sexta-feira, 19 de outubro de 2012

ENCONTROS NO SANTA CRUZ, VISTO PELO "OLHO DE LINCE"




 Andava eu, antes de ontem à noite, a dar uma volta mais o meu Silvano –é o meu jerico, suponho que não devem conhecer até porque ele não liga a qualquer um e muito menos dá entrevistas- pela Praça 8 de Maio quando vejo passar a nossa musa encantada da Baixa, senhora de todos os momentos mágicos de felicidade e universal linguagem musical do mundo, Emília Martins e acompanhada do seu marido Paulo Craveiro, em direcção ao Café Santa Cruz.
Estanquei de repente, puxando as rédeas ao Silvano, e atirei para o meu familiar não consanguíneo: espera aí!, se a nossa diva governadora da Orquestra Clássica do Centro vai para o nossa sala de conferências comunitária, é porque vai haver espectáculo musical! E como as coisas estão, que nem um euro tenho para beber um café, vamos mas é atrás deles. Nunca se sabe quando possa sair um bom concerto “à borliú”. O Silvano é que não ficou lá muito satisfeito, mas encaminhei-o até ao largo da Portagem, prendi-o na grade de ferro junto ao “mata-frades”, deixei-o a encher a barriga lá na relva com a supervisão do “Jaquim” (António Aguiar) e voltei atrás até ao melhor café da Baixa, de Portugal e de todos os mundos conhecidos.
Eram cerca de 21h30 quando transpus a porta de entrada encimada por vitral. O Costa, o empregado de mesa a tempo inteiro e pintor de artes plásticas nas horas que restam, mandou-me um olhar de cima a baixo, como se me estivesse a tirar as medidas para um fato, já que a farpela que me tapa as misérias já há muito que reivindicava substituição. Por acaso não gostei. Ainda estive para lhe atirar, assim de rompante: ó Costa, empresta-me aí uma nota para comprar um “fateco” e me vestir melhor! Mas recuei. Afinal ele até me conhece bem e, às tantas, até me oferecia uma nota de cem “aéreos” e eu não queria –que um dia destes ainda teria de lhe retribui em texto de agradecimento. Pobrezinho sou, sim, mas muito bem-agradecido. Olhei lá para o fundo da sala e, pela orquestra de câmara, vi logo que ia ter um bom espectáculo de música clássica ao vivo –por momentos fui invadido por uma lágrima de saudade. Recordei o tempo quando era rico e frequentava as grandes salas da Europa. O que uma pessoa foi e ao que chega! –E lembrei-me das minhas solas rotas.
Vi um pequeno panfleto em cima da mesa; tratava-se de um encontro para debater o estado da baixa e acompanhado com música. A sala estava a meio-gás, como quem diz, com pouca gente. Pelos vistos o pessoal da terra não gosta nem de debates nem de acordes musicais. Até poderemos interrogar: e gostam de quê? De remoer, dizendo mal deste e de aqueloutro, não é?! Estava nestes meus pensamentos profundos e analíticos quando a mulher mais bela da cidade começou a dar as boas vindas e me acordou do torpor. Ainda olhei para trás para ver se vinha mais alguém, mas não. Seria para mim? Claro que não. Olhei então à volta e foi então que vi o painel constituído por Vitor Marques, Laborinho Lúcio, João Paulo Craveiro e Gonçalo Quadros. É pá!, com gente fina é outra coisa!, pensei cá com meus botões. Então dei mais uma varredela na sala com os olhos e, naquela pouco mais de uma dúzia de assistentes, lá estava o Norberto Pires, o novo “enfant terrible” dos laranjas, e muito bem acompanhado da sua Marthinha, o Cristo, o arquitecto da política autárquica local do PSD de outros tempos, o Hélder Rodrigues, o “CEO” do Lions Clube de Coimbra, e que conhece todo o mundo que mexe nesta Baixa. Dei uma segunda volta com a cabeça porque faltava ali alguém. Não me digam que o Norberto Canha não estava?! Não estava como? Se ele nunca falha um encontro sobre a cidade? Já estou tão habituado a ele estar e a começar a sua intervenção assim “há três tipos de energia…”, que quando ele não aparece até fico preocupado.
Vamos então ouvir pequenos trechos dos participantes. Vamos começar por Emília Martins: “muito obrigado por terem vindo. Em nome da Orquestra Clássica do Centro, é com muito prazer que aceitámos esta parceria com o Café Santa Cruz. Aproveito para anunciar que iremos estrear no próximo Domingo uma nova peça: “Em nome da madrugada em Coimbra”. Nem de propósito este título pode servir para este nosso primeiro encontro sobre a cidade e a Baixa.”
Seguiu-se uma bela peça musical interpretada por quatro excelentes instrumentistas. A soprano Ana Barros, saindo de dentro do balcão, com a sua espectacular e bem timbrada voz prendeu toda a assistência. A sala começou a encher e passados minutos nem uma mesa estava vaga.
Seguiu-se Vitor Marques, o gerente do café frequentado espiritualmente pelos dois reis da primeira dinastia, D. Afonso Henriques e seu filho, D. Sancho I, e que moram ao lado, na Igreja com o mesmo nome da loja hoteleira. Vitor agradeceu a possibilidade de o seu estabelecimento poder contar com a sensibilidade da “maestrina” Emília Martins e assim, bem acompanhado por boa música, se poder discutir o que faz falta nesta zona velha.

A CÂMARA NÃO GOSTA DE MÚSICA?

 Quando o Vitor Marques estava a falar sobre os muitos problemas que urge resolver, como este evento é de cariz cultural, de certeza absoluta que a rainha de todas as culturas e inculturas do planeta, Maria José Azevedo e vereadora da Cultura, deveria estar presente na sala. Engraçado! Não estava. Bom, mas alguém do executivo, para levar projectos do que ali se iria falar, certamente que estava. Olhei, olhei, e nada. Bom, mas da oposição e aspirantes à cadeira próxima que se leiloa no próximo ano esses tinham de estar. Ai, de certeza!, para saberem o que se passa e até poderem responder a questões e mostrarem que são alternativa ao poder actual. Nada! Pelos vistos também não alinham em música de câmara. Sei lá, se fosse música de parlamento talvez fosse mais atractiva.

E QUEM FALOU?

 Os assuntos expostos por todos os membros do painel foram interessantes e, numa certa unanimidade tácita, todos seguiam na linha de que “vivemos na melhor cidade do mundo”. Foi então que Norberto Pires agitou a ordem das coisas, e quebrou a louça toda, ao intervir e dizer que “temos de assumir que a nossa cidade não é a melhor do mundo!”. “Estamos a falar do ressuscitar de uma coisa que morreu. Devemos sempre falar da Baixa como uma coisa que morreu! O comércio morreu! Temos de o admitir! Hoje está a chover; não é possível trazer crianças para a Baixa em dia de chuva. Temos de acabar com esta conversa de que somos os melhores do mundo. Não somos! Temos de aprender com os outros. Se calhar é preciso ir aos sítios onde se fazem coisas novas e copiar. É preciso reinventar!”

E MAIS? E MAIS?

 Todos, sem excepção do painel, falaram bem e disseram o que entendiam. Salientou-se a forma simples e engraçada de comunicar de Laborinho Lúcio.
Mas, acima de tudo, quem brilhou verdadeiramente foi a soprano Ana Barros, com a sua extraordinária voz e interpretação. Pelo olhar do Vitor Marques, acredito que houve momentos em que temeu pelos cristais do vetusto café. Acredito também que a paz eterna dos dois primeiros reis de Portugal foi quebrada, nesta quarta-feira, garantidamente não conseguiram pregar olho. Claro que, como foi por uma boa causa, espera-se que não reclamem.

PONTOS POSITIVOS

-A magnífica interpretação dos instrumentistas da Orquestra Clássica do Centro (OCC) e, sobretudo, para a soprano Ana Barros, que, registe-se, tem uns olhos lindos de fazer ressuscitar o senhor D. Afonso.

-Salienta-se também esta iniciativa do Café Santa Cruz e, em parceria, com a OCC. Uma excelente possibilidade de desmistificar a ideia de que a música de câmara é elitista e destinada a públicos superiores.

PONTOS NEGATIVOS

-O não ter sido dado a possibilidade de intervenção ao público presente. Os poucos que intervieram foram indicados pela mesa, pelo mediador Vitor Marques. Ora num debate é essencial que o acesso à discussão seja livre por parte de todos os presentes na assistência. Esta lacuna, infelizmente, nesta Coimbra de falso pedestal, é recorrente. A bem de uma cidade que queremos melhor é preciso que nestes encontros todos se sintam iguais, independentemente do estatuto e lugar que ocupam na sociedade. Por que falei, no fim, com Vitor Marques, sei que foi por inexperiência, e por ter sido o primeiro, que tal discriminação se verificou. Segundo o próprio, nos próximos encontros, este deslize não se irá verificar.

-Salienta-se nestes encontros a falta de pessoas que detêm poder na cidade. Se este poder decisório, de executivo, não está presente nestes encontros pode-se perguntar: “a quem se destinam as palavras proferidas? Às pedras milenares? Se eles não estão presentes, quem conduz até eles as ideias ali discutidas?

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