fosse pela passagem estreita de acesso, traria uma
cadeira de balouço, um charuto havano e colocava uns óculos pretos nos meus
olhos. Mais, até tem um lago na cave. Isto é simplesmente espetacular. Quando
me lembro que os meus pais –o Felício e a Isménia, eram muito pobres coitados,
creio que vocês não devem ter conhecido- durante “décadas” nunca tiveram acesso
a esta outrora grande loja. Se me vissem agora, aqui, nestas minhas férias, nem
iam acreditar. Até tenho pena deles, palavra de gato. O que eles passaram para
fazer de mim um felino culto e trabalhador. Saiu-lhe tudo furado. Culto sou
pouco, trabalhador muito menos. Mas como é que eu podia ser trabalhador? Basta
lembrar-me dos velhotes sempre esfalfados e estafados, de telhado em telhado,
em busca do sustento para mim e para os meus irmãos. Ora o que aconteceu? O meu
pai, o Felício, deu uma queda brutal do alçado do prédio do senhor Zacarias e
estatelou-se na calçada –foi nitidamente um acidente de trabalho, mas pensam
que a minha mãe, a Isménia, recebeu alguma coisa? É o recebes! Nessa altura não
havia este protecionismo todo à volta da minha classe que hoje assistimos.
Passado pouco tempo, a minha progenitora bateu também a caçoleta. Coitada! Não
aguentou a solidão e o esforço dobrado. Ora, está de ver que o trabalho mata.
Sendo assim, seguir os seus passos, só se eu fosse um jumento. Acontece que sou
gato. Esta vida é uma maravilha!
“BAIXA NOT SHOPPING”
Nesta última quarta-feira, foi
inaugurada no estacionamento do Hotel Oslo, Parkhotel,
na Avenida Fernão de Magalhães, uma exposição permanente de fotografias do
conceituado fotógrafo Paulo Abrantes.
Trata-se de um portefólio de imagens
representativas de ícones do comércio tradicional, alguns a desaparecerem
diariamente, outros que já se foram e apenas o seu esboço ficou na memória
coletiva. Uma mostra que recomendo vivamente a todos os que amam a Baixa.
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