LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "EM BUSCA DA RAZÃO PURA", deixo também as crónicas "ROSTOS NOSSOS DESCONHECIDOS - "A MADRUGADORA"; "CHEGARAM AS CASTANHAS"; e "REFLEXÃO: FALTA DE PINO".
EM BUSCA DA RAZÃO PURA
Primeiro, há uns tempos, a queixa
chegou-me no imperativo: “tens de escrever sobre o que se está a passar na Rua
Simão de Évora. Depois, a semana passada, por parte de alguns intervenientes veio
o pedido de mediação. Aqui já no sentido da crónica sair em favor da sua razão.
Acontece que não me cabe ser juiz de coisa nenhuma, aliás, para além da
incompetência, no escrever, tenho obrigação de ser imparcial e o que noticiar
terá de tentar ser sempre proactivo e em busca da paz social. Mas o que se
passa, afinal? Vamos aos factos apurados.
Há cerca de meia dúzia de anos,
aquando das obras do prédio da desaparecida Garagem Avenida, com frente para a
Avenida Fernão de Magalhães e confinante com a Rua Simão de Évora, para que
fosse possível o acesso de camiões a esta artéria, foi retirado o chamado “pimenteiro”,
torre de controlo do pino que coarta o acesso às ruas estreitas da Baixa, por
veículos, pelo menos entre as 10 e as 20h00 –também o existente na Rua da Gala,
do lado da Loja do Cidadão, desapareceu nessa altura.
Em resultado destes
desmembramentos o acesso à rua ficou totalmente franqueado e passou a ser um
parque de estacionamento. A fermentação começou a azedar quando há cerca de
seis meses abriu o “João dos Leitões”, na Rua da Gala, e pouco tempo depois
José Madeira, dono do Hotel Oslo, inaugurou o “Coimbra Vintage”, um novo
conceito de alojamento virado para o turismo, na Rua Simão de Évora. O verniz
começou a estalar quando o dono da nova estalagem verificou que muitas vezes
tinha a sua porta bloqueada com automóveis de vários vizinhos e tratou de
chamar a atenção. Por sua vez a gerência do João dos Leitões e outros
comerciantes não gostaram porque entendem que, uma vez que o parque de carga e
descarga no Largo das Olarias está sempre repleto de carros, em maioria
particulares, e tem de poder tratar da sua vida. Em silogismo, se o parque para
o efeito não é eficaz é legítimo utilizar a Rua Simão de Évora, uma vez que o
pino não está operacional.
Ao que parece, em resultado deste desaguisado, tem
sido a Polícia Municipal a servir de espada vingadora de Dâmocles e ser
continuamente chamada pelos vários interessados para punir o opositor. Vamos
ouvir alguns intervenientes que deram a cara:
Carla Rodrigues, gerente do João
dos Leitões: “Para carregarmos ou o contrário na Rua Simão de Évora, seja lá o
tempo que for, somos logo denunciados pelo dono do Hotel Oslo à Polícia
Municipal. Se o pino não funciona, deve-nos ser dada a possibilidade de
utilizar a rua porque não temos onde estacionar e o local licenciado para o
efeito está sempre ocupado. Quando o pino for arranjado, paciência!”
Arsénio Martins, dono de uma
firma de vinhos na Rua Simão de Évora: “ainda na sexta-feira veio a Polícia
Municipal e mandou-me retirar a carrinha imediatamente. Tenho impressão que há
queixas para a polícia. Já apanhei mais de uma dúzia de multas aqui à volta
para descarregar. O parque de cargas e descargas está sempre ocupado com carros
ligeiros. Em parte o dono do Hotel Oslo tem razão porque investiu aqui o seu
dinheiro e paga impostos. Deixa de a ter quando chama a polícia para multar.
Afinal estamos todos aqui a ganhar a vida e devemos dar-nos bem e não andarmos
à pancada!”
Arménio Lousã, dono de uma
frutaria na Rua da Gala: “não tenho tido problemas sempre que venho
descarregar. Também é certo que procuro evitá-los, porque devemos respeitar-nos
mutuamente, mas vê-se que o senhor da residencial tem o “rei na barriga”. Diz
que chamamos a polícia. Eu nunca chamei. O estacionamento destinado às
mercadorias está sempre ocupado com veículos particulares. Nós queremos
trabalhar, porque precisamos, e não conseguimos!”
José Madeira, dono do Hotel Oslo:
“investi na Rua Simão de Évora uns largos milhares de euros. Aquela artéria foi
sempre um beco desprezado. Arranjámos o nosso prédio e até pedimos autorização
ao proprietário vizinho, cujo edifício está em ruínas, para nos autorizar
pintá-lo. É certo que é também no nosso interesse, mas temos tentado tudo para
fazer uma rua bonita e limpa. Às vezes chega a estar cheia de carros que
impedem a entrada para o meu estacionamento e para a residencial. Em face do
constante parqueamento durante todo o dia, fui falar com vários comércios,
incluindo a gerência do João dos Leitões, a apelar para o respeito para o meu
negócio. A senhora desta reputada casa hoteleira respondeu-me que chamasse a
polícia. Que diabo, este género de argumentação está errado! Tenho tentado
levar as coisas nas calmas. Sempre foi um princípio que me guiou na vida:
tentar dialogar com as pessoas e aqui tem sido impossível. Isto já se arrasta
há meia-dúzia de anos, pelo menos desde que destruíram o “pimenteiro” e não o
repuseram. Repare que o busílis da questão reside aqui. Se o pino fosse
reparado acabavam-se as guerras. Tenho tentado tudo para evitar estas quezílias
que nos prejudicam a todos. Falei com um engenheiro da autarquia; dei
conhecimento ao presidente da Junta de Freguesia de São Bartolomeu; falei
pessoalmente com um responsável pela empresa Resopre, que é a firma que dá
assistência aos pinos. Até agora, ninguém me deu ouvidos e parecem não querer
resolver este problema. Este desleixo, para além de me “agredir” e me
desgastar, prejudica-me de facto. Sei lá?!, às vezes penso que querem formar
mau ambiente entre comerciantes, intencionalmente.
ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS
“A MADRUGADORA”
Tenho quase a certeza, na Baixa
haverá poucos que não conheçam o rosto da “Lena, do quiosque Espírito Santo”,
junto ao Café Santa Cruz. Mas quantos já olharam os seus olhos e procuraram saber
o custo de um sorriso seu? Será que adivinham, ou calculam, o preço de tantas
vezes apetecer chorar e, para não fazer transparecer a dor ao cliente, ter de
sorrir?
A Maria Madalena Martins, a
“Lena” de todos nós, é uma lutadora e um modelo que não devemos deixar passar
em branco. Sempre trabalhou e continua a labutar muito para conseguir andar de
cabeça erguida. Desde muito cedo, ainda adolescente, foi obrigada a saber
quantos grãos cabem num alqueire de trigo. Desde que esteve quase duas décadas
empregada na extinta Sociedade Nacional de Padarias, e lá conheceu o amor da
sua vida, o marido Jorge Martins, que se habituou a labutar muito e a dormir
pouco. Diariamente, de domingo a domingo, entra na cama por volta das 23 e
passada meia dúzia de horas, à volta das 5 da matina, já está de pé. Mal tem
tempo para descansar, “mas a vida é assim”, diz-me conformada, “tenho de
continuar sempre em frente e sem esmorecer. Para ter tudo em dia, impostos e
renda. Na minha casa, as minhas duas filhas, que são uns amores, e o meu Jorge,
todos nos esforçamos até ao limite. Aqui na loja, estamos abertos ao público
todos os dias e sempre até tarde. Sabes que os nossos clientes querem ter o que
procuram, sem questionar o esforço do nosso ser, e raramente têm um simples
olhar para a nossa alma. Para muitos, felizmente não todos, somos assim uma
espécie de máquina de servir, sem vida própria, e com sorriso obrigatório
pregado nos lábios.”
O quiosque Espírito Santo, onde
para além de se venderem jornais e revistas, de se poder pagar a luz e água e
carregar os passes dos transportes coletivos, é também um posto de apoio social
aos muitos velhinhos para resolver “pequenos nadas” que se transformam em gigantescas
barreiras infernais de vidas solitárias. É aqui que a “Lena, do Espírito Santo”,
como embaixadora da paz e da boa vontade, exerce o seu mister e os encaminha
para a resolução e dá corpo ao aforismo de que “um homem sobe quando se baixa
para ajudar alguém”.
CHEGARAM AS CASTANHAS
Quem faz o favor de me ler saberá
que, como disco riscado, estou sempre a bater na mesma tecla: na atualidade, os
locais habitados tornaram-se formatados e sem vida genética ligada na cultura
de antanho. Em nome de uma homogeneização bacoca de tecnocratas com assento em
Bruxelas, que não sabem nada do que é o povo no seu lado intrínseco de usos e
costumes, transformou-se tudo em igual. Como se certos hábitos que nos davam
identidade fossem sinónimos de subdesenvolvimento e atraso e, por isso mesmo, através
de leis sem sentido cultural e histórico, destruíram-se séculos de saber fazer
e de memórias. Progressivamente foi-se perdendo a naturalidade e implantou-se o
artificial –quando penso neste processo, em analogia, lembro-me sempre de uma
máquina de picar carne, no bocal maior entra a diversidade e no menor sai tudo
massificado e igual.
Quem se lembra de Coimbra há
quarenta anos atrás, sem esforço, vai recordar a cidade desse tempo através dos
ruídos, dos vários pregões das vendedeiras, do vendedor da banha da cobra, da
cigana a ler a sina, do barulho da amálgama de gente com seu rumor de fundo; dos
cheiros que emanavam de cada recanto, de cada loja –com odor a naftalina-, de
cada tasca –com o aroma de bifanas e “jaquinzinhos fritos-, de cada pequena
fabriqueta de amêndoas e doces tradicionais –com o intenso perfume a açúcar em
ponto.
Hoje, neste deserto de
insensibilidade, poucos restam. Um dos odores que ainda temos oportunidade de “snifar”
é o das castanhas assadas. Mas será por poucos anos. Quando desaparecerem
pessoas como a dona Adelaide e a senhora Natália, se quisermos lembrar o outono,
resta-nos, se calhar, adquirir estas fragrâncias em casas de perfumes que nos
venderão a sua essência.
Felizmente que, pelo menos este
ano, a dona Natália ainda nos presenteia a todos com o seu espetáculo visual e
festim para o nosso olfato. Aí está ela, e às vezes o marido, a comercializar
as castanhas. Um dia vamos todos sentir a sua falta, inevitavelmente.
REFLEXÃO: FALTA DE PINO
Apetece-me inventar um aforismo:
se muitos pinos incomodam muita gente, a falta de dois incomodam muito mais.
Nesta crónica sobre a Rua Simão de Évora, poderia começar por comprometer os
comerciantes pela falta de entendimento, mas parece-me muito mais importante
relevar o abandono, a omissão, a que os responsáveis votaram estes dois
elementos, os pinos, que, para todos os efeitos, são fundamentais na proteção
de pessoas e bens e servindo originariamente para impedir o tráfego automóvel
durante o dia e parcialmente na noite, na Baixa. Lembro que este investimento,
no magistério de Manuel Machado, em 1999, custou 80 mil euros ao erário
público, depois da conversão para a nova moeda. Se funcionassem devidamente
durante a noite quantos assaltos à propriedade teriam evitado?
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