sexta-feira, 19 de outubro de 2012

LEIA O DESPERTAR



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "EM BUSCA DA RAZÃO PURA", deixo também as crónicas "ROSTOS NOSSOS DESCONHECIDOS - "A MADRUGADORA"; "CHEGARAM AS CASTANHAS"; e "REFLEXÃO: FALTA DE PINO".



EM BUSCA DA RAZÃO PURA

 Primeiro, há uns tempos, a queixa chegou-me no imperativo: “tens de escrever sobre o que se está a passar na Rua Simão de Évora. Depois, a semana passada, por parte de alguns intervenientes veio o pedido de mediação. Aqui já no sentido da crónica sair em favor da sua razão. Acontece que não me cabe ser juiz de coisa nenhuma, aliás, para além da incompetência, no escrever, tenho obrigação de ser imparcial e o que noticiar terá de tentar ser sempre proactivo e em busca da paz social. Mas o que se passa, afinal? Vamos aos factos apurados.
Há cerca de meia dúzia de anos, aquando das obras do prédio da desaparecida Garagem Avenida, com frente para a Avenida Fernão de Magalhães e confinante com a Rua Simão de Évora, para que fosse possível o acesso de camiões a esta artéria, foi retirado o chamado “pimenteiro”, torre de controlo do pino que coarta o acesso às ruas estreitas da Baixa, por veículos, pelo menos entre as 10 e as 20h00 –também o existente na Rua da Gala, do lado da Loja do Cidadão, desapareceu nessa altura.

 Em resultado destes desmembramentos o acesso à rua ficou totalmente franqueado e passou a ser um parque de estacionamento. A fermentação começou a azedar quando há cerca de seis meses abriu o “João dos Leitões”, na Rua da Gala, e pouco tempo depois José Madeira, dono do Hotel Oslo, inaugurou o “Coimbra Vintage”, um novo conceito de alojamento virado para o turismo, na Rua Simão de Évora. O verniz começou a estalar quando o dono da nova estalagem verificou que muitas vezes tinha a sua porta bloqueada com automóveis de vários vizinhos e tratou de chamar a atenção. Por sua vez a gerência do João dos Leitões e outros comerciantes não gostaram porque entendem que, uma vez que o parque de carga e descarga no Largo das Olarias está sempre repleto de carros, em maioria particulares, e tem de poder tratar da sua vida. Em silogismo, se o parque para o efeito não é eficaz é legítimo utilizar a Rua Simão de Évora, uma vez que o pino não está operacional.

 Ao que parece, em resultado deste desaguisado, tem sido a Polícia Municipal a servir de espada vingadora de Dâmocles e ser continuamente chamada pelos vários interessados para punir o opositor. Vamos ouvir alguns intervenientes que deram a cara:
Carla Rodrigues, gerente do João dos Leitões: “Para carregarmos ou o contrário na Rua Simão de Évora, seja lá o tempo que for, somos logo denunciados pelo dono do Hotel Oslo à Polícia Municipal. Se o pino não funciona, deve-nos ser dada a possibilidade de utilizar a rua porque não temos onde estacionar e o local licenciado para o efeito está sempre ocupado. Quando o pino for arranjado, paciência!”
Arsénio Martins, dono de uma firma de vinhos na Rua Simão de Évora: “ainda na sexta-feira veio a Polícia Municipal e mandou-me retirar a carrinha imediatamente. Tenho impressão que há queixas para a polícia. Já apanhei mais de uma dúzia de multas aqui à volta para descarregar. O parque de cargas e descargas está sempre ocupado com carros ligeiros. Em parte o dono do Hotel Oslo tem razão porque investiu aqui o seu dinheiro e paga impostos. Deixa de a ter quando chama a polícia para multar. Afinal estamos todos aqui a ganhar a vida e devemos dar-nos bem e não andarmos à pancada!”
Arménio Lousã, dono de uma frutaria na Rua da Gala: “não tenho tido problemas sempre que venho descarregar. Também é certo que procuro evitá-los, porque devemos respeitar-nos mutuamente, mas vê-se que o senhor da residencial tem o “rei na barriga”. Diz que chamamos a polícia. Eu nunca chamei. O estacionamento destinado às mercadorias está sempre ocupado com veículos particulares. Nós queremos trabalhar, porque precisamos, e não conseguimos!”

José Madeira, dono do Hotel Oslo: “investi na Rua Simão de Évora uns largos milhares de euros. Aquela artéria foi sempre um beco desprezado. Arranjámos o nosso prédio e até pedimos autorização ao proprietário vizinho, cujo edifício está em ruínas, para nos autorizar pintá-lo. É certo que é também no nosso interesse, mas temos tentado tudo para fazer uma rua bonita e limpa. Às vezes chega a estar cheia de carros que impedem a entrada para o meu estacionamento e para a residencial. Em face do constante parqueamento durante todo o dia, fui falar com vários comércios, incluindo a gerência do João dos Leitões, a apelar para o respeito para o meu negócio. A senhora desta reputada casa hoteleira respondeu-me que chamasse a polícia. Que diabo, este género de argumentação está errado! Tenho tentado levar as coisas nas calmas. Sempre foi um princípio que me guiou na vida: tentar dialogar com as pessoas e aqui tem sido impossível. Isto já se arrasta há meia-dúzia de anos, pelo menos desde que destruíram o “pimenteiro” e não o repuseram. Repare que o busílis da questão reside aqui. Se o pino fosse reparado acabavam-se as guerras. Tenho tentado tudo para evitar estas quezílias que nos prejudicam a todos. Falei com um engenheiro da autarquia; dei conhecimento ao presidente da Junta de Freguesia de São Bartolomeu; falei pessoalmente com um responsável pela empresa Resopre, que é a firma que dá assistência aos pinos. Até agora, ninguém me deu ouvidos e parecem não querer resolver este problema. Este desleixo, para além de me “agredir” e me desgastar, prejudica-me de facto. Sei lá?!, às vezes penso que querem formar mau ambiente entre comerciantes, intencionalmente.


ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS

“A MADRUGADORA”

 Tenho quase a certeza, na Baixa haverá poucos que não conheçam o rosto da “Lena, do quiosque Espírito Santo”, junto ao Café Santa Cruz. Mas quantos já olharam os seus olhos e procuraram saber o custo de um sorriso seu? Será que adivinham, ou calculam, o preço de tantas vezes apetecer chorar e, para não fazer transparecer a dor ao cliente, ter de sorrir?
A Maria Madalena Martins, a “Lena” de todos nós, é uma lutadora e um modelo que não devemos deixar passar em branco. Sempre trabalhou e continua a labutar muito para conseguir andar de cabeça erguida. Desde muito cedo, ainda adolescente, foi obrigada a saber quantos grãos cabem num alqueire de trigo. Desde que esteve quase duas décadas empregada na extinta Sociedade Nacional de Padarias, e lá conheceu o amor da sua vida, o marido Jorge Martins, que se habituou a labutar muito e a dormir pouco. Diariamente, de domingo a domingo, entra na cama por volta das 23 e passada meia dúzia de horas, à volta das 5 da matina, já está de pé. Mal tem tempo para descansar, “mas a vida é assim”, diz-me conformada, “tenho de continuar sempre em frente e sem esmorecer. Para ter tudo em dia, impostos e renda. Na minha casa, as minhas duas filhas, que são uns amores, e o meu Jorge, todos nos esforçamos até ao limite. Aqui na loja, estamos abertos ao público todos os dias e sempre até tarde. Sabes que os nossos clientes querem ter o que procuram, sem questionar o esforço do nosso ser, e raramente têm um simples olhar para a nossa alma. Para muitos, felizmente não todos, somos assim uma espécie de máquina de servir, sem vida própria, e com sorriso obrigatório pregado nos lábios.”

O quiosque Espírito Santo, onde para além de se venderem jornais e revistas, de se poder pagar a luz e água e carregar os passes dos transportes coletivos, é também um posto de apoio social aos muitos velhinhos para resolver “pequenos nadas” que se transformam em gigantescas barreiras infernais de vidas solitárias. É aqui que a “Lena, do Espírito Santo”, como embaixadora da paz e da boa vontade, exerce o seu mister e os encaminha para a resolução e dá corpo ao aforismo de que “um homem sobe quando se baixa para ajudar alguém”. 




CHEGARAM AS CASTANHAS

 Quem faz o favor de me ler saberá que, como disco riscado, estou sempre a bater na mesma tecla: na atualidade, os locais habitados tornaram-se formatados e sem vida genética ligada na cultura de antanho. Em nome de uma homogeneização bacoca de tecnocratas com assento em Bruxelas, que não sabem nada do que é o povo no seu lado intrínseco de usos e costumes, transformou-se tudo em igual. Como se certos hábitos que nos davam identidade fossem sinónimos de subdesenvolvimento e atraso e, por isso mesmo, através de leis sem sentido cultural e histórico, destruíram-se séculos de saber fazer e de memórias. Progressivamente foi-se perdendo a naturalidade e implantou-se o artificial –quando penso neste processo, em analogia, lembro-me sempre de uma máquina de picar carne, no bocal maior entra a diversidade e no menor sai tudo massificado e igual.
Quem se lembra de Coimbra há quarenta anos atrás, sem esforço, vai recordar a cidade desse tempo através dos ruídos, dos vários pregões das vendedeiras, do vendedor da banha da cobra, da cigana a ler a sina, do barulho da amálgama de gente com seu rumor de fundo; dos cheiros que emanavam de cada recanto, de cada loja –com odor a naftalina-, de cada tasca –com o aroma de bifanas e “jaquinzinhos fritos-, de cada pequena fabriqueta de amêndoas e doces tradicionais –com o intenso perfume a açúcar em ponto.
Hoje, neste deserto de insensibilidade, poucos restam. Um dos odores que ainda temos oportunidade de “snifar” é o das castanhas assadas. Mas será por poucos anos. Quando desaparecerem pessoas como a dona Adelaide e a senhora Natália, se quisermos lembrar o outono, resta-nos, se calhar, adquirir estas fragrâncias em casas de perfumes que nos venderão a sua essência.
Felizmente que, pelo menos este ano, a dona Natália ainda nos presenteia a todos com o seu espetáculo visual e festim para o nosso olfato. Aí está ela, e às vezes o marido, a comercializar as castanhas. Um dia vamos todos sentir a sua falta, inevitavelmente.



REFLEXÃO: FALTA DE PINO

 Apetece-me inventar um aforismo: se muitos pinos incomodam muita gente, a falta de dois incomodam muito mais. Nesta crónica sobre a Rua Simão de Évora, poderia começar por comprometer os comerciantes pela falta de entendimento, mas parece-me muito mais importante relevar o abandono, a omissão, a que os responsáveis votaram estes dois elementos, os pinos, que, para todos os efeitos, são fundamentais na proteção de pessoas e bens e servindo originariamente para impedir o tráfego automóvel durante o dia e parcialmente na noite, na Baixa. Lembro que este investimento, no magistério de Manuel Machado, em 1999, custou 80 mil euros ao erário público, depois da conversão para a nova moeda. Se funcionassem devidamente durante a noite quantos assaltos à propriedade teriam evitado?










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