Estava em causa uma convocação do movimento CpC,
Cidadãos por Coimbra, para debater o anúncio público do presidente da Câmara
Municipal de Coimbra, Manuel Machado, em que este, alegadamente sem dar
possibilidade à oposição para estudar o dossier, declarou a abertura da
rebaptizada Via Central ao tráfego automóvel, mesmo sem metro Ligeiro de
Superfície –lembra-se que as demolições para a conclusão daquela via
estruturante começaram em 2005. Passados 11 anos, numa inércia inexplicável, a
cratera lá está a mostrar a incompetência ou a dar consistência à maldição da
Avenida Central. Recordo também que o objecto daquele projecto, que esteve na
origem das demolições de edificado e de ameaças de expropriações, tem acoplado na
sua génese, estruturante e obrigatoriamente, a passagem do transporte colectivo
–segundo o CpC, paira um prenúncio de impugnação judicial pela Agência Portuguesa do
Ambiente.
Perante uma assistência de meia-centena de
pessoas -e onde os mais interessados, os comerciantes, se contavam pelos dedos
de uma mão-, Ferreira da Silva, coordenador do CpC e vereador eleito no
executivo municipal, deu as boas-vindas aos presentes. Abriu os trabalhos dando
a palavra aos membros do painel.
A seguir falou António Bandeirinha,
arquitecto, professor universitário e deputado municipal eleito pelo CpC. Apresentando
uma longa explanação sobre a história da cidade desde a Idade Média e mostrando
quatro projectos assinados por arquitectos de renome e mostrando a preferência
por um deles, terminou a esclarecer que “gostava
de inteirar as pessoas de que não estamos contra por estar, de que não queremos
que isto se desenvolva. Não é nada disso! Estamos contra a forma apresentada,
porque não há estratégia. Não está definida.”
Seguiu-se Vitor Marques, presidente da APBC,
Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, economista e sócio do Café Santa
Cruz. Começou por dizer que é preciso investimento para atrair à Baixa. “Com a recuperação da Igreja da Graça e a
instalação do Centro documental 25 de Abril, na Rua da Sofia, vamos ter muitas
pessoas na Baixa. A requalificação do Terreiro da Erva e a abertura para breve
do Centro de Congressos, na outra margem, vão contribuir para transformar esta
zona. Há uma procura cada vez maior de espaços, para comprar, habitar e para
comércio. A abertura da Via Central vai permitir uma recuperação importante
para a Baixa. A abertura da Via Central pode ser uma forma de resolver o
problema da droga (na zona da Rua direita). Quando se trata da vida das pessoas –não são só os comerciantes- alguém
tem de tomar uma decisão. Se os comerciantes facturarem mais andam mais
satisfeitos. A via Central vai ser estruturante para esta zona da cidade.”
Seguidamente falou Tiago Castela, arquitecto e
historiador urbano, “partimos do que a
Baixa é hoje e deve ser no futuro. Preocupa-me a atracção de Coimbra para
viver. Pergunto: que futuro? Esta resposta (em relação à abertura da Via
Central) não pode ser apenas uma decisão
do governo local. Tem de ser uma questão de cidadania. A Baixa deve ser percorrida
a pé, deve ser pedonal. Não há um único sítio onde uma pessoa se possa sentar à
sombra de uma árvore.”
E ABRIU-SE A DISCUSSÃO
AO PÚBLICO
Foi dada a palavra a Paulo Silva, um morador
da Rua Direita, que estava tão ansioso para intervir que até interrompeu
Bandeirinha na dissertação. Abriu com uma
no cravo e outra na ferradura: “uma
camisa custa-me 10 euros na Rua Visconde da Luz e 5 no Fórum. Venho comprar ao
comércio tradicional e apanho uma multa de 30 euros. Como é?”
Em segunda ordem falou A. Castelo Branco,
ex-técnico da Fundação Inatel. Entre várias considerações de pouco interesse
para a Via Central explanou que faz falta na Baixa uma Biblioteca Municipal.
Em terceiro falou Reis Torgal, catedrático na
área de história, “sou um “baixista” do
coração. Faço as minhas compras na Baixa. Sou e sempre serei um homem da Baixa.”
Em quarta falou Manuela (…), uma simpatizante
do CpC, que invocou o facto do comércio da Baixa ser todo igual e estar cheio
de lojas com artesanato para estrangeiros.
E falou cá o “Je”. Como ressalva, quando vou para estes debates digo para mim que
não vou intervir e sempre à espera que alguém diga o que penso sobre o assunto
em análise. O tempo vai passando e, nas encolhas do costume, poucos pedem a
palavra. Aqui até tinha razões de sobra para entrar na discussão. Primeiro,
escrevi uma carta aberta ao líder do CpC. E ele respondeu. Segundo, numa inexplicável falta de
participação da classe comercial, não havia praticamente comerciantes na sala.
Ou seja, estavam dados mais que motivos para eu apertar o gatilho da
argumentação – e eu até gosto, declaro como quem confessa os seus pecados mais
íntimos.
Comecei por dizer que nestes debates há sempre
três forças em confronto: os técnicos, os teóricos do costume; os cidadãos que
estão por cima da muralha e olham para baixo, para os lojistas; e os
profissionais da venda de rua, os comerciantes.
Pelos primeiros, os técnicos, em
metáfora, parecem uma equipa de cirurgiões perante um doente a morrer estendido
na mesa de operações. Um diz que é preciso extrair o baço, outro o estômago,
outro o apêndice. Neste vaivém dialéctico em que ninguém se entende, o doente
acaba por morrer sem que haja alguém a fazer alguma coisa para lhe salvar a
vida.
Pelos segundos, os opinadores, parece que percebem tudo
sobre comércio, só que, como fotógrafo à la minute, limitam-se a captar uma
fotografia e é esta imagem que prevalece nas suas cabecinhas pensadoras.
E há então os comerciantes.
(Sobre)vivem num desespero. Há pessoas a morrer fisicamente, com AVC, AcidenteVascular Cerebral, e ninguém se importa com eles. Por sua vez estes
profissionais desligam-se também da sua defesa e não querem saber –e, pela ausência, via-se ali
mesmo.
Prossegui na explanação, a
abertura desta Via Central é fundamental para a recuperação da Baixa e de
muitas famílias que aqui ganham a sua vida. Desde 2005 que aquela desonra no
Bota-abaixo se mantém assim e, depois de se gastarem mais de 140 milhões de
euros, não pode continuar. As razões de estar assim conhecemos bem, mas o
passado pouco nos importa –julguem-se os culpados desta vergonha nacional! Não
podemos esperar mais.
E continuou João Ferreira, membro do CPC, “em relação à Via Central é preciso planear
e fazer bem. Tem de ser pensada e bem feito. Ou seja, deve conter habitação,
habitação, habitação!”
E agora a palavra foi para José Reis,
industrial de hotelaria e muito conhecido na Baixa. José, dono do restaurante
Cantinho dos Reis, no Terreiro da Erva, aproveitou o momento de glória para contar a sua história.
Enquanto Bandeirinha olhava para as estrelas, o Reis continuava a falar de
assuntos que nada tinha a ver com a bandeirada. Até que o nosso homem do bom
arroz de pato atirou à baliza e, como ninguém contava, marcou golo: “a Baixa está tão má, tão má, tão má, que só
quem cá está sabe e sente. Façam alguma coisa pela Baixa. O que fizerem será
bem-vindo!”
E o esférico passou para o centro, como quem
diz para José Reis, professor catedrático de economia e deputado municipal pelo
CPC: “Não se sabe nada sobre o que se
pretende. Não se sabe o que se vai fazer”.
Eu até sou um bom coimbrinha –daqueles que
perante o doutor se curvam e tiram o chapéu- mas, às vezes passo-me e não tenho
paciência para tanta intelectualidade. Foi o caso ali. Pedi novamente a palavra
e, preto no branco, afirmei não ser verdade que não se sabe o que se quer. Há
duas premissas em questão: deixar continuar tudo igual à espera do metro, cadáver
adiado, ou abrir a avenida mesmo sem metro. Estas duas ideias de raciocínio
implicam uma escolha, logo, optando por uma ou por outra, será demagogia
afirmar que não se sabe o que se quer. Decidindo abrir a Via Central é optar
pela generalidade do projecto que lhe
deu causa. Mais tarde, haja metro ou não, entra-se na especialidade –na discussão de pormenores.
E O BALANÇO FINAL?
Sendo honesto intectualmente, sabe-se que
quando levamos uma ideia feita é muito difícil mudar. No entanto, tenho para
mim que só os burros não mudam. Por isso mesmo estive presente para ver se me
convenciam de que estou errado. Depois de ouvir e ver, saí com a mesma
convicção de que os Cidadãos por Coimbra não estão certos –Ferreira da Silva
disse o mesmo em relação à minha posição, e está correcto.
Sempre que saio destes encontros de debate
pela Baixa a minha impressão é sempre a mesma: poucos conhecem em profundidade
os problemas da zona. Todos falam, falam, mas, em resumo final, pouco se
aproveita.
É claro que não posso dizer que
estes debates não sejam importantes para esclarecer as dúvidas. Claro que são. Mas
saio sempre com uma sensação de vazio. Como se fosse um papagaio a papaguear
para uma assistência que não está disposta a ouvir –admito que pode ser também
o meu problema.
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