Para além da coluna "O CONTINENTE PODE OU NÃO SUBMERGIR A BAIXA? " deixo também o texto "REFLEXÃO: UMA ESTÁTUA PARA MACHADO"
O CONTINENTE PODE OU NÃO SUBMERGIR A BAIXA?
A notícia publicada em primeira página nos
dois jornais da cidade, no último 6 de agosto, lançou a confusão no pequeno
comércio. No Diário de Coimbra o título era: “Coimbra vai ter dois novos hipermercados”. No Diário as Beiras: “Um (grande) Continente no centro de Coimbra”.
Esta grande superfície está projetada
para o edifício da Auto-Industrial, mesmo no centro do centro histórico. Duas
questões a saber: enquanto motor de
revitalização comercial de uma zona que se encontra em coma, este anúncio é
bom? Ou, pelo contrário, em metáfora, é uma espécie de bomba atómica que vai
reduzir a pó os que ainda resistem e, por consequência, é mau?
Naturalmente que, enquanto jornalista de
trazer por casa, tenho opinião mas preferi não a manifestar e deixar falar os
comerciantes de vários ramos, implantados aqui na Baixa, e que, presumivelmente,
sentirão, ou não, com a entrada na zona deste novo concorrente de peso no
comércio a retalho. Para quem não souber, a cidade está rodeada de 8 grandes
superfícies. Anuncia-se para breve outra no Planalto de Santa Clara. Na Baixa,
há cerca de década e meia, estão implantadas duas médias-superfícies. Nos
últimos meses abriram mais duas pequenas lojas com o logótipo das grandes
áreas. Verifica-se, portanto, que estamos a assistir a uma deslocalização do
grande comércio da periferia para o coração da cidade.
Sem formular juízos de valor para
não influenciar, então o que fiz foi ouvir um comerciante de cada ramo que,
mais que certo, terá concorrência neste grande espaço agora anunciado.
Comecei pelo
ramo alimentar, pelas carnes, e fui à Rua das Padeiras, ao
talho Manuel da Siva Machado & Filhos, Lª. Responde o José Fernandes: “Vai prejudicar o meu negócio! Já está muito
afetado mas, como os fregueses fixos ajudam a mantê-lo, vamos andando. Estou
muito preocupado com a notícia. Não temos empregados, se tivéssemos ainda seria
pior. Já temos hipermercados a mais. Eles comem-se uns aos outros, mas primeiro
vão os pequeninos como nós!”
No referente a peixe, fui ouvir as
declarações da responsável da Peixaria Pinguim, na Rua das Padeiras, Maria de
Lurdes Quitério: “É mais uma machadada!
De Janeiro para cá, só Julho deu lucro. Nos meses anteriores foi com prejuízo
que aguentámos. Esta notícia de hoje não foi surpresa para mim. Eu já sabia.
Estou muito preocupada. Há quatro anos estive para encerrar. Quero ver se
aguento pelo menos mais dois anos. Acho graça quando dizem que vão criar 100
novos postos de trabalho! E os que vão destruir aqui na Baixa? Vão ser muitos
mais! Já quando abriu o Fórum e o Jumbo, no Dolce Vita, nós sentimos o abalo.
Sinceramente, não sei o que querem fazer disto!”
Ainda na mesma Rua das Padeiras, passei às
frutas e fui auscultar o Arcindo Gaspar: “Já não estou preocupado. Já não me importo nada. Isto já bateu no
fundo! Agora já não há volta a dar a isto. Já deu o que tinha a dar! No meu
ramo já restamos poucos. Estamos afogados até ao pescoço. É só preciso mesmo um
jeitinho e morre o resto. Já nem tenho reação!”
Passei ao sector do pão-quente e pastelaria.
Fui à Rua da Gala, à Pastelaria Pão de Mel, ouvir Lurdes Raimundo: “Não tenho opinião formada. Não sei se é bom
ou mau! No entanto, sinto que me vai afetar. Quando li a notícia fiquei muito
preocupada. Vou esperar para ver!”
E NAS FERRAGENS?
Fui a uma loja de Ferragens com mais de
meio século na Baixa, ao luís Martins & Irmão, Lª., na Rua da Louça.
Responde o Joaquim Santos: “É muito mau
para o nosso negócio. É mais uma grande superfície que vem queimar o pequeno
comércio”. António Soares, um dos funcionários, mete-se na conversa e
enfatiza: “Como empregado fiquei muito
apreensivo. Trabalho aqui há 32 anos e, com esta oferta e concorrência feroz,
não sei o que vai ser o meu futuro!”
Ainda na mesma Rua da Louça, fui a uma loja de
ferramentas
e miudezas e entrei no Pinto & Filhos, Lª. Começou por responder
Ilda Pinto: “É um descalabro para o
comércio tradicional. Ao criarem infraestruturas direcionadas para esse novo
hipermercado, mais uma vez, estão a retirar o consumidor da Baixa. Estão a
fazer tudo para aniquilar os que restam”. Ao seu lado está o seu pai,
Guilherme Pinto, que, do alto da sua longa experiência comercial, se faz ouvir:
“Acabam com o comércio tradicional da
Baixa. Este novo licenciamento vai enterrar de vez os lojistas e as suas
pequenas lojas. Lá, nas grades superfícies, há tudo à venda. Vamos esperar para
ver, mas que não vai ser coisa boa isso não vai ser! O futuro, se continuar a
cair como até agora, é encerrarmos. Vão secar tudo! Os pequenos, como nós, não
têm qualquer hipótese!”
E NOS ARTIGOS
DECORATIVOS E NOS LIVROS?
Na “Coimbra-Lar”,
na Rua da Louça, perante a notícia que desconhecia, a funcionária Sandra Mateus
responde assim: “Ai, não me diga tal
coisa?! É mesmo verdade? Fico muito apreensiva. Vai afetar diretamente o nosso
ramo de artigos decorativos para o lar. Inevitavelmente vai piorar o estado
comercial da Baixa. São demasiadas grandes superfícies a operar na cidade. É um
escândalo! Não se protege o pequeno comércio.
Estamos entregues à bicharada!”
Na livraria Castelo, na Rua da Sofia, António
Sousa enfatiza assim: “É para destruir de
vez com a Baixa e com o pequeno comércio de rua! Neste meu sector de livraria,
que já há muito tempo rebentou para os pequenos livreiros, esta abertura deste
hipermercado, nesta zona, vem acabar de vez com os que restam. Já há muito que
estou farto destas políticas comerciais. Como clientes, já só tenho velhotes a
comprarem fotocópias. Os novos, dos que compram livros, vão todos para as grandes
superfícies porque lá chegam a fazer descontos maiores do que a minha margem de
comercialização. Isto é uma selva! Tomara ir embora! Já não posso com tanta
concorrência desleal. Perante este esmagamento e desrespeito por quem sempre
trabalhou com livros, uma pessoa esmorece!”
E NOS SAPATOS, CORTINADOS E CONFECÇÃO?
Na sapataria Pessoa, na Rua das Padeiras,
Victor Espírito Santo responde assim: “Vai
piorar o comércio em geral na Baixa e, como é de ver, também o meu negócio de
sapatos. Eles, o Modelo e Continente, agora dizem que empregam uma centena de
pessoas, mas quantas centenas de famílias, cujo único rendimento é o pequeno
comércio, vão sofrer com a vinda deste hipermercado? Não se justifica tantos
centros comerciais. Estou muito preocupado com o futuro do comércio
tradicional!”
Em frente, na mesma Rua das Padeiras, está
situada a Zedibel, cortinados e
tapeçaria para o lar. José Lucas desconhecia a notícia. Comenta assim: “É um concorrente fortíssimo! É mais um a
dar cabo de nós! No entanto pode também ter um efeito benéfico para a Baixa. Já
estou no limite e o que acontecer acontece, e pronto! Não tenho uma opinião
formada. Confesso que não sei qual será o futuro da Baixa. Não sei para onde
caminha!”
Na Rua Eduardo Coelho as Modas Veiga marcam presença vincada, no pronto-a-vestir, na Baixa
da cidade há cerca de 35 anos. Como todos, a subir montes e vales e escarpas
pontiagudas, Francisco Veiga continua a resistir a todos os vendavais. Perante
o que se aproxima, responde assim: “É
bom! Tudo o que vier de novo para a Baixa, desde que traga movimento e sirva de
instrumento revitalizador para esta área desertificada, é ótimo! A concorrência
é salutar. Não me prejudica. Sou de opinião de que, se fosse possível, deveria
abrir uma destas áreas na Praça do Comércio. Deveria ter sido assim logo no
princípio. Sempre defendi que as grandes áreas não deveriam estar fora desta
zona comercial mas juntas. Mas ainda vem a tempo! Pode ser o motor que vem
revitalizar todo o comércio no centro histórico. Não tenho medo da
concorrência. Tenho muita esperança que as coisas melhorem!”
Um agradecimento a todos quantos se
disponibilizaram a partilhar as suas opiniões. Bem-haja!
REFLEXÃO: UMA ESTÁTUA PARA MACHADO
“Mais
uma machadada (do Machado) por aqui... qualquer dia vou ter contigo mano...”.
Este desabafo foi publicado no Facebook por Ilda Pinto, membro de uma família
respeitabilíssima de comerciantes com duas lojas na Baixa da cidade. Para
melhor se entender este sofrimento expresso nesta frase, saliento que o seu
mano, Guilherme Pinto –um bom amigo e que de aqui envio um apertado abraço-,
devido à atual conjuntura económica do País e mais concretamente desta zona
antiga, foi trabalhar para o Brasil acompanhado da esposa.
Informo também que a “machadada (do Machado)”, narrada no texto de grande angústia e
padecimento, refere Manuel Machado, Presidente da Câmara Municipal de Coimbra
(CMC), que, curiosamente, foi também este edil que no início de 1990 licenciou
as primeiras grandes superfícies para a cidade. A Makro e o Continente, ambos
no Vale das Flores, abriram em 1993. Não sei se Machado se honra muito com o
seu ato. Conforme se extrai do desabafo de Ilda Pinto, tenho a certeza que para
os comerciantes da Baixa este homem deveria ter direito a uma estátua no Largo
da Portagem, a substituir Joaquim António de Aguiar, como o coveiro do comércio tradicional. Porém,
por que me penso na conta de honesto e também porque já escrevi isto mesmo –e,
diariamente, tento ter apenas uma só cara- tenho de escrever que este homem,
Manuel Machado, atual presidente da autarquia de Coimbra, foi apanhado em duas
situações circunstanciais e a nenhuma delas, creio, poderia ter deliberado de
outro modo. Já vou explicar melhor, mas admito que estou a ser demasiado
inocente. Se estou, penitencio-me. Pelo menos redijo o que penso e não o que
seria politicamente correto expressar.
E agora sim vou mostrar porque é
que Machado, tendo em conta a circunstância de 1990 e a de agora, não poderia
decidir de outro modo. Na última década do anterior século o comércio estava
muito concentrado na Baixa. Algumas cidades em redor, como por exemplo Leiria,
já detinham uma grande superfície. Ora em Coimbra os consumidores ansiavam por
esta novidade e descentralização comercial. Ou seja, quero dizer que se eu
fosse presidente da Câmara Municipal de Coimbra nessa altura, tal como Machado,
eu teria licenciado aquelas duas grandes superfícies. Quanto a mim, o problema
da destruição do comércio de rua na cidade não residiu na autorização destes
dois hipermercados mas sim na grande quantidade de licenciamentos que vieram a
seguir –Machado saiu da CMC em 2001 mas deixou já o terreno aplanado para novas
grandes superfícies e que vieram a ser autorizadas pela “Coligação por Coimbra”, tendo à frente Carlos Encarnação, que
concedeu abertura a mais uma meia-dúzia de grandes áreas comerciais.
Nesta agora autorização concedida, por
Machado, ao Modelo e Continente para
se instalar na Auto-Industrial, em pleno coração da Baixa, tenho forte
convicção de que perante o prescrito no Decreto-Lei nº 21/2009, inserida no
espírito do “Simplex” e lei publicada
no reinado de Sócrates, o agora homem forte da Associação de Municípios e
cortador de fitas não poderia fazer outra coisa a não ser deixar instalar.
Estou errado? É bem provável! Mas não deixe de passar os olhos na lei que
anuncia a COMAC, Comissão de Autorização Comercial, nos artigos 11 e seguintes.
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