quinta-feira, 31 de março de 2016

UM METRO DE LUCIDEZ

(Foto desviada abusivamente e sem pagar direitos ao Notícias de Coimbra)





Estava em causa uma convocação do movimento CpC, Cidadãos por Coimbra, para debater o anúncio público do presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado, em que este, alegadamente sem dar possibilidade à oposição para estudar o dossier, declarou a abertura da rebaptizada Via Central ao tráfego automóvel, mesmo sem metro Ligeiro de Superfície –lembra-se que as demolições para a conclusão daquela via estruturante começaram em 2005. Passados 11 anos, numa inércia inexplicável, a cratera lá está a mostrar a incompetência ou a dar consistência à maldição da Avenida Central. Recordo também que o objecto daquele projecto, que esteve na origem das demolições de edificado e de ameaças de expropriações, tem acoplado na sua génese, estruturante e obrigatoriamente, a passagem do transporte colectivo –segundo o CpC, paira um prenúncio de impugnação judicial pela Agência Portuguesa do Ambiente.
Perante uma assistência de meia-centena de pessoas -e onde os mais interessados, os comerciantes, se contavam pelos dedos de uma mão-, Ferreira da Silva, coordenador do CpC e vereador eleito no executivo municipal, deu as boas-vindas aos presentes. Abriu os trabalhos dando a palavra aos membros do painel.
A seguir falou António Bandeirinha, arquitecto, professor universitário e deputado municipal eleito pelo CpC. Apresentando uma longa explanação sobre a história da cidade desde a Idade Média e mostrando quatro projectos assinados por arquitectos de renome e mostrando a preferência por um deles, terminou a esclarecer que “gostava de inteirar as pessoas de que não estamos contra por estar, de que não queremos que isto se desenvolva. Não é nada disso! Estamos contra a forma apresentada, porque não há estratégia. Não está definida.”
Seguiu-se Vitor Marques, presidente da APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, economista e sócio do Café Santa Cruz. Começou por dizer que é preciso investimento para atrair à Baixa. “Com a recuperação da Igreja da Graça e a instalação do Centro documental 25 de Abril, na Rua da Sofia, vamos ter muitas pessoas na Baixa. A requalificação do Terreiro da Erva e a abertura para breve do Centro de Congressos, na outra margem, vão contribuir para transformar esta zona. Há uma procura cada vez maior de espaços, para comprar, habitar e para comércio. A abertura da Via Central vai permitir uma recuperação importante para a Baixa. A abertura da Via Central pode ser uma forma de resolver o problema da droga (na zona da Rua direita). Quando se trata da vida das pessoas –não são só os comerciantes- alguém tem de tomar uma decisão. Se os comerciantes facturarem mais andam mais satisfeitos. A via Central vai ser estruturante para esta zona da cidade.”
Seguidamente falou Tiago Castela, arquitecto e historiador urbano, “partimos do que a Baixa é hoje e deve ser no futuro. Preocupa-me a atracção de Coimbra para viver. Pergunto: que futuro? Esta resposta (em relação à abertura da Via Central) não pode ser apenas uma decisão do governo local. Tem de ser uma questão de cidadania. A Baixa deve ser percorrida a pé, deve ser pedonal. Não há um único sítio onde uma pessoa se possa sentar à sombra de uma árvore.”

E ABRIU-SE A DISCUSSÃO AO PÚBLICO

Foi dada a palavra a Paulo Silva, um morador da Rua Direita, que estava tão ansioso para intervir que até interrompeu Bandeirinha na dissertação. Abriu com uma no cravo e outra na ferradura: “uma camisa custa-me 10 euros na Rua Visconde da Luz e 5 no Fórum. Venho comprar ao comércio tradicional e apanho uma multa de 30 euros. Como é?”
Em segunda ordem falou A. Castelo Branco, ex-técnico da Fundação Inatel. Entre várias considerações de pouco interesse para a Via Central explanou que faz falta na Baixa uma Biblioteca Municipal.
Em terceiro falou Reis Torgal, catedrático na área de história, “sou um “baixista” do coração. Faço as minhas compras na Baixa. Sou e sempre serei um homem da Baixa.”
Em quarta falou Manuela (…), uma simpatizante do CpC, que invocou o facto do comércio da Baixa ser todo igual e estar cheio de lojas com artesanato para estrangeiros.
E falou cá o “Je”. Como ressalva, quando vou para estes debates digo para mim que não vou intervir e sempre à espera que alguém diga o que penso sobre o assunto em análise. O tempo vai passando e, nas encolhas do costume, poucos pedem a palavra. Aqui até tinha razões de sobra para entrar na discussão. Primeiro, escrevi uma carta aberta ao líder do CpC. E ele respondeu. Segundo, numa inexplicável falta de participação da classe comercial, não havia praticamente comerciantes na sala. Ou seja, estavam dados mais que motivos para eu apertar o gatilho da argumentação – e eu até gosto, declaro como quem confessa os seus pecados mais íntimos.
Comecei por dizer que nestes debates há sempre três forças em confronto: os técnicos, os teóricos do costume; os cidadãos que estão por cima da muralha e olham para baixo, para os lojistas; e os profissionais da venda de rua, os comerciantes.
Pelos primeiros, os técnicos, em metáfora, parecem uma equipa de cirurgiões perante um doente a morrer estendido na mesa de operações. Um diz que é preciso extrair o baço, outro o estômago, outro o apêndice. Neste vaivém dialéctico em que ninguém se entende, o doente acaba por morrer sem que haja alguém a fazer alguma coisa para lhe salvar a vida.
Pelos segundos, os opinadores, parece que percebem tudo sobre comércio, só que, como fotógrafo à la minute, limitam-se a captar uma fotografia e é esta imagem que prevalece nas suas cabecinhas pensadoras.
E há então os comerciantes. (Sobre)vivem num desespero. Há pessoas a morrer fisicamente, com AVC, AcidenteVascular Cerebral, e ninguém se importa com eles. Por sua vez estes profissionais desligam-se também da sua defesa e não querem saber –e, pela ausência, via-se ali mesmo.
Prossegui na explanação, a abertura desta Via Central é fundamental para a recuperação da Baixa e de muitas famílias que aqui ganham a sua vida. Desde 2005 que aquela desonra no Bota-abaixo se mantém assim e, depois de se gastarem mais de 140 milhões de euros, não pode continuar. As razões de estar assim conhecemos bem, mas o passado pouco nos importa –julguem-se os culpados desta vergonha nacional! Não podemos esperar  mais.
E continuou João Ferreira, membro do CPC, “em relação à Via Central é preciso planear e fazer bem. Tem de ser pensada e bem feito. Ou seja, deve conter habitação, habitação, habitação!”
E agora a palavra foi para José Reis, industrial de hotelaria e muito conhecido na Baixa. José, dono do restaurante Cantinho dos Reis, no Terreiro da Erva, aproveitou o momento de glória para contar a sua história. Enquanto Bandeirinha olhava para as estrelas, o Reis continuava a falar de assuntos que nada tinha a ver com a bandeirada. Até que o nosso homem do bom arroz de pato atirou à baliza e, como ninguém contava, marcou golo: “a Baixa está tão má, tão má, tão má, que só quem cá está sabe e sente. Façam alguma coisa pela Baixa. O que fizerem será bem-vindo!”
E o esférico passou para o centro, como quem diz para José Reis, professor catedrático de economia e deputado municipal pelo CPC: “Não se sabe nada sobre o que se pretende. Não se sabe o que se vai fazer”.
Eu até sou um bom coimbrinha –daqueles que perante o doutor se curvam e tiram o chapéu- mas, às vezes passo-me e não tenho paciência para tanta intelectualidade. Foi o caso ali. Pedi novamente a palavra e, preto no branco, afirmei não ser verdade que não se sabe o que se quer. Há duas premissas em questão: deixar continuar tudo igual à espera do metro, cadáver adiado, ou abrir a avenida mesmo sem metro. Estas duas ideias de raciocínio implicam uma escolha, logo, optando por uma ou por outra, será demagogia afirmar que não se sabe o que se quer. Decidindo abrir a Via Central é optar pela generalidade do projecto que lhe deu causa. Mais tarde, haja metro ou não, entra-se na especialidade –na discussão de pormenores.

E O BALANÇO FINAL?

Sendo honesto intectualmente, sabe-se que quando levamos uma ideia feita é muito difícil mudar. No entanto, tenho para mim que só os burros não mudam. Por isso mesmo estive presente para ver se me convenciam de que estou errado. Depois de ouvir e ver, saí com a mesma convicção de que os Cidadãos por Coimbra não estão certos –Ferreira da Silva disse o mesmo em relação à minha posição, e está correcto.
Sempre que saio destes encontros de debate pela Baixa a minha impressão é sempre a mesma: poucos conhecem em profundidade os problemas da zona. Todos falam, falam, mas, em resumo final, pouco se aproveita.
É claro que não posso dizer que estes debates não sejam importantes para esclarecer as dúvidas. Claro que são. Mas saio sempre com uma sensação de vazio. Como se fosse um papagaio a papaguear para uma assistência que não está disposta a ouvir –admito que pode ser também o meu problema.

 

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