segunda-feira, 10 de junho de 2013

EM BUSCA DA SALVAÇÃO TERRENA

Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas
(Imagem da Web)


 Volta e meia vou lá almoçar. É um pequeno restaurante na Baixa da cidade. Sempre que transponho a porta de entrada vejo lá caras novas. Sem exagero, no último ano, teriam lá passado mais de uma dezena de funcionárias. Sei que são enviadas pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional. Às vezes converso com o dono desta pequena casa de pasto –estranho nome, mas é mesmo assim chamada, aceitável se entendermos que, intrinsecamente, somos animais em busca de sustento. A diferença entre nós e os ruminantes é que estes limitam a sua procura à comida e à satisfação sexual, nós, humanos, não. Para além destes dois elementos, enquanto primado existencial de uma salvação terrena, precisamos também de alimento espiritual. Queixa-se ele amiúde da falta de profissionalismo e de outros problemas das suas subordinadas. Escuto-o com atenção, mas, mentalmente, vou pesando na minha balança de ponderação as razões que tornaram este sexagenário e profissional de hotelaria azedo, mal com o mundo, cara de pedra, e de manifesta infelicidade. Para além dos impostos e obrigações segregadores, paga uma renda altíssima pelo pequeno espaço e, para piorar, é obrigado a levar preços extremamente baixos para conseguir captar clientela. Não é preciso ser economista para saber que neste caso, se os custos fixos são exagerados e os proveitos são incertos e de pouca margem de lucro, o encerramento é o único final concreto e previsível.
É feriado, Dia de Portugal. Reparo que há pouco movimento de clientes na zona onde está inserido. Os restaurantes em volta, com as esplanadas a desafiar o apetite dos poucos transeuntes, estão vazios. Os funcionários, olhando quem passa como se pedissem ajuda para manter os seus postos de trabalho, parecem sentinelas de guarda a um posto vazio e sem sentido de estar de pé.
Sento-me na mesa à espera de ser atendido. Enquanto isso, aproveito para observar. Reparo que o gerente do pequeno restaurante está prestes a despejar alguma da frustração que o consome numa nova empregada, mais que certo ter entrado ao serviço por estes dias. É uma mulher com cerca de meio século –mas apenas verificamos este facto depois de um exame atento. Aparentemente parece ter cerca de trinta anos. Tem os cabelos oxigenados, rosto miúdo, olhos vivos e emoldurados com uns óculos de executiva, imbricado num corpo de boneca e uma vincada personalidade assente numa experiência empírica. O dono da casa saiu disparado na sua direcção. Apesar de ir a mais de cem à hora, ainda deu para ouvir as suas palavras carregadas de azedume, em ensaio de ralhete atirou as palavras como se brandisse um chicote: “então a menina não leva a conta ao cliente? Está tirada desde que a pediu!”. A mulher, como ave acossada, ainda experimentou uma reacção brusca mas, provavelmente e especulando, ter-se-ia lembrado dos seus filhos com fome, da prestação da casa por pagar e do marido desempregado, olhou para ele com olhar furibundo, encheu o peito de ar, acabou a encolher os ombros e não deu troco. Mas o homem precisava de alguém que desse luta para largar o rancor que consumia as suas entranhas, alguém que lhe servisse de vazadouro para arcar com o desapontamento de ter votado no partido do Governo, no desânimo de ter um país miserável e gramar uma política de terra queimada, onde os novos se tornaram velhos por não terem utilidade e os velhos, como cacos sem glória, não passam de memórias de um passado pouco edificante. Virou-se para outra colega, ainda nova, e tratou de barafustar nem sei o quê. A rapariga afastou-se, levou a mão aos olhos, como se tentasse evitar mostrar fragilidade perante o agressor e conter uma lágrima intempestiva, não viesse o pingo lacrimejante romper o acordo existente consigo mesma tantas vezes martelado em noites de grande insónia. Como também ela não ofereceu resistência o homem veio para dentro a tartamudear uma vaga de impropérios.
Segundo o semanário Expresso, em Elvas, para comemorar o 10 de Junho, Dia de Portugal, num continuado vazio nacionalista, onde a questão que se coloca é saber o que se comemora de facto, se é a manutenção de um Estado ou o fim de uma Nação, o Presidente da República, Cavaco Silva, rejeitou uma visão conflitual dos poderes presidenciais. Dizendo também “que o contributo do chefe do Estado deve ser dado pela "positiva" e rejeitou uma linha de actuação negativista e conflitual. Falando na cidade alentejana, “Cavaco abordou longamente o problema da agricultura nacional, precisamente para mostrar o lado positivo do país, rejeitando que a entrada de Portugal na CEE tenha representado o declínio da agricultura e do mundo rural.”
Não perguntei, quer ao dono do pequeno restaurante quer às funcionárias, se perceberam alguma coisa do que disse o Presidente da República. Será de supor que não. É que uns e outros vivem no mesmo país, mas em universos distintos. Uns são uns desgraçados, chafurdando na lama para sobreviver e fazendo do sofrimento uma força, outros, à custa de douradas reformas estatais, como Juno em nuvem alta, vivem em graça.
Haja pachorra, e uma elevada paciência divina, para aguentar esta situação de profunda indignidade.


1 comentário:

joão josé cardoso disse...

Deixei de frequentar depois de o ano passado ter constatado que fica a dever depois de despedir. Está à altura daqueles em quem votou.