(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
“Vinda
do outro lado do mar, de Cabo Verde, decorria o ano de 2007 quando cheguei à
cidade dos estudantes para estudar na Faculdade de Direito. Tinha 20 anos e trazia
a bagagem carregada de sonhos. Quis o destino que me apaixonasse perdidamente
por um rapaz de uma cidade do interior e quase vizinha de Coimbra. Com seria de
prever, foi-se o curso e as imaginações passaram a incidir no pequeno ser que crescia
no meu ventre. Estava muito feliz. Para além de um companheiro, ganhei também
uma nova família já que, contrariando o meu temor de ser repelida por ser
negra, parecia ser muito querida pela minha futura sogra. Amiúde me dizia que,
pela minha forte personalidade, eu tinha sido um anjo bom que apareceu nas suas
vidas para salvar o filho do álcool e do tabaco. Nasceu a minha pequenina e
fomos morar para a terra do meu amor. Depressa me apercebi do controlo cerrado
da mãe do meu marido, sempre a querer meter a colher na nossa intimidade, e que
ele, frágil de condição, não se revelava para defender a nossa relação.
Depressa vi que o melhor seria retornarmos a Coimbra e aqui arrendar uma casa.
Mas nem assim a mulher, como espírito maligno de encosto, descolava da nossa
privacidade. Recorrendo algumas vezes a ofensas e ameaças à minha pessoa, a relação
foi esfriando e contagiando tudo à volta. Depressa o amor lindo que nos ligava,
a mim e ao filho, se derretia como gelo fustigado pelo Sol. E separamo-nos.
Durante dois anos nem o pai da minha criança nem a sua família quiseram saber
se eu podia alimentá-la, nunca se preocuparam, ou se estava bem de saúde, até
porque sabiam que ela tinha nascido com problemas de desenvolvimento
neurológico e que precisava de cuidados continuados.
Como
tenho visto de residência, há dois anos pedi autorização para ir a Cabo Verde
acompanhada da minha filha. Foi então que o Tribunal de Menores convocou o
meu-ex-companheiro. Para minha surpresa, diante do juiz alegou querer ficar com
a nossa filha à sua guarda. Perante o manifesto descuido anterior de desamor
paternal, o magistrado negou a pretensão, estabeleceu visitas e impôs uma
pensão de alimentos. Como naturalmente procuro que a minha filha cresça com o
afecto de pai e mãe, cumpri sempre e até fui facilitando para que o meu bebé se
fosse adaptando ao pai. Há dois anos tive um pequeno sobressalto. Com o meu
consentimento, levou a nossa filha para férias e, durante uma semana, não me
atendeu o telemóvel. Depois de alegar que o tinha perdido, veio a segunda
inquietação: a minha ex-sogra propunha pagar-me para eu prescindir dos meus
direitos maternos. Por todos os meios e mais alguns, tentou convencer-me para que
a sua neta ficasse a morar de vez na sua casa. Logicamente que neguei tal
vontade. Só quem carrega carne da sua carne na barriga sabe o quanto isto pode
ser insultuoso. Mas deixei passar.
Com o acordo
do Tribunal, no ano transacto a minha menina foi passar quinze dias de férias
com o pai e os avós. Quando regressou começou a ter incontinência urinária. Achei
normal. Quem sabe a mudança de ambiente pudesse ter implicação, pensei. Como se
prolongou, fui ao médico pediatra e este especialista confirmou de que nada de
anormal se verificava. Mesmo assim receitou uns comprimidos e recomendou que
desse menos líquidos à noite. Na continuação, ora desaparecia ora regressava a
intemperança. Por alturas do último Natal, mais uma vez, a avó voltou à carga
para eu deixar ir a neta viver com eles. Argumentava que a menina teria um
futuro melhor na sua companhia do que no meu. Invoquei que, à custa de muito
trabalho e esforço, tenho a minha casinha e, mesmo vivendo só, a menina está
muito bem acompanhada e frequenta o infantário na parte alta da cidade.
No
último dia 31 de Julho vieram recolher a minha filha para ir com eles para
férias. Ficou acordado que passada uma semana trariam a menina para eu poder
aguentar a separação. Como não cumpriram, comecei a ser confrontada com
desculpas esfarrapadas. Como sabia que a minha herdeira estava bem coloquei
alguma preocupação mais afoita de lado.
Na
última segunda-feira, dia 18, recebi a visita de dois agentes da PSP com uma
notificação exarada pelo Ministério Público (MP). Dizia que em virtude dos
indícios de abusos sexuais, descontrolo urinário, indicação de infecção
urinária e comportamento de índole sexual, se afastasse a criança da área de risco
e que a sua guarda seria concedida provisoriamente ao pai. Acrescentava ainda a
intimação que a menor tinha indícios de ter sido abusada pelo companheiro da
mãe. Assim, sem mais nem menos! Não procurou saber o MP que desde que me
separei vivo sozinha. Não quis saber o delegado de que a menina se encontra com
os avós desde 31 de Julho. Com a alegação jurídica da superior protecção da
criança, como ficam os meus direitos de mãe ao saber que, se houve algum mau
trato, a minha filha foi devolvida, presumivelmente, ao seio da agressão? Terá
o delegado da Procuradoria da República noção da maldade e injustiça que me
está a infligir?”
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