Ontem escrevi aqui um texto
pretensamente a tentar analisar as tertúlias que actualmente estão a surgir na
cidade como cogumelos em terreno fértil de inverno. Estes novos encontros, que pelo
menos nos últimos 15 anos estiveram em coma, salvo excepções, visam promover
grupos, partidos políticos e pessoas. Os seus temas são, com cardápio variado e na maioria das vezes, sobre a Baixa. Mas quem acompanhar de perto estas
discussões agregadas verifica que, verdadeiramente, os itens em análise ficam
para trás e o que ressalta é a projecção da imagem dos promotores. E sendo
assim, no tocante à Baixa, poderemos especular com a pergunta: estaremos
perante um abuso de confiança? Ou seja, perante a “desgraçadinha”, ao dar-se a
mão sobre os holofotes da solidariedade, o que se salienta é a figura de quem
se curva perante a vítima e sem nada resolver a quem está na miséria?
Ontem, no texto que escrevi sobre
este assunto, interrogava: perante o laxismo e o desprezo dos interessados,
para que servem estas actividades? Para além disso, fazia enfoque no primeiro dos “Encontros do Café Santa Cruz”, promovido pela gerência deste estabelecimento e realizado
na quarta-feira, cujo conteúdo visava discutir os problemas da Baixa. Chamava a atenção, também, para o facto de, perante um painel de luxo, respectivamente
Laborinho Lúcio, João Paulo Craveiro e Gonçalo Quadros, e um espectáculo
musical de cinco estrelas, a sala do reputado café, na primeira hora, se
encontrar parcialmente vazia de cidadãos interessados em discutir a sua cidade,
a Baixa, e, sobretudo, nem um político eleito da Câmara Municipal de Coimbra
marcar presença.
Ora, ontem à noite, promovido
pelo Lions Clube de Coimbra, realizou-se outra tertúlia cujo âmbito era “Vamos falar sobre a Coimbra actual - ciclo de
tertúlias de Outono na Baixa de Coimbra” e em temas principais:
-Tertúlia da Baixa de Coimbra.
Ontem e hoje, espaços de cidadania.
-Luiz Goes. O homem, o Poeta, o
cantor.
-Intervenção alargada aos
participantes.
Tinha também um elenco especial
no painel: António Arnaut, advogado e reserva mental de uma certa extirpe
revolucionária e humanista em desaparecimento, e Carlos Carranca, professor,
poeta e ensaísta, e um grupo de fados de Coimbra. Antes de prosseguir, gostava
de realçar que, quer os temas tratados na quarta-feira, em “Encontros em
Coimbra”, quer os de ontem, pelo Lions Clube de Coimbra, na sua essência, a
Baixa, são similares. Em analogia, uma vez que se tratava da mesma razão de
fundo, esta zona velha, seria de supor que a adesão pública seria igual. É
certo que, ontem, no meio do tema de discussão e secundarizada, se pretendia
fazer uma homenagem a Luiz Goes, mas, repito, a génese da tertúlia era a Baixa.
E volta-se a interrogar, tal como na anterior sessão, havia pouco publico? Não.
A sala estava repleta e a abarrotar. Mais, as pessoas presentes na assistência
eram a fina flor da nossa santa parvónia. Entre muitos que não reconheci, podiam
ver-se desde João Moura, presidente da Câmara Municipal de Cantanhede; Fernando
Regateiro, ex-presidente do Conselho de Administração dos HUC; Isabel Garcia,
da editora Minerva; Joaquim Andrade, presidente da Junta de Freguesia dos
Olivais; Norberto Canha, ex-presidente dos HUC; Pulybio Serra e Silva, médico e
professor; Linhares Furtado, médico; Raimundo Mendes da Silva, professor
universitário e responsável pela candidatura a Património Mundial da Unesco;
Jorge Cravo, grande representante da canção coimbrã; e Cabral de Oliveira,
jornalista. Por parte da autarquia, enquanto vereador do executivo, esteve José
Belo; por parte da oposição, Carlos Cidade.
E chegados aqui já poderemos
fazer um balanço em jeito de interrogações. Teria sido o facto de se pretender
fazer uma homenagem a Luiz Goes que levou todos estes nomes sonantes ao Café
Santa Cruz? Teria sido o facto de esta iniciativa ter sido convocada pelo Lions
Clube de Coimbra? Inclino-me para esta segunda hipótese porque a maioria deles
estiveram em anteriores sessões. Se assim for, facilmente chegamos a uma fácil
constatação. O que traz os notáveis da cidade à Baixa não é intrinsecamente a
discussão da sua regeneração, mas antes a importância do convocador e da elite
que habitualmente marca presença. Em silogismo, a ser assim, quererá dizer que
todos correm para ficar atrás e marcarem presença na “foto” de grupo. E já
agora, chegados aqui, pode entrar-se a matar: esta elite quer saber alguma
coisa do que se passa na Baixa? Quantos deles são vistos por aqui a comprar?
Salvo melhor opinião, é a minha e
vale o que valer, a pretensa “tertúlia” de ontem, sem pretender ofender alguém,
foi algo de timorato. Foi uma feira de vaidades já recorrente nestes encontros
do Lions Clube de Coimbra, onde a bajulice pindérica impera. De tertúlia teve
pouco e muito menos debate com o público assistente. Curioso verificar que se
esteve presente em face de um paradigma de uma “certa outra cidade elitista” e
separada dos “futricas”, dos trabalhadores, que quer António Arnault quer
Carlos Carranca tanto se esforçaram por combater e driblarem nas suas
longuíssimas reflexões.
Bom, nem tudo foi mau. Ficaram
nos nossos ouvidos as belas interpretações do grupo de fados “Pardalitos do
Mondego” e acompanhados pelas excepcionais vozes de Carlos Carranca e o solista
do grupo.
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