(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Vivemos um tempo diferente de
todos os demais? Ou nem por isso? Escrito assim, com esta arrogância analítica toda
em trejeito inquisitivo, até parece que sabemos alguma coisa do que está para
trás, para além da estrada percorrida da nossa existência. Claro que não se sabe
quase nada. Porque uma coisa é o passar lá, o sentir o estilete na carne, e outra é ter informação livresca,
de como era.
Mas se todos, antropológico e intrinsecamente,
somos diferentes, e seremos ainda mais desiguais tanto quanto penoso foi o
caminho transitado; e se cada um é o resultado global de uma parte do passado e
outra do meio circunstancial que o rodeia no presente, poderemos chegar ao
desejado e interrogar: estamos mais iguais ou mais diferentes? Claro que a resposta
dependerá sempre do factor bem-estar. Isto é, se nós, nas últimas décadas, atingimos
um patamar de conforto que redundou em alegria, e na felicidade atingimos um
grau de igualdade social nunca antes conseguido, é mais que certo que chegámos
ao máximo da paridade de direitos conquistados enquanto pessoas. Em metáfora,
é como se as diversas sociedades que nos antecederam, ao longo de todos os
séculos anteriores, fossem obrigadas a subir uma montanha a pulso na aquisição
de prerrogativas e o pico fosse alcançado no último quartel do século XX pela nossa geração
e descendente, os nossos filhos. Naturalmente, continuando na analogia, seguindo
a linha da natureza, não havendo mais monte para escalar só nos restavam duas
opções: mantermo-nos no patamar alcançado ou descer. Pelo que se sabe e
sentimos na pele, como não foi possível prorrogar, fomos obrigados a descair. Ou
seja, perante este novo milénio, estamos a ser coagidos a fazer o percurso
inverso. A cada dia que passa, para muitos, sobretudo mais velhos, e em “déjà
vu”, nesta vereda espinhosa e de pedras agrestes, experimentamos a sensação de
que já passámos por aqui. Só que, curiosamente, em outro tempo, quando
esforçadamente, com o suor a escorrer pela fronte, subindo, éramos tomados de
alento, tínhamos um objectivo: chegar ao pico. Agora, como barco a meter água
no oceano e cuja única saída é torná-lo mais leve para não submergir, estamos a
abandonar tudo para no mínimo salvar a vida.
Começou por se perder o crédito
bancário –que noutros tempos já não havia- e passou a viver-se apenas do parco rendimento
do trabalho; a seguir passou a não haver dinheiro para substituir a máquina de
lavar louça –que noutros tempos não havia- e passou-se a voltar a lavar à mão;
largou-se o automóvel –que noutros tempos não havia- e passou a andar-se de
autocarro; perdeu-se o emprego –aqui de certo modo diferente de outras épocas,
salvo cataclismos económicos- e perdeu-se a casa hipotecada para o banco;
deixou de se poder contar com cuidados de saúde primários –talqualmente como em
tempos remotos- e passou a viver-se menos e em função proporcional à conta
bancária; começou a encurtar a pensão de reforma –antigamente não havia- sendo
de supor que, em função do rácio activos/passivos, a médio prazo desapareça; o
frigorífico, cada vez mais ronceiro e esmurrado, vai ficando cada vez mais
vazio de alimentos –igual a outras épocas em que a comida escasseava- e quando
der o estouro não será substituído; as velas e as candeias –tal como
antigamente- substituem a energia eléctrica, por impossibilidade de a manter; o
transporte de água em vasilhas pelas ruas –tal como há décadas atrás- substituem
a água canalizada, por impotência financeira; os rostos, outrora alegres, são
agora máscaras trágicas carregadas de tristeza –parecido às décadas de
1930/40/50- onde cada pessoa, em sofrimento atroz, quase pede por amor de Deus
para ser ouvido; no meio da conversa, em lengalenga de padecimento,
inevitavelmente vai chorar; sente-se naquela expressão de angústia, naquele
estender de braço de náufrago em SOS de apelo: “por favor escute a minha dor!”
Neste recuar, o que se pode fazer
com um povo carregado de infelicidade assim? Até onde vai recuar? Até a uma
nova grande guerra? Vivemos um tempo completamente diferente dos demais. E estamos muito mais desiguais. Infelizmente!
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