Faleceu o Manuel Magalhães da
desaparecida Sapataria Reis, na Rua Eduardo Coelho e com frente para o Largo da
Freiria. Sei que há pouco tempo tinha sido intervencionado nos Hospitais da
Universidade e, presumivelmente, devido à Diabetes, teria sofrido a amputação
de uma perna.
O “Manel” da Sapataria Reis, como
era carinhosamente conhecido por aqui, infelizmente, faz parte de um leque de comerciantes
que trabalharam toda a vida no comércio e, devido a várias peripécias –sobretudo
pelas políticas destrutivas e de abandono a que o comércio tradicional foi
votado- acabam muito mal. Pelo respeito que este meu vizinho sempre me mereceu
não devo aprofundar mais esta análise. Mas é com uma imensa revolta que, mais
uma vez com tristeza, vejo um homem que dedicou a vida inteira a
comerciar -mais um caso, entre tantos, infelizmente- partir sem orgulho e sem glória.
Para além de ter sido mercador, o Magalhães foi um grande atleta do Sporting Nacional, hoje ainda
com instalações decrépitas no Largo da Freiria. Para quem o conheceu bem fica a
saudade da sua sapataria Reis aberta ao público. Fica a recordação de tantos
jogos de moeda que numa vozearia efervescente, em “uma… três… cinco”, ecoavam
em redor do Largo da Freiria. Se na altura, para muitos, aqueles gritos eram
inapropriados, para mim, sempre foram apanágio de vida, símbolos de uma cidade
que, através do pregão e destas manifestações, recusava morrer. Com a partida
do Magalhães vai-se um pouco de nós; memórias de um tempo que, tal como ele,
não voltará mais.
À sua família, nesta hora de incomensurável
dor, um grande abraço de solidariedade. Nós, vivos, que ainda até um dia por
aqui, pela Baixa, vamos caminhando, fazemos votos para que o “nosso Manel”
finalmente descanse em paz.
Há tempos, em sua homenagem,
escrevi e musiquei esta canção tocada pela denominada Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra. Deixo aqui o poema, e a canção, em sua
memória:
HINO À CIDADE PERDIDA
“Olhem, tenham dó”,
gritava a cigana,
“tenho dez filhos e “mi home, entrevadinho”,
está na cama, coitadinho, e não pode trabalhar;
Davam uma moeda,
tinham compaixão,
na outra esquina um ceguinho repetia a lengalenga
trauteada em oração;
No largo em frente
jogavam à moeda,
e entre um copo e uma sardinha na tasca da Mariazinha
se depuravam as mágoas;
ESTA CIDADE JÁ NÃO
EXISTE
O tempo passou
e tudo mudou,
e a minha rua que era luz, agora é triste, tem uma cruz
p’ra lembrar que pereceu;
Já nem um pregão,
um gato a miar,
só o silêncio modorrão invadiu seu coração
e de quem teima em ficar;
ESTA CIDADE NÃO TEM VIVER
JÁ NÃO TEM VIDA, ESTÁ A MORRER
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