(Imagem a preto e branco de Leonardo Braga Pinheiro)
Quem faz o favor de me ler saberá
que, como disco riscado, estou sempre a bater na mesma tecla: na actualidade, os
locais habitados tornaram-se formatados e sem vida genética ligada na cultura
de antanho. Em nome de uma homogeneização bacoca de tecnocratas com assento em
Bruxelas, que não sabem nada do que é o povo no seu lado intrínseco de usos e
costumes, transformou-se tudo em igual. Como se certos hábitos que nos davam
identidade fossem sinónimos de subdesenvolvimento e atraso e, por isso mesmo, através
de leis sem sentido cultural e histórico, destruíram-se séculos de saber fazer
e de memórias. Progressivamente foi-se perdendo a naturalidade e implantou-se o
artificial –quando penso neste processo, em analogia, lembro-me sempre de uma
máquina de picar carne, no bocal maior entra a diversidade e no menor sai tudo
massificado e igual.
Quem se lembra de Coimbra há
quarenta anos atrás, sem esforço, vai recordar a cidade desse tempo através dos
ruídos, dos vários pregões das vendedeiras, do vendedor da banha da cobra, da cigana a ler a sina, do
barulho da amálgama de gente com seu rumor de fundo; dos cheiros que emanavam de
cada recanto, de cada loja –com odor a naftalina-; de cada tasca –com o aroma
de bifanas e “jaquinzinhos fritos-; de cada pequena fabriqueta de amêndoas e
doces tradicionais –com o intenso perfume a açúcar em ponto.
Hoje, neste deserto de insensibilidade,
poucos restam. Um dos odores que ainda temos oportunidade de “snifar” é o das
castanhas assadas. Mas será por poucos anos. Quando desaparecerem pessoas como
a dona Adelaide e a senhora Natália, se quisermos lembrar o Outono, resta-nos,
se calhar, adquirir estas fragrâncias em casas de perfumes que nos venderão a
sua essência.
Felizmente que, pelo menos este
ano, a dona Natália ainda nos presenteia a todos com o seu espectáculo visual e
festim para o nosso olfacto. Aí está ela, e às vezes o marido, a comercializar
as castanhas. Um dia, inevitavelmente, vamos todos sentir a sua falta.
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