segunda-feira, 29 de julho de 2013

O LEGALISMO CEGO E ATROFIANTE



(Se quiser ver um vídeo do raio do puto a tocar como gente crescida clique AQUI)


 A semana passada escrevi n´O Despertar uma crónica sobre o título “Um anjo supertalentoso a tocar violino”. Para quem não leu, contava a magistral execução de um menino-prodígio, de 6 anos de idade, a tocar violino na Rua Ferreira Borges. Filho de dois excepcionais músicos, o Fernando Meireles e a Patrícia, naturalmente que filho de peixe só poderá ser mesmo campeão olímpico de natação. Fiz alguma coisa de mais? Não senhor. Como passageiro anónimo destas ruas da Baixa, se calhar, digo eu, com alguma sensibilidade maior do que o comum dos transeuntes, limitei-me a registar o facto. Passando a imodéstia, há uma diferença entre o singular e plural. O singular, enquanto solitário e perscrutador de silêncios, olha à volta, repara num gesto subtil, num olhar perdido, pressente, vê com antecipação. Pelo contrário, o colectivo, agindo em mimética de carneirada, em imitação de massas, só se apercebe de algo grandioso quando é chamado à atenção pelos jornais e televisão. Então um facto que até aí esteve ao alcance de um olhar, e nunca mereceu um fixar de mais de três segundos, de repente, passa a ser seguido por todos. E vem esta introdução a propósito de um desabafo do Fernando Meireles, que passo a reportar:
“Gostaria que ficasse bem claro que a minha presença e do Fernandito na Baixa de Coimbra só tem a ver com o facto de ele tocar bem e gostar de tocar em público. Para o meu rebento é muito importante tocar ao ar livre, porque ele é um grande artista e vai ser essa a sua vida, e este contacto directo cria descontracção, gera confiança e desmistifica a tensão de estar em palco sobre a pressão dos espectadores -sei do que falo porque piso palcos há muitos anos e, ainda hoje, há quase sempre um nervoso miudinho que por vezes nos deixa um pouco tensos e inquietos. A meu ver, como pai e músico, esta performance constitui um grande estímulo para o meu filho. São momentos de treino que, em vez de o fazermos em casa, ao fazê-lo na rua e poder partilhar isso com os transeuntes é muito importante para ele e para o seu futuro. Temos sido muito acarinhados e incentivados por quem passa na Baixa. Fazemos isto por pura brincadeira e divertimento. O dinheiro que recolhemos vai para a conta do Fernandito e também é distribuído pelos outros músicos que tocam na zona, ele, nisso, é muito generoso. A semana passada estávamos a tocar e passou por nós um senhor que andava a pedir e o Fernandito parou de tocar e pegou numa mão cheia de moedas e foi dar ao homem. Quando vê o acordeonista que toca contigo, ou o saxofonista, ou alguém a tocar qualquer música, é muito bondoso e quer dar sempre 3 moedas. Acho isso lindo, imensamente altruísta e comovente.
Ontem (terça-feira, 23) fomos novamente à Baixa. Já não íamos há uns dias, e fomos abordados por dois agentes da PSP. Com uma atitude ameaçadora, foram dizendo, que ninguém tinha feito queixa até ao momento, mas assim que alguém fizer eles vão lá, identificam-nos e levam-nos. Eu disse ao senhor agente, porque só um é que falou, que estávamos ali porque o Fernandito quer, gosta e é uma maneira dele treinar e estudar com entusiasmo e incentivo do público. Ele também joga bola na rua, anda de bicicleta, pratica skate. Enquanto educador não me esqueço destas necessidades essenciais. Expliquei que era esse o espírito que nos movia e ali nos apresentávamos. Disse-lhes também que seria preciso uma mente muito obscura e perversa para transformar estes nossos momentos em algo que pudesse ser condenável, mas o polícia disse-me que estávamos conversados e não queria mais conversa. Fiquei triste, e o Fernandito também, porque percebeu a cena, ficou intimidado e ganhou medo da polícia. Tenho vindo a incutir no meu filho que a polícia serve para nos proteger e ajudar. Ele até tem um amigo polícia que se chama Cândido, que costuma ir à escolinha dele e de quem ele gosta muito. Agora, com este episódio, ele ficou a questionar, e por isso mesmo, temos ficado por casa. Tocamos todos os dias, mas, para nós, era muito mais saudável poder fazer este trabalho na rua, partilhando esta alegria com as pessoas que passam do que estarmos a fazer o mesmo trabalho dentro de 4 paredes.”


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