(Imagem retirada, com a devida vénia, de "Caminhos & Labirintos")
Chamo-me
Maria. Maria qualquer coisa, porque o que vem a seguir ao nome é sempre um
apêndice sem importância quando não reporta para uma grande família e conhecida
de todos na cidade. Num silogismo aristotélico, num raciocínio baseado na
dedução de duas premissas, se moro na Baixa, num segundo andar de uma ruela
estreita, há mais de sessenta anos numa casa de renda sem grande conforto logo,
inevitavelmente, o meu apelido tem de tocar a vulgaridade dos simples. Apesar do
meu Bilhete de Identidade vitalício indicar 85 anos e me locomover com alguma
dificuldade pela artrose que me corrói os ossos, ainda consigo subir e
descer as cerca de sete dezenas de degraus de madeira. Tenho uma pensão social
de menos de 300 euros. O que me vale é que pago uma renda baixinha de 50 euros –de
quando em vez, quando me torno mais razoável, até dou por mim a pensar que pago
pouquíssimo. Na maioria dos dias, confesso, sou fria, calculista e egocêntrica.
A solidão fez-me assim. O individualismo, com o passar do tempo, leva-nos a
bondade e transforma-nos em sobreviventes. Há muito tempo que sei que apenas
consigo atingir os meus objectivos se for manipuladora e criar nos outros a
ideia permanente de necessidade pelas minhas insuficiências, física, psíquica e
económica. E eles, quem me visita, tocados pela sensibilidade, respondem bem aos apelos
visuais. Temos boas instituições de apoio aos mais velhos na cidade. Aqui na
Baixa temos o Centro de Dia Rainha Santa Isabel, mais conhecida por Cozinha
Económica. Quando posso vou lá almoçar, quando as articulações não me permitem vêm
trazer-me a comida a casa. Se eu não der sinal de vida, já dei por isso,
procuram saber de mim. Apesar do meu isolamento, valha-me Nossa Senhora do
Amparo, sinto-me permanentemente apoiada.
O LIXO VOADOR
Nas
últimas seis décadas já vi de tudo na recolha de resíduos sólidos, no lixo,
como vulgarmente se diz. Ainda sou do tempo do primeiro jacó em lata em que se
depositavam os restos –parece-me que o termo jacó, ou jacob, se deveu em
homenagem ao criador do recipiente em Coimbra. Tendo em conta o apelido, eventualmente
poderia ter sido Jacob de Castro Sarmento, lente ou estudante de medicina na
cidade dos estudantes no início do século passado.
Depois vieram os contentores em plástico, distribuídos por cada
residência e que obrigava a colocar na via pública só à noite. Por um lado, como
eram furtados e iam acabar nas vindimas, por outro, não eram recolhidos pelos
particulares e, como símbolos de uma sociedade desleixada e de excedentes,
jaziam nas ruas ao abandono e com um cheiro fétido, envolvente, a podre.
Há cerca
de uma dezena de anos, encarregando da tarefa as juntas de freguesias, substituíram
os recipientes plásticos por sacos pretos com o logótipo da cidade, gratuitos e
sem controlo. Resultado, os ditos cujos acabaram em mil e um serviços nas casas
dos munícipes. Para quem tinha umas oliveiras, serviam para a azeitona e para
quem tivesse outros afazeres agrícolas os sacos serviam em pleno. Eram mesmo
muito bons e multi-funções. Há cerca de três anos emendaram a mão e passaram a
registar a quantidade dispensada para evitar abusos.
Na minha rua assisti muitas vezes aos “aviões” mandados lá de cima cá
para baixo, para a calçada, porque, certamente, algumas pessoas não se davam ao
trabalho de descer as escadas.
E REGRESSA NOVAMENTE O JACÓ
Num
eterno retorno que acompanha a nossa vida, agora a Câmara Municipal de Coimbra
voltou a obrigar a cada residente possuir um jacó para ser depositário dos
sacos plásticos com lixo. A norma obriga a que cada morador seja responsável
pelo recipiente –“o furto do contentor tem que ser participado às autoridades
competentes, nomeadamente, à esquadra de polícia mais próxima”.
Para além disso, para os restaurantes e residentes, os contentores
devem ser colocados na via pública nos seguintes horários:
ZONA DA ALTA
(de Segunda-feira a Domingo)
Restaurantes/bares: das 17,30 até às 23h00
Residentes: 17h30 até às 21h30
ZONA DA BAIXA
(de Segunda-feira a Domingo)
Restaurantes/bares: das 19h00 às 23h00
Residentes: 19h00 até às 21h30)
PERGUNTAS DE UMA VELHA
Bem sei
que esta medida de retorno dos jacós visa unicamente tentar disciplinar e responsabilizar, de uma
vez por todas, a permanente exposição de detritos na via pública durante todo o
dia. E, concordo, alguma coisa teria de se fazer, mas interrogo:
-Mal podendo eu com o peso das pernas, como vou, diariamente, carregar
com o contentor?
-Como é normal, por falta de cuidado do pessoal de recolha, ou dos
vândalos da noite, muitas vezes os contentores são deixados a cerca de cem
metros do local de origem. Como é que faço? Vou andar a correr as ruas à sua
procura?
-Se me furtarem o depositário do lixo –como já aconteceu aqui na Baixa
nos últimos dias- vou ter de ir para a esquadra queixar-me? Não esquecer que
sou velhinha e recolho-me na minha casa por causa dos “bicos de papagaio” que
teimam em morder-me as costas.
Se
calhar, digo eu na minha pouca inocência, ainda não vamos ficar por aqui. Não
me parece que fosse desta que o Departamento de Desenvolvimento Social e Ambiente
– Divisão de Ambiente acertasse. Mas vamos com calma, que eu espero andar por
cá até aos cem!
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