segunda-feira, 21 de março de 2016

EDITORIAL: QUE CIDADE TEMOS? QUE CIDADE QUEREMOS? O QUE ESTAMOS DISPOSTOS A FAZER POR ELA?






Conforme escrevi há dias um texto sobre a escandalosa insolvência da ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, uma instituição de utilidade pública e reconhecida na cidade com 153 anos de existência, na mesma nota, talvez numa procura de respostas que, pelos vistos, ninguém está interessado em dar, vou continuar a bater no ceguinho. O que é que se passa com a indignação dos conimbricenses? Para além da notícia plasmada no Diário as Beiras na semana passada, passando pelos restantes jornais locais, assim como até ao actual e ex-presidentes da associação agora enterrada em campa rasa, ou mesmo qualquer associado indignado pelo tratamento de desclassificação, não se viu alguém a dar cara nem se leu uma única letra. Porquê?

MAS, AFINAL, O QUE É QUE SE PASSA?

Como ressalva, começo por escrever que -antes que me cataloguem- me auto-classifico como uma espécie de sem-abrigo das letras. Se por um lado, tento escrever com total liberdade e independência sobre qualquer assunto, sem levar em conta as instituições visadas, por outro, poucos ligam sobre o que me debruço. Aliás, não tenho dúvida que, provavelmente, sou mais ostracizado pelos que deveriam ser os interessados, nos quais procuro chamar a atenção com um outro olhar de reflexão, do que os que continuam de pedra e cal no seu pedestal decisor. Passando a pouca modéstia, o resultado para o meu ego, sendo de certo modo frustrante, acaba por ser motivador no sentido de que faz de mim singular na apreciação da generalidade e da especialidade e me coloca a ver e a antever o que, aparentemente, a maioria não vislumbra, ou não quer lobrigar. O que ganho com isto? Para além do gozo que me dá, obviamente que absolutamente nada. Pelo contrário, arriscando tudo e até desbaratar os poucos amigos, só tenho a perder.
Coimbra é uma cidade média de pouco mais de 100 mil habitantes. Tendo em conta a geografia do país e a sua demografia, é maior que a maioria das suas congéneres –para comparar, basta lembrar que Castelo Branco tem uma população de cerca de 56 mil habitantes e Aveiro à volta de 78 mil residentes.
Sobretudo para quem nos vê de fora e ancorados num ilusório fado de saudade, talvez por mantermos a mais antiga Universidade portuguesa, parece que estamos numa cidade viva, irreverente, de cultura, de cidadania partilhada, de humanidade, e onde existe uma massa crítica que não abdica de colocar as mãos no fogo para a defesa da urbe e das suas instituições históricas.
Mas será assim? Quem vive dentro dos muros consegue demarcar-se das posições correntes e vindas de cima? Consegue discordar e dizer publicamente o que pensa? Tenho para mim que não. Salvo excepções porque as há sempre, Coimbra, através dos seus habitantes porque são eles que constituem a acrópole, é calculista. Sem ganhar nada com isso, não dá nada a ninguém. Em metáfora, é um arquipélago rodeado de algumas ilhas ligadas entre si por teias de interesses profissionais, políticos, familiares, em que os extremos sempre se tocam. A urbe está prenhe de cagões oportunistas.
Nas instituições públicas que dão segurança de emprego e cartas no futuro da cidade há sempre algum familiar que é funcionário e não convém fazer ondas. São estas formações públicas que, porque têm o poder arbitrário de atribuir louvores e subvenções, acabam por determinar o prazo da existência de muitas empresas privadas e o princípio e o fim de ideias de particulares. No fundo, como um soberano que contempla e acaricia apenas os seus súbditos mais servis, fazem o rastreio entre quem lhes bate à porta –salvo melhor opinião, nem sempre tendo em conta o real valor dos projectos.  Se é certo que sendo um território sujeito à discricionariedade e subjectividade não poderia ser de outro modo, também é certo que, por outro lado, será notória uma certa empatia para alguns. Por outro, por vezes, salienta-se um estranho comportamento do mendicante perante o decisor político.
Na minha apreciação legítima, e que vale o que valer, poderia dar vários exemplos nos subsídios atribuídos este ano pela Câmara Municipal de Coimbra, mas vou apresentar apenas um: os Encontros de Fotografia. Segundo a imprensa local, foi pedido inicialmente um milhão de euros pelo CAV, Centro de Artes Visuais. Depois de um aparente conflito entre o mentor do projecto e a vereadora responsável da autarquia, foram atribuídos mais de 180 mil euros -ainda que subsidiados com recurso a fundos europeus. A explicação apresentada para esta cedência –quer da edilidade quer do CAV- foi que a realização dos Encontros de Fotografia estava inscrita no programa eleitoral do PS local. De salientar que em 2015 foram atribuídos pela edilidade 80 mil euros.
O resultado de tudo isto é uma cidade dependente e manietada em que, para não ofender e para não perder a mama, só se manifesta em surdina.

TUDO BONS AMIGOS

Costumo pensar que na sua ordem natural há corpos e anti-corpos. Na sua função, para que cada um desempenhe a sua missão com clareza nunca se devem juntar. Se o fizerem confundem-se e deixa de se perceber o que cada um defende. E sirvo-me desta introdução para ilustrar o meu pensamento acerca da festa de aniversário do jornal Diário as Beiras (DB) neste fim-de-semana em que, seguindo a mesma linha dos anos anteriores, entre políticos, empresários e funcionários do matutino, juntou várias centenas de pessoas no Casino da Figueira da Foz.
Antes de prosseguir, como resguardo de interesses e para desonerar quem me lê, não escrevo isto por não ter sido convidado. Ainda bem que não fui. Se tivesse sido, tinha de alugar um paletó. Por outro lado, se me mostro desgostoso com a medida, afirmo solenemente que nada tenho contra o jornal. Se plasmo isto é num lamento profundo.
Continuando, tenho para mim que um jornal, enquanto órgão de informação, é um contrapoder. Ora, para o ser, tem de manter uma certa distância entre todos. Não me admira porque nunca leio um editorial, escrito na primeira pessoa, no DB a insurgir-se contra determinada medida política. Ressalvo que não estou a escrever que este jornal seja parcial ou dependente, o que quero dizer é que, e sobretudo enquanto leitor diário, tenho o direito a ter opinião e de, acima de tudo, exigir uma imprensa local mais livre e independente. Tal como a mulher de César não basta ser séria.

1 comentário:

Anónimo disse...

Senhor Luís Fernandes, nem os Encontros de Fotografia pediram um milhão de euros à Câmara Municipal (esse era o orçamento total), nem a câmara lhes vai dar 180 mil, como alguém menos atento à sua discreta nota entre parêntesis (recurso a subsídios comunitários, não orçamento municipal), poderia ser levado a crer. Recebeu da Câmara, sim, 60 mil para a sua actividade de criação programação e 20 mil para despesas administrativas, ou seja, o mesmo que recebeu em 2015, pormenor que lhe escapou. Faz bem em criticar a nossa imprensa local, mas poderia daí retirar algumas conclusões sobre a exactidão das noticias.
O que é que queremos para a nossa cidade, pergunto eu. Arrufadas, folclore e feiras de cebolas?