Na última quarta-feira, em Assembleia Geral
convocada para o efeito, o presidente da direcção-geral e o secretário de A
Previdência Portuguesa, em Coimbra, viram ser aprovadas a proposta de
remuneração mensal, respectivamente de 1.250 euros para o primeiro e 1.200
euros para o segundo. Depois de 87 anos de parcial gratuitidade –já que cada
membro da direcção aufere duas senhas de presença no valor declarado de 180
euros e agora os dois executivos passam a acumular- esta respeitada entidade
mutualista altera uma tradição de quase um século.
Antes de prosseguir vou deixar ressalvas. A
primeira é que me sinto perdido com o que está acontecer nas associações,
mutualistas ou outras. Depois da ACIC, Associação Comercial e Industrial de
Coimbra, com século e meio de existência, se encontrar em decretada falência
pelo tribunal talvez valha a pena tentar perceber o que está acontecer nas
nossas tão prestigiadas agremiações. Saliento que se chamo à colação a ACIC é
apenas para partir do seu (mau) exemplo e não para comparar exactamente com A
Previdência Portuguesa. Declaro também que apenas me represento enquanto associado
antigo, com mais de 30 anos, e nenhum grupo de pessoas. Declaro ainda que nada
me move contra os visados, respectivamente presidente e secretário, e por isso
mesmo não refiro os seus nomes intencionalmente.
Se escrevo sobre este assunto, no
fundo, é, por um lado, para que se saiba publicamente o que se passa junto à
nossa porta com as instituições de bem-fazer, por outro, talvez numa ambição
desmedida imaginando que este texto possa fazer reflectir sobre a matéria em
análise.
Estou para escrever sobre este assunto desde o
seu culminar, na quarta-feira, e, talvez por não conseguir perceber o que se está
a passar essencialmente com os associados, não sei por onde lhe pegar. Há
qualquer coisa que abafa o meu raciocínio. O que pode levar cerca de uma
vintena e meia de sócios presentes numa assembleia Geral e mais cerca de meia
centena de votos por procuração na sua posse a votarem uma medida que, pelo que
foi respondido pelo presidente depois de interpelado, alegadamente visa somente
“tornar a gestão mais moderna e activa”?
Apenas e isto e pouco mais serviu para aprovar uma deliberação que, alegadamente
e sem conhecer em profundidade o parecer do Conselho Fiscal, implica aumento de
encargos e diminuição de receitas de uma instituição.
O ÉTIMO
Talvez fosse interessante debruçarmo-nos sobre
o étimo, origem, de associação.
Depois de umas pesquisas na Internet, tudo indica que a palavra associação vem do latim “associare”, que significa “ajuntar”, “agrupar” e que vem também de “gremium”,
agremiar, “do regaço, o que pode ser apanhado no colo, protecção”. Quer dizer
que quando as pessoas se agrupam passam a ter vantagens pelo facto de se
associarem.
Por sua vez “mutualismo” vem do latim “mutuus”
e expressa a ideia de troca ou permuta entre duas partes. Significa “doutrina ou sistema relativo a instituições
de segurança e protecção Social. Sistema de associação assente nos
princípios de ajuda recíproca entre os seus membros e de contribuição colectiva
para benefício de cada um dos seus membros”. Isto é, os contraentes de mútuo estão na disposição de colocar a sua
própria pessoa e os seus recursos em serviço dos seus pares se eles tiverem
necessidade. O meu é teu; dar para
receber –estes são os motes.
O que deve mover estes participantes é o mais nobre sentimento que tem por
objecto a solidariedade e o bem comum.
HÁ ILEGALIDADES DETECTADAS?
Não sou jurista nem coisa que o valha, no
entanto, depois de consultados os Estatutos de A Previdência Portuguesa, em
princípio e de acordo com o doutrinado, não haverá nenhum ilícito. Então
poderemos interrogar: por que escrevo sobre esta ocorrência? Porque, como disse
em cima, ainda que a proposta aprovada em Assembleia Geral seja legal, tal não
me impede de classificar a medida como imoral –bem sei que nem sempre a
moralidade anda de braço dado com a lei. Tendo em conta os resultados do exercício
do ano transacto apresentados nesta aprovação legal, repito legal, parece-me
amoral do ponto de vista do mutualismo, da bandeira do “dar para receber”. Em face deste comportamento estamos na inversão
de valores: “receber para dar”.
PORQUE VOTAM OS ASSOCIADOS SEM CONHECIMENTO DO QUE ESTÁ EM CAUSA?
Sem especular, retorquir a esta questão formulada
em título e adivinhar a resposta é o assunto que dará o prémio de um milhão de
euros.
Especulando, não passando de meras hipóteses e sem ordem hierárquica e em
relação a algumas associações, podemos aventar várias conjecturas:
- Os associados, desligando-se do interesse primordial
da instituição, votam de acordo com as propostas para não desagradar aos
visados;
- Maioritariamente, por desleixo e desinteresse
funcional, os associados não conhecem o texto dos Estatutos associativos. Logo,
pela ignorância implícita, não podem interpretar, refutar, ou simplesmente
interpelar os autores das matérias levadas à votação;
- Os estatutos associativos, normalmente já
ultrapassados pelo tempo, estão truncados, com algumas normas blindadas e em
contradição com o que se pretende –que é salvaguardar o espírito associativo-
mas quase sempre a beneficiar as direcções executivas no activo, na sua
continuação, indicando pessoas da sua confiança política para listas de sucessão;
- O problema do voto por procuração –que poderá
ser inconstitucional já que, salvo melhor opinião, viola o artigo 49-2 da Constituição
da República Portuguesa, que imperativamente prescreve: “O exercício do direito de sufrágio é pessoal
e constitui um dever cívico”. Ora o que se passa em muitas associações do
país é que, através de credencial, o mandatado vota por si e por outro e em sua
representação. Como é que este procedimento continua perante a passividade
geral? Gostava, mas não sei responder;
- Por desconhecimento do próprio e aceitação
da assembleia geral, o presidente deste órgão de fiscalização dos actos
directivos, muitas vezes sem se aperceber da sua parcialidade, toma partido e
posição em favor da direcção cuja sua função intrínseca é, sendo claro nas
exposições e posições que estão em debate e votação, alertar a assembleia a que
preside para que os membros que a compõem possam ser esclarecidos e, na posse
de todos os dados, possam fiscalizar e aprovar ou não as acções do executivo.
O QUE SE ESPERA DO
MOVIMENTO ASSOCIATIVO?
Sem querer parecer anjo da desgraça, em face
do que está acontecer em muitas agremiações –e no caso desta, de A Previdência
Portuguesa-, tudo indica que, ao desaparecer o espírito de altruísmo de dar
para receber, o futuro que se avizinha será negro.
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