Conforme escrevi há dias um texto sobre a escandalosa
insolvência da ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, uma
instituição de utilidade pública e reconhecida na cidade com 153 anos de
existência, na mesma nota, talvez numa procura de respostas que, pelos vistos,
ninguém está interessado em dar, vou continuar a bater no ceguinho. O que é que
se passa com a indignação dos conimbricenses? Para além da notícia plasmada no
Diário as Beiras na semana passada, passando pelos restantes jornais locais,
assim como até ao actual e ex-presidentes da associação agora enterrada em
campa rasa, ou mesmo qualquer associado indignado pelo tratamento de
desclassificação, não se viu alguém a dar cara nem se leu uma única letra. Porquê?
MAS, AFINAL, O QUE É
QUE SE PASSA?
Como ressalva, começo por escrever que -antes
que me cataloguem- me auto-classifico como uma espécie de sem-abrigo das
letras. Se por um lado, tento escrever com total liberdade e independência sobre
qualquer assunto, sem levar em conta as instituições visadas, por outro, poucos
ligam sobre o que me debruço. Aliás, não tenho dúvida que, provavelmente, sou
mais ostracizado pelos que deveriam ser os interessados, nos quais procuro
chamar a atenção com um outro olhar de reflexão, do que os que continuam de
pedra e cal no seu pedestal decisor. Passando a pouca modéstia, o resultado
para o meu ego, sendo de certo modo frustrante, acaba por ser motivador no sentido
de que faz de mim singular na apreciação da generalidade e da especialidade e me
coloca a ver e a antever o que, aparentemente, a maioria não vislumbra, ou não
quer lobrigar. O que ganho com isto? Para além do gozo que me dá, obviamente
que absolutamente nada. Pelo contrário, arriscando tudo e até desbaratar os
poucos amigos, só tenho a perder.
Coimbra é uma cidade média de pouco mais de
100 mil habitantes. Tendo em conta a geografia do país e a sua demografia, é
maior que a maioria das suas congéneres –para comparar, basta lembrar que Castelo
Branco tem uma população de cerca de 56 mil habitantes e Aveiro à volta de 78
mil residentes.
Sobretudo para quem nos vê de fora e ancorados
num ilusório fado de saudade, talvez por mantermos a mais antiga Universidade
portuguesa, parece que estamos numa cidade viva, irreverente, de cultura, de
cidadania partilhada, de humanidade, e onde existe uma massa crítica que não
abdica de colocar as mãos no fogo para a defesa da urbe e das suas instituições
históricas.
Mas será assim? Quem vive dentro dos muros consegue
demarcar-se das posições correntes e vindas de cima? Consegue discordar e dizer
publicamente o que pensa? Tenho para mim que não. Salvo excepções porque as há
sempre, Coimbra, através dos seus habitantes porque são eles que constituem a
acrópole, é calculista. Sem ganhar nada com isso, não dá nada a ninguém. Em metáfora,
é um arquipélago rodeado de algumas ilhas ligadas entre si por teias de
interesses profissionais, políticos, familiares, em que os extremos sempre se
tocam. A urbe está prenhe de cagões oportunistas.
Nas instituições públicas que dão
segurança de emprego e cartas no futuro da cidade há sempre algum familiar que
é funcionário e não convém fazer ondas. São estas formações públicas que, porque
têm o poder arbitrário de atribuir louvores e subvenções, acabam por determinar
o prazo da existência de muitas empresas privadas e o princípio e o fim de ideias
de particulares. No fundo, como um soberano que contempla e acaricia apenas os
seus súbditos mais servis, fazem o rastreio entre quem lhes bate à porta –salvo
melhor opinião, nem sempre tendo em conta o real valor dos projectos. Se é certo que sendo um território sujeito à
discricionariedade e subjectividade não poderia ser de outro modo, também é
certo que, por outro lado, será notória uma certa empatia para alguns. Por
outro, por vezes, salienta-se um estranho comportamento do mendicante perante o decisor político.
Na minha apreciação legítima, e que vale o que
valer, poderia dar vários exemplos nos subsídios atribuídos este ano pela Câmara
Municipal de Coimbra, mas vou apresentar apenas um: os Encontros de Fotografia. Segundo a imprensa local, foi pedido inicialmente
um milhão de euros pelo CAV, Centro de Artes Visuais. Depois de um aparente
conflito entre o mentor do projecto e a vereadora responsável da autarquia, foram
atribuídos mais de 180 mil euros -ainda que subsidiados com recurso a fundos
europeus. A explicação apresentada para esta cedência –quer da edilidade quer
do CAV- foi que a realização dos Encontros de Fotografia estava inscrita no programa
eleitoral do PS local. De salientar que em 2015 foram atribuídos pela edilidade
80 mil euros.
O resultado de tudo isto é uma cidade dependente
e manietada em que, para não ofender e para não perder a mama, só se manifesta
em surdina.
TUDO BONS AMIGOS
Costumo pensar que na sua ordem natural há
corpos e anti-corpos. Na sua função, para que cada um desempenhe a sua missão
com clareza nunca se devem juntar. Se o fizerem confundem-se e deixa de se
perceber o que cada um defende. E sirvo-me desta introdução para ilustrar o meu
pensamento acerca da festa de aniversário do jornal Diário as Beiras (DB) neste
fim-de-semana em que, seguindo a mesma linha dos anos anteriores, entre
políticos, empresários e funcionários do matutino, juntou várias centenas de
pessoas no Casino da Figueira da Foz.
Antes de prosseguir, como resguardo de
interesses e para desonerar quem me lê, não escrevo isto por não ter sido
convidado. Ainda bem que não fui. Se tivesse sido, tinha de alugar um paletó. Por outro lado, se me mostro desgostoso
com a medida, afirmo solenemente que nada tenho contra o jornal. Se plasmo isto
é num lamento profundo.
Continuando, tenho para mim que um jornal,
enquanto órgão de informação, é um contrapoder. Ora, para o ser, tem de manter
uma certa distância entre todos. Não me admira porque nunca leio um editorial,
escrito na primeira pessoa, no DB a insurgir-se contra determinada medida
política. Ressalvo que não estou a escrever que este jornal seja parcial ou
dependente, o que quero dizer é que, e sobretudo enquanto leitor diário, tenho o direito a ter opinião e de, acima de tudo, exigir uma imprensa local mais livre
e independente. Tal como a mulher de César não basta ser séria.
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1 comentário:
Senhor Luís Fernandes, nem os Encontros de Fotografia pediram um milhão de euros à Câmara Municipal (esse era o orçamento total), nem a câmara lhes vai dar 180 mil, como alguém menos atento à sua discreta nota entre parêntesis (recurso a subsídios comunitários, não orçamento municipal), poderia ser levado a crer. Recebeu da Câmara, sim, 60 mil para a sua actividade de criação programação e 20 mil para despesas administrativas, ou seja, o mesmo que recebeu em 2015, pormenor que lhe escapou. Faz bem em criticar a nossa imprensa local, mas poderia daí retirar algumas conclusões sobre a exactidão das noticias.
O que é que queremos para a nossa cidade, pergunto eu. Arrufadas, folclore e feiras de cebolas?
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