Segundo a imprensa local desta semana, ficámos
a saber que o executivo municipal de Coimbra aprovou o projecto de abertura, na
totalidade, da chamada Avenida Central e agora rebaptizada de Via Central –começo
logo por embirrar na necessidade de dar outros nomes a obras que, durante décadas
precisas ou imprecisas, mereceram unanimemente uma consagração. Para além de só
criar confusão nas nossas cabeças sobre a sua posição geográfica, o que se
ganha com isto? Pelos vistos, é um sinal dos novos tempos democráticos. A nível
nacional, o (pior) exemplo maior é o da Ponte Salazar e ungida depois de 1974
de Ponte sobre o Tejo –como se fosse o rio o seu autor e tivesse desenvolvido
esforços para a sua construção. Por cá, temos o caso da Ponte Europa que, por
milagre da padroeira, passou a ser apelidada de Rainha Santa. Ainda estou à
espera do nome que há-de substituir o Centro de Convenções São Francisco.
Talvez São Machado de Assis ficasse melhor –sempre haveria analogia ao obreiro
que, sabe-se lá com que custos para o erário público, está a concretizar o prodígio da
sua realização.
UM POUCO DE HISTÓRIA DE
UMA AVENIDA AMALDIÇOADA
Alegadamente, tudo teria começado na década de
1930. Duarte Pacheco, ministro das Obras Públicas e Comunicações de Salazar,
para renovar a política urbanística, e que dariam origem aos primeiros Planos
de Urbanização do país, convidou vários arquitectos de renome internacional,
entre eles o francês Etienne de Gröer, que trouxeram para Portugal o conceito
de “cidade-jardim”, na altura, em
voga por toda a Europa. É então que na década seguinte de Gröer apresenta na
Câmara Municipal de Coimbra o plano “Urbanização
Embelezamento e extensão da cidade”. Num dos projectos, o urbanista francês
defende a ligação, em forma de avenida, entre a Praça 8 de Maio, ligando à
Avenida Fernão de Magalhães, e o Rio Mondego. Em meados da década de 1960,
depois de expropriadas várias habitações, dá-se início à desconstrução para
abertura do canal. Certamente por dificuldades nas finanças públicas, talvez
pelo rebentar da guerra colonial, as obras param poucos anos depois no início
das Ruas da Moeda e Louça e nasce um buraco que se virá a chamar “Bota-Abaixo”.
E VIERAM OS NOVOS
SENHORES DA ROSA
Em 1999, através de concurso, a autarquia de
executivo PS e com o actual presidente Manuel Machado à frente vendeu o terreno
à firma Braga-parques por cerca de um milhão de contos. Esta empresa de Braga
veio nos dois anos seguintes a construir naquele terreno um grande
estacionamento, comércio e habitação. Esta venda seria investigada em 2007 pela
Polícia Judiciária e viria a constituir dois arguidos, um vereador socialista e
o dono da empresa bracarense.
Em 1996, através de Escritura Pública, foi
constituída a Sociedade Metro Mondego com a seguinte representatividade: Estado
Português 53%; Município de Coimbra 14%; Município da Lousã 14%; Município de
Miranda do Corvo 14%; REFER 2,5% e CP 2,5%.
Como se sabe este projecto, que
está na génese da criação da empresa de capitais exclusivamente públicos, é um
sistema de transporte público de massas do distrito de Coimbra, que circularia
em rede de caminhos-de-ferro electrificada, na zona urbana da cidade e
suburbana até Serpins, passando por Miranda do Corvo e Lousã.
Embora já na última metade de 1990 o presidente
desta empresa começasse a ganhar cerca de 800 contos, só o custo de planeamento
e construção de projectos até à actualidade será qualquer coisa impossível de
contabilizar –aventam-se em mais de 140 milhões de euros.
E LARANJAS “C’EST LA
MEME CHOSE”
É no mandato de Carlos Encarnação, que foi presidente
da assembleia-geral da Metro Mondego, já depois de 2001 e depois de ter apeado
Manuel Machado, que o projecto ganhou velocidade –sobretudo na secretaria. Sob
o espectro da expropriação, começam as negociações com vários residentes e
alguns comerciantes entre o “Bota-Abaixo”
e a Praça 8 de Maio.
Com promessa de realização, depois
do metro fantasma ter ajudado a reeleger Carlos Encarnação, em Coimbra, Fátima
Ramos, em Miranda do Corvo, e Fernando Carvalho, na Lousã, em 2005, em finais
de 2006 começaram as demolições. Segundo o Diário de Notícias de 15 de Janeiro
de 2007, “a sociedade Metro Mondego (MM),
SA anunciou hoje que tenciona concluir até ao final de Fevereiro as demolições
de 13 edifícios na Baixa de Coimbra, para instalar o corredor do futuro
metropolitano de superfície. Segundo uma fonte da empresa, a primeira fase das
demolições abrange imóveis situados sobretudo na Rua Direita, mas também na Rua
de João Cabreira.
A mesma fonte disse à agência Lusa que o processo, iniciado ainda antes do Natal, levou já à demolição total de duas parcelas e implicou também desconstruções parciais de mais seis imóveis situados nesta zona.”
A mesma fonte disse à agência Lusa que o processo, iniciado ainda antes do Natal, levou já à demolição total de duas parcelas e implicou também desconstruções parciais de mais seis imóveis situados nesta zona.”
Sobre a égide do governo nacional de José
Sócrates (PS), depois de 103 anos de actividade, a linha da Lousã foi
interrompida no dia 4 de Janeiro de 2010. Entretanto, começaram a ser
desmantelados os carris e os residentes daqueles concelhos, Coimbra, Miranda e
Lousã, começaram a ser transportados em autocarros (até hoje).
Caiu Sócrates e ergueu-se o governo de Passos
Coelho (Coligação PSD/CDS) e, com a agravante de injectar mais milhões em
paliativos no doente comatoso, as mentiras, em jeito de promessas vãs, continuaram.
Por estranho que pareça foram apresentados estudos que comprovavam a
inviabilidade económica do projecto. Mas, quer o Governo de Passos, que não
queria perder apoio político, quer os presidentes autárquicos abrangidos pelo
comboio de superfície, nunca estiveram interessados em colocar um final ao
projecto maldito. Uns e outros, continuaram a emprenhar porque,
verdadeiramente, nunca quiseram servir as populações prejudicadas pela falta de
transporte ferroviário mas antes servirem-se em proveito próprio pelos seus dividendos políticos. Foi sempre assim desde 2001, aquando da tomada de posse do executivo
de coligação liderado por Encarnação. Verdadeiramente, nunca chegou a haver
entendimento entre os três edis de Coimbra, Lousã e Miranda. E, ao longo dos últimos
seis anos, continuou a ser igual ao que sempre foi. Se um governo apresentava uma solução
mais barata, mas realizável, logo havia vozes contra e a defender o plano
inicial e que se sabia ser inviável do ponto de vista económico. O que era
preciso era manter a chama acesa na fornalha mesmo que não servisse para nada.
E, SEM NOTARMOS, PASSOU
UMA DÉCADA
Não parece mas, de facto, passaram dez anos
entre o início das demolições e os nossos dias. Como metástase de uma doença
fatal, o cancro foi corroendo e transformou uma parte substancial da Baixa de
Coimbra em terra de ninguém –envolvendo
a Rua Direita e a zona do Terreiro da Erva (agora em obras)- onde a droga
passou a ser colhida sem ser semeada num estalar de dedos.
O QUE É QUE FAZEMOS AO
MONSTRO?
Talvez para tentar compreender a posição dos
Cidadão por Coimbra –que votou contra a aprovação da abertura do novo canal
rodoviário em detrimento do ferroviário-, é certo que, pelo princípio do
direito, a abertura da nova via só fará sentido cumprindo integralmente o seu
objecto, ou seja, pela passagem do Metro Ligeiro de Superfície. De tal modo
assim é que, não cumprindo os objectivos que estiveram na génese de prováveis
expropriações, o seu incumprimento é passível de remissão e anulação dos actos
administrativos que lhe deram origem.
Há um porém: depois de uma década
passada é totalmente improvável que algum particular venha invocar a nulidade e
a improcedência.
E outro porém: Metro ligeiro na
cidade, pela sua impraticabilidade, é tão certo hoje ou no futuro quanto apresentarmos
este ano 5 por cento de crescimento económico em Portugal.
E há ainda outro porém: a bem da
Baixa, a bem da cidade, a bem do bom-senso, mesmo torneando o seu alcance inicial,
obrigatoriamente terá de se dar uma solução. Logo…
A SOLUÇÃO APRESENTADA
ESTÁ CORRECTA E MERECE PALMAS
Se não estivermos na segunda parte do filme
que deu origem à reeleição de Carlos Encarnação em 2005 –ou seja, se Machado
não estiver a ler a mesma cartilha e a usar os mesmo procedimento para ganhar o
seu segundo mandato na Câmara Municipal- este plano de deixar cair a ferrovia e
transformar a Via Central em rodovia merece palmas se for mesmo concretizada. A
par com a requalificação do Terreiro da Erva, este projecto pode ser o motor fundamental
para a revitalização da Baixa. Mais que certo, imagino, a seguir a Rua da Sofia
terá apenas uma estreita via central para trânsito e os seus passeios serão
alargados para peões.
Independentemente das guerras
ideológicas, partidárias e políticas, devemos todos abraçar a ideia desta nova
Via Central. A meu ver, não faz sentido, só por que sim, a oposição continuar a
malhar no contra. Se é uma boa solução para a cidade, com altruísmo e honestidade intectual, devemos
ovacionar.
Vamos lá!
1 comentário:
Concordo com a sua opinião, Sr. Luís.
Fico surpreendido quando vejo algumas pessoas contra esta futura via, quando estamos finalmente perante a solução para um dos maiores cancros da Baixa. Aquela zona não pode continuar indefinidamente à espera que o metro avance, até já esperou tempo demais.
Esta via vai permitir reabilitar a pior zona da Baixa, acabar com a cratera, dar outro aspecto àquela zona, juntamente com a reabilitação do Terreiro da Erva, permitindo atrair novos investimentos, desde comercio a habitação.
E se alguns dia o metro for para os carris, continua a haver lugar para ele na Av. Central: «O socialista Manuel Machado lembrou que o projecto aprovado nesta segunda-feira tem em consideração a eventualidade da instalação de carris. A nota enviada pela autarquia aos jornalistas refere que esta intervenção ”contempla a futura instalação deste [do metro], criando condições facilitadoras à sua construção e diminuindo-lhe os respectivos custos”.»
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