quarta-feira, 2 de março de 2016

EDITORIAL: UMA VIA CENTRAL DESCENTRADA





Segundo a imprensa local desta semana, ficámos a saber que o executivo municipal de Coimbra aprovou o projecto de abertura, na totalidade, da chamada Avenida Central e agora rebaptizada de Via Central –começo logo por embirrar na necessidade de dar outros nomes a obras que, durante décadas precisas ou imprecisas, mereceram unanimemente uma consagração. Para além de só criar confusão nas nossas cabeças sobre a sua posição geográfica, o que se ganha com isto? Pelos vistos, é um sinal dos novos tempos democráticos. A nível nacional, o (pior) exemplo maior é o da Ponte Salazar e ungida depois de 1974 de Ponte sobre o Tejo –como se fosse o rio o seu autor e tivesse desenvolvido esforços para a sua construção. Por cá, temos o caso da Ponte Europa que, por milagre da padroeira, passou a ser apelidada de Rainha Santa. Ainda estou à espera do nome que há-de substituir o Centro de Convenções São Francisco. Talvez São Machado de Assis ficasse melhor –sempre haveria analogia ao obreiro que, sabe-se lá com que custos para o erário público, está a concretizar o prodígio da sua realização.

UM POUCO DE HISTÓRIA DE UMA AVENIDA AMALDIÇOADA

Alegadamente, tudo teria começado na década de 1930. Duarte Pacheco, ministro das Obras Públicas e Comunicações de Salazar, para renovar a política urbanística, e que dariam origem aos primeiros Planos de Urbanização do país, convidou vários arquitectos de renome internacional, entre eles o francês Etienne de Gröer, que trouxeram para Portugal o conceito de “cidade-jardim”, na altura, em voga por toda a Europa. É então que na década seguinte de Gröer apresenta na Câmara Municipal de Coimbra o plano “Urbanização Embelezamento e extensão da cidade”. Num dos projectos, o urbanista francês defende a ligação, em forma de avenida, entre a Praça 8 de Maio, ligando à Avenida Fernão de Magalhães, e o Rio Mondego. Em meados da década de 1960, depois de expropriadas várias habitações, dá-se início à desconstrução para abertura do canal. Certamente por dificuldades nas finanças públicas, talvez pelo rebentar da guerra colonial, as obras param poucos anos depois no início das Ruas da Moeda e Louça e nasce um buraco que se virá a chamar “Bota-Abaixo”.

E VIERAM OS NOVOS SENHORES DA ROSA

Em 1999, através de concurso, a autarquia de executivo PS e com o actual presidente Manuel Machado à frente vendeu o terreno à firma Braga-parques por cerca de um milhão de contos. Esta empresa de Braga veio nos dois anos seguintes a construir naquele terreno um grande estacionamento, comércio e habitação. Esta venda seria investigada em 2007 pela Polícia Judiciária e viria a constituir dois arguidos, um vereador socialista e o dono da empresa bracarense.
Em 1996, através de Escritura Pública, foi constituída a Sociedade Metro Mondego com a seguinte representatividade: Estado Português 53%; Município de Coimbra 14%; Município da Lousã 14%; Município de Miranda do Corvo 14%; REFER 2,5% e CP 2,5%.
Como se sabe este projecto, que está na génese da criação da empresa de capitais exclusivamente públicos, é um sistema de transporte público de massas do distrito de Coimbra, que circularia em rede de caminhos-de-ferro electrificada, na zona urbana da cidade e suburbana até Serpins, passando por Miranda do Corvo e Lousã.
Embora já na última metade de 1990 o presidente desta empresa começasse a ganhar cerca de 800 contos, só o custo de planeamento e construção de projectos até à actualidade será qualquer coisa impossível de contabilizar –aventam-se em mais de 140 milhões de euros.

E LARANJAS “C’EST LA MEME CHOSE”

É no mandato de Carlos Encarnação, que foi presidente da assembleia-geral da Metro Mondego, já depois de 2001 e depois de ter apeado Manuel Machado, que o projecto ganhou velocidade –sobretudo na secretaria. Sob o espectro da expropriação, começam as negociações com vários residentes e alguns comerciantes entre o “Bota-Abaixo” e a Praça 8 de Maio.
Com promessa de realização, depois do metro fantasma ter ajudado a reeleger Carlos Encarnação, em Coimbra, Fátima Ramos, em Miranda do Corvo, e Fernando Carvalho, na Lousã, em 2005, em finais de 2006 começaram as demolições. Segundo o Diário de Notícias de 15 de Janeiro de 2007, “a sociedade Metro Mondego (MM), SA anunciou hoje que tenciona concluir até ao final de Fevereiro as demolições de 13 edifícios na Baixa de Coimbra, para instalar o corredor do futuro metropolitano de superfície. Segundo uma fonte da empresa, a primeira fase das demolições abrange imóveis situados sobretudo na Rua Direita, mas também na Rua de João Cabreira.
A mesma fonte disse à agência Lusa que o processo, iniciado ainda antes do Natal, levou já à demolição total de duas parcelas e implicou também desconstruções parciais de mais seis imóveis situados nesta zona.”
Sobre a égide do governo nacional de José Sócrates (PS), depois de 103 anos de actividade, a linha da Lousã foi interrompida no dia 4 de Janeiro de 2010. Entretanto, começaram a ser desmantelados os carris e os residentes daqueles concelhos, Coimbra, Miranda e Lousã, começaram a ser transportados em autocarros (até hoje).
Caiu Sócrates e ergueu-se o governo de Passos Coelho (Coligação PSD/CDS) e, com a agravante de injectar mais milhões em paliativos no doente comatoso, as mentiras, em jeito de promessas vãs, continuaram. Por estranho que pareça foram apresentados estudos que comprovavam a inviabilidade económica do projecto. Mas, quer o Governo de Passos, que não queria perder apoio político, quer os presidentes autárquicos abrangidos pelo comboio de superfície, nunca estiveram interessados em colocar um final ao projecto maldito. Uns e outros, continuaram a emprenhar porque, verdadeiramente, nunca quiseram servir as populações prejudicadas pela falta de transporte ferroviário mas antes servirem-se em proveito próprio pelos seus dividendos políticos. Foi sempre assim desde 2001, aquando da tomada de posse do executivo de coligação liderado por Encarnação. Verdadeiramente, nunca chegou a haver entendimento entre os três edis de Coimbra, Lousã e Miranda. E, ao longo dos últimos seis anos, continuou a ser igual ao que sempre foi. Se um governo apresentava uma solução mais barata, mas realizável, logo havia vozes contra e a defender o plano inicial e que se sabia ser inviável do ponto de vista económico. O que era preciso era manter a chama acesa na fornalha mesmo que não servisse para nada.

E, SEM NOTARMOS, PASSOU UMA DÉCADA

Não parece mas, de facto, passaram dez anos entre o início das demolições e os nossos dias. Como metástase de uma doença fatal, o cancro foi corroendo e transformou uma parte substancial da Baixa de Coimbra em terra de ninguém –envolvendo a Rua Direita e a zona do Terreiro da Erva (agora em obras)- onde a droga passou a ser colhida sem ser semeada num estalar de dedos.

O QUE É QUE FAZEMOS AO MONSTRO?

Talvez para tentar compreender a posição dos Cidadão por Coimbra –que votou contra a aprovação da abertura do novo canal rodoviário em detrimento do ferroviário-, é certo que, pelo princípio do direito, a abertura da nova via só fará sentido cumprindo integralmente o seu objecto, ou seja, pela passagem do Metro Ligeiro de Superfície. De tal modo assim é que, não cumprindo os objectivos que estiveram na génese de prováveis expropriações, o seu incumprimento é passível de remissão e anulação dos actos administrativos que lhe deram origem.
Há um porém: depois de uma década passada é totalmente improvável que algum particular venha invocar a nulidade e a improcedência.
E outro porém: Metro ligeiro na cidade, pela sua impraticabilidade, é tão certo hoje ou no futuro quanto apresentarmos este ano 5 por cento de crescimento económico em Portugal.
E há ainda outro porém: a bem da Baixa, a bem da cidade, a bem do bom-senso, mesmo torneando o seu alcance inicial, obrigatoriamente terá de se dar uma solução. Logo…

A SOLUÇÃO APRESENTADA ESTÁ CORRECTA E MERECE PALMAS

Se não estivermos na segunda parte do filme que deu origem à reeleição de Carlos Encarnação em 2005 –ou seja, se Machado não estiver a ler a mesma cartilha e a usar os mesmo procedimento para ganhar o seu segundo mandato na Câmara Municipal- este plano de deixar cair a ferrovia e transformar a Via Central em rodovia merece palmas se for mesmo concretizada. A par com a requalificação do Terreiro da Erva, este projecto pode ser o motor fundamental para a revitalização da Baixa. Mais que certo, imagino, a seguir a Rua da Sofia terá apenas uma estreita via central para trânsito e os seus passeios serão alargados para peões.
Independentemente das guerras ideológicas, partidárias e políticas, devemos todos abraçar a ideia desta nova Via Central. A meu ver, não faz sentido, só por que sim, a oposição continuar a malhar no contra. Se é uma boa solução para a cidade, com altruísmo e honestidade intectual, devemos ovacionar.
Vamos lá!




1 comentário:

Daniel disse...

Concordo com a sua opinião, Sr. Luís.
Fico surpreendido quando vejo algumas pessoas contra esta futura via, quando estamos finalmente perante a solução para um dos maiores cancros da Baixa. Aquela zona não pode continuar indefinidamente à espera que o metro avance, até já esperou tempo demais.

Esta via vai permitir reabilitar a pior zona da Baixa, acabar com a cratera, dar outro aspecto àquela zona, juntamente com a reabilitação do Terreiro da Erva, permitindo atrair novos investimentos, desde comercio a habitação.

E se alguns dia o metro for para os carris, continua a haver lugar para ele na Av. Central: «O socialista Manuel Machado lembrou que o projecto aprovado nesta segunda-feira tem em consideração a eventualidade da instalação de carris. A nota enviada pela autarquia aos jornalistas refere que esta intervenção ”contempla a futura instalação deste [do metro], criando condições facilitadoras à sua construção e diminuindo-lhe os respectivos custos”.»