segunda-feira, 28 de março de 2016

EDITORIAL: AS ASSOCIAÇÕES PORTUGUESAS E A INVERSÃO DO SEU ÉTIMO

Foto de perfil de A Previdência Portuguesa




Na última quarta-feira, em Assembleia Geral convocada para o efeito, o presidente da direcção-geral e o secretário de A Previdência Portuguesa, em Coimbra, viram ser aprovadas a proposta de remuneração mensal, respectivamente de 1.250 euros para o primeiro e 1.200 euros para o segundo. Depois de 87 anos de parcial gratuitidade –já que cada membro da direcção aufere duas senhas de presença no valor declarado de 180 euros e agora os dois executivos passam a acumular- esta respeitada entidade mutualista altera uma tradição de quase um século.
Antes de prosseguir vou deixar ressalvas. A primeira é que me sinto perdido com o que está acontecer nas associações, mutualistas ou outras. Depois da ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, com século e meio de existência, se encontrar em decretada falência pelo tribunal talvez valha a pena tentar perceber o que está acontecer nas nossas tão prestigiadas agremiações. Saliento que se chamo à colação a ACIC é apenas para partir do seu (mau) exemplo e não para comparar exactamente com A Previdência Portuguesa. Declaro também que apenas me represento enquanto associado antigo, com mais de 30 anos, e nenhum grupo de pessoas. Declaro ainda que nada me move contra os visados, respectivamente presidente e secretário, e por isso mesmo não refiro os seus nomes intencionalmente.
Se escrevo sobre este assunto, no fundo, é, por um lado, para que se saiba publicamente o que se passa junto à nossa porta com as instituições de bem-fazer, por outro, talvez numa ambição desmedida imaginando que este texto possa fazer reflectir sobre a matéria em análise.
Estou para escrever sobre este assunto desde o seu culminar, na quarta-feira, e, talvez por não conseguir perceber o que se está a passar essencialmente com os associados, não sei por onde lhe pegar. Há qualquer coisa que abafa o meu raciocínio. O que pode levar cerca de uma vintena e meia de sócios presentes numa assembleia Geral e mais cerca de meia centena de votos por procuração na sua posse a votarem uma medida que, pelo que foi respondido pelo presidente depois de interpelado, alegadamente visa somente “tornar a gestão mais moderna e activa”? Apenas e isto e pouco mais serviu para aprovar uma deliberação que, alegadamente e sem conhecer em profundidade o parecer do Conselho Fiscal, implica aumento de encargos e diminuição de receitas de uma instituição.

O ÉTIMO

Talvez fosse interessante debruçarmo-nos sobre o étimo, origem, de associação. Depois de umas pesquisas na Internet, tudo indica que a palavra associação vem do latim “associare”, que significa “ajuntar”, “agrupar” e que vem também de “gremium”, agremiar, “do regaço, o que pode ser apanhado no colo, protecção”. Quer dizer que quando as pessoas se agrupam passam a ter vantagens pelo facto de se associarem.
Por sua vez “mutualismo” vem do latim “mutuus” e expressa a ideia de troca ou permuta entre duas partes. Significa “doutrina ou sistema relativo a instituições de segurança e protecção Social. Sistema de associação assente nos princípios de ajuda recíproca entre os seus membros e de contribuição colectiva para benefício de cada um dos seus membros”. Isto é, os contraentes de mútuo estão na disposição de colocar a sua própria pessoa e os seus recursos em serviço dos seus pares se eles tiverem necessidade. O meu é teu; dar para receber –estes são os motes.
O que deve mover estes participantes é o mais nobre sentimento que tem por objecto a solidariedade e o bem comum.

HÁ ILEGALIDADES DETECTADAS?

Não sou jurista nem coisa que o valha, no entanto, depois de consultados os Estatutos de A Previdência Portuguesa, em princípio e de acordo com o doutrinado, não haverá nenhum ilícito. Então poderemos interrogar: por que escrevo sobre esta ocorrência? Porque, como disse em cima, ainda que a proposta aprovada em Assembleia Geral seja legal, tal não me impede de classificar a medida como imoral –bem sei que nem sempre a moralidade anda de braço dado com a lei. Tendo em conta os resultados do exercício do ano transacto apresentados nesta aprovação legal, repito legal, parece-me amoral do ponto de vista do mutualismo, da bandeira do “dar para receber”. Em face deste comportamento estamos na inversão de valores: “receber para dar”.

PORQUE VOTAM OS ASSOCIADOS SEM CONHECIMENTO DO QUE ESTÁ EM CAUSA?

Sem especular, retorquir a esta questão formulada em título e adivinhar a resposta é o assunto que dará o prémio de um milhão de euros.
Especulando, não passando de meras hipóteses e sem ordem hierárquica e em relação a algumas associações, podemos aventar várias conjecturas:
- Os associados, desligando-se do interesse primordial da instituição, votam de acordo com as propostas para não desagradar aos visados;
- Maioritariamente, por desleixo e desinteresse funcional, os associados não conhecem o texto dos Estatutos associativos. Logo, pela ignorância implícita, não podem interpretar, refutar, ou simplesmente interpelar os autores das matérias levadas à votação;
- Os estatutos associativos, normalmente já ultrapassados pelo tempo, estão truncados, com algumas normas blindadas e em contradição com o que se pretende –que é salvaguardar o espírito associativo- mas quase sempre a beneficiar as direcções executivas no activo, na sua continuação, indicando pessoas da sua confiança política para listas de sucessão;
- O problema do voto por procuração –que poderá ser inconstitucional já que, salvo melhor opinião, viola o artigo 49-2 da Constituição da República Portuguesa, que imperativamente prescreve: “O exercício do direito de sufrágio é pessoal e constitui um dever cívico”. Ora o que se passa em muitas associações do país é que, através de credencial, o mandatado vota por si e por outro e em sua representação. Como é que este procedimento continua perante a passividade geral? Gostava, mas não sei responder;
- Por desconhecimento do próprio e aceitação da assembleia geral, o presidente deste órgão de fiscalização dos actos directivos, muitas vezes sem se aperceber da sua parcialidade, toma partido e posição em favor da direcção cuja sua função intrínseca é, sendo claro nas exposições e posições que estão em debate e votação, alertar a assembleia a que preside para que os membros que a compõem possam ser esclarecidos e, na posse de todos os dados, possam fiscalizar e aprovar ou não as acções do executivo.

O QUE SE ESPERA DO MOVIMENTO ASSOCIATIVO?

Sem querer parecer anjo da desgraça, em face do que está acontecer em muitas agremiações –e no caso desta, de A Previdência Portuguesa-, tudo indica que, ao desaparecer o espírito de altruísmo de dar para receber, o futuro que se avizinha será negro.


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