quarta-feira, 6 de agosto de 2014

O CONTINENTE PODE OU NÃO SUBMERGIR A BAIXA?




A notícia publicada hoje, em primeira página, nos dois jornais da cidade lançou a confusão no pequeno comércio. No Diário de Coimbra o título é: “Coimbra vai ter dois novos hipermercados”. No Diário as Beiras: “Um (grande) Continente no centro de Coimbra”.
Esta grande superfície está projectada para o edifício da Auto-Industrial, mesmo no centro do centro histórico. Duas questões a saber: enquanto motor de revitalização comercial de uma zona que se encontra em coma, este anúncio é bom? Ou, pelo contrário, em metáfora, é uma espécie de bomba atómica que vai reduzir a pó os que ainda resistem e, por consequência, é mau?
Naturalmente que, enquanto jornalista de trazer por casa, tenho opinião mas preferi não a manifestar e deixar falar os comerciantes de vários ramos, implantados aqui na Baixa, e que, presumivelmente, sentirão, ou não, com a entrada na zona deste novo concorrente de peso no comércio a retalho. Para quem não souber, a cidade está rodeada de 8 grandes superfícies. Anuncia-se para breve outra no Planalto de Santa Clara. Na Baixa, há cerca de década e meia, estão implantadas duas médias-superfícies. Nos últimos meses abriram mais duas pequenas lojas com o logótipo das grandes áreas. Verifica-se, portanto, que estamos a assistir a uma deslocalização do grande comércio da periferia para o coração da cidade.
Sem formular juízos de valor para não influenciar, então o que fiz foi ouvir um comerciante de cada ramo que, mais que certo, terá concorrência neste grande espaço agora anunciado.
Comecei pelo ramo alimentar, pelas carnes, e fui à Rua das Padeiras, ao talho Manuel da Siva Machado & Filhos, Lª. Responde o José Fernandes: “Vai prejudicar o meu negócio! Já está muito afectado mas, como os fregueses fixos ajudam a mantê-lo, vamos andando. Estou muito preocupado com a notícia. Não temos empregados, se tivéssemos ainda seria pior. Já temos hipermercados a mais. Eles comem-se uns aos outros, mas primeiro vão os pequeninos como nós!”
No referente a peixe, fui ouvir as declarações da responsável da Peixaria Pinguim, na Rua das Padeiras, Maria de Lurdes Quitério: “É mais uma machadada! De Janeiro para cá, só Julho deu lucro. Nos meses anteriores foi com prejuízo que aguentámos. Esta notícia de hoje não foi surpresa para mim. Eu já sabia. Estou muito preocupada. Há quatro anos estive para encerrar. Quero ver se aguento pelo menos mais dois anos. Acho graça quando dizem que vão criar 100 novos postos de trabalho! E os que vão destruir aqui na Baixa? Vão ser muitos mais! Já quando abriu o Fórum e o Jumbo, no Dolce Vita, nós sentimos o abalo. Sinceramente, não sei o que querem fazer disto!”
Ainda na mesma Rua das Padeiras, passei às frutas e fui auscultar o Arcindo Gaspar: “Já não estou preocupado. Já não me importo nada. Isto já bateu no fundo! Agora já não há volta a dar a isto. Já deu o que tinha a dar! No meu ramo já restamos poucos. Estamos afogados até ao pescoço. É só preciso mesmo um jeitinho e morre o resto. Já nem tenho reacção!”
Passei ao sector do pão-quente e pastelaria. Fui à Rua da Gala, à Pastelaria Pão de Mel, ouvir Lurdes Raimundo: “Não tenho opinião formada. Não sei se é bom ou mau! No entanto, sinto que me vai afectar. Quando li a notícia fiquei muito preocupada. Vou esperar para ver!”

E NAS FERRAGENS?

Fui a uma loja de Ferragens com mais de meio século na Baixa, ao luís Martins & Irmão, Lª., na Rua da Louça. Responde o Joaquim Santos: “É muito mau para o nosso negócio. É mais uma grande superfície que vem queimar o pequeno comércio”. António Soares, um dos funcionários, mete-se na conversa e enfatiza: “Como empregado fiquei muito apreensivo. Trabalho aqui há 32 anos e, com esta oferta e concorrência feroz, não sei o que vai ser o meu futuro!”
Ainda na mesma Rua da Louça, fui a uma loja de ferramentas e miudezas e entrei no Pinto & Filhos, Lª. Começou por responder Ilda Pinto: “É um descalabro para o comércio tradicional. Ao criarem infra-estruturas direccionadas para esse novo hipermercado, mais uma vez, estão a retirar o consumidor da Baixa. Estão a fazer tudo para aniquilar os que restam”. Ao seu lado está o seu pai, Guilherme Pinto, que, do alto da sua longa experiência comercial, se faz ouvir: “Acabam com o comércio tradicional da Baixa. Este novo licenciamento vai enterrar de vez os lojistas e as suas pequenas lojas. Lá, nas grades superfícies, há tudo à venda. Vamos esperar para ver, mas que não vai ser coisa boa isso não vai ser! O futuro, se continuar a cair como até agora, é encerrarmos. Vão secar tudo! Os pequenos, como nós, não têm qualquer hipótese!”

E NOS ARTIGOS DECORATIVOS E NOS LIVROS?

Na “Coimbra-Lar”, na Rua da Louça, perante a notícia que desconhecia, a funcionária Sandra Mateus responde assim: “Ai, não me diga tal coisa?! É mesmo verdade? Fico muito apreensiva. Vai afectar directamente o nosso ramo de artigos decorativos para o lar. Inevitavelmente vai piorar o estado comercial da Baixa. São demasiadas grandes superfícies a operar na cidade. É um escândalo! Não se protege o pequeno comércio. Estamos entregues à bicharada!”
Na livraria Castelo, na Rua da Sofia, António Sousa enfatiza assim: “É para destruir de vez com a Baixa e com o pequeno comércio de rua! Neste meu sector de livraria, que já há muito tempo rebentou para os pequenos livreiros, esta abertura deste hipermercado, nesta zona, vem acabar de vez com os que restam. Já há muito que estou farto destas políticas comerciais. Como clientes, já só tenho velhotes a comprarem fotocópias. Os novos, dos que compram livros, vão todos para as grandes superfícies porque lá chegam a fazer descontos maiores do que a minha margem de comercialização. Isto é uma selva! Tomara ir embora! Já não posso com tanta concorrência desleal. Perante este esmagamento e desrespeito por quem sempre trabalhou com livros, uma pessoa esmorece!”

E NOS SAPATOS, CORTINADOS E CONFECÇÃO?

Na sapataria Pessoa, na Rua das Padeiras, Victor Espírito Santo responde assim: “Vai piorar o comércio em geral na Baixa e, como é de ver, também o meu negócio de sapatos. Eles, o Modelo e Continente, agora dizem que empregam uma centena de pessoas, mas quantas centenas de famílias, cujo único rendimento é o pequeno comércio, vão sofrer com a vinda deste hipermercado? Não se justifica tantos centros comerciais. Estou muito preocupado com o futuro do comércio tradicional!”
Em frente, na mesma Rua das Padeiras, está situada a Zedibel, cortinados e tapeçaria para o lar. José Lucas desconhecia a notícia. Comenta assim: “É um concorrente fortíssimo! É mais um a dar cabo de nós! No entanto pode também ter um efeito benéfico para a Baixa. Já estou no limite e o que acontecer acontece, e pronto! Não tenho uma opinião formada. Confesso que não sei qual será o futuro da Baixa. Não sei para onde caminha!”
Na Rua Eduardo Coelho as Modas Veiga marcam presença vincada, no pronto-a-vestir, na Baixa da cidade há cerca de 35 anos. Como todos, a subir montes e vales e escarpas pontiagudas, Francisco Veiga continua a resistir a todos os vendavais. Perante o que se aproxima, responde assim: “É bom! Tudo o que vier de novo para a Baixa, desde que traga movimento e sirva de instrumento revitalizador para esta área desertificada, é óptimo! A concorrência é salutar. Não me prejudica. Sou de opinião de que, se fosse possível, deveria abrir uma destas áreas na Praça do Comércio. Deveria ter sido assim logo no princípio. Sempre defendi que as grandes áreas não deveriam estar fora desta zona comercial mas juntas. Mas ainda vem a tempo! Pode ser o motor que vem revitalizar todo o comércio no centro histórico. Não tenho medo da concorrência. Tenho muita esperança que as coisas melhorem!”
Um agradecimento a todos quantos se disponibilizaram a partilhar as suas opiniões. Bem-haja!






2 comentários:

Super-febras disse...

Amigo:

Jornalista de trazer por casa?
É claro que prefiro a sua sobriedade e de todo leria os seus escritos caso o julgasse fausto. Mas este artigo aqui lavrado é Jornalismo. Se assim escrevessem os demais e todos confiaríamos naquilo que lemos. Jornais seriam jornais e a eles não daríamos tributos de esquerda ou direita, da alta ou da plebe...
A verdade é para se publicar e neste artigo deparando-nos com várias verdades, dependendo sómente de com quem nos concede a sua opinião.
Para mim, por aqui atirado para além das terras dos bacalhaus mil milhas, hão trinta e cinco anos, Coimbra é a sua Baixa, o resto são arredores! Muito gostaria voltar a vê-la frenética de gente.
Lembro-me de alguns anos atraz ter lido que como já tinha acontecido a uma vestuta cidade Italiana, a Baixa iam cobrir de vidro e assim transmutá-la num grande "Shopping Center". Depressa fui desiludido. A esses medricas políticos gostaria eu de fazer o que Circe fez aos companheiros de Ulisses.
No meu ver, tal como o Senhor Francisco, sou da opinião que se voltarem as gentes, com elas virá o negócio. Logo se encontrará resposta para aquilo que procuram, é tudo uma questão de "supply and demand" . Proteger o pequeno comerciante, não. Nem o grande, nem a pequena ou grande indústria, isso estagnada a economia e desfavorece o consumidor. Poucos consumidores são comerciantes, mas todos os comerciantes são eles mesmos consumidores, por isso que haja mercado livre para que sejamos todos protegidos. E que não faltem ferramentas, tal como o acesso ao crédito, para que os que arregaçam as mangas e de caras enfrentam a competitividade e adversidade sigam em frente.
Nas grandes superfícies não há sorrisos saudáveis, empregados que conhecem o pano e o tecelão, a pequena quantidade que se traduz em grande controlo de qualidade. Que se ofereçam as lojas de maneira que os clientes se sintam em casa, sirvam como servos para que a clientela se pense patroa, dêem para receber, os bons dias, um bom concelho, uma boa sugestão, um pequeno brinde, um pequeno desconto inesperado, sei lá um fixe e sólido aperto de mão. Oh se possível chamem-lhe pelo nome.
Não se acredita? Claro que sim! Não tivesse o meu amigo há tanto tempo a negociar na mesma Baixa, a par dos Veigas que por aí ainda há .

Um abraço e boa sorte
Álvaro José da Silva Pratas Leitão

Anónimo disse...

Caro Luís Fernandes

Como o Senhor costuma trazer aqui casos bem concretos, também lhe descrevo duas situações que ocorreram comigo. Comprei duas caixas de vinho numa garrafeira da Baixa que, salvo erro, pertence à Sapataria Caravela. O vinho em causa é difícil de encontrar nas grandes superfícies e o funcionário da garrafeira até me fez um bom preço. Satisfação total, portanto.
Noutra situação, saí do meu emprego à hora mais ou menos habitual, quando o comércio da Baixa já está praticamente todo fechado, e vi umas sapatilhas numa sapataria que me interessaram e com o extra de apresentarem um preço atraente. No dia seguinte, fiz um intervalo no meu horário de trabalho e dirigi-me à sapataria. Apontei as sapatilhas e pedi o meu número. Não tinham. Mais: só tinham um par, o exposto na montra, número 39. Notei também que o chão da sapataria, em madeira, rangia. Mas isso até achei pitoresco. Ainda assim, como calcula, não saí nada satisfeito.
A conclusão parece-me portanto simples e, desculpar-me-á, por ser tão “la paliciana”: se os comerciantes da Baixa tiverem produtos que interessem às pessoas, haverá compradores. Se os produtos não interessarem, não haverá clientes. É talvez demasiado simplista, mas é assim. Com ou sem Continente na Auto Industrial.
E já que falamos em Auto Industrial, tratando-se de um edifício de tão grande envergadura, há muito tempo a pedir uma remodelação, até vejo com bons olhos o embelezamento que a vinda do Continente necessariamente acarretará. Também verifiquei numa das notícias sobre o assunto que a câmara quer colocar ali uma rotunda. Ora, tudo junto, parece-me uma oportunidade para, pelo menos, tornar mais moderna uma das “entradas” da cidade que apresenta um aspeto claramente antiquado.
Por outro lado, lembro que em volta do Coimbrashopping e do Dolce Vita surgiram lojas. E se elas se vão mantendo é quase como aqueles passaritos que comem da boca dos crocodilos.

Um abraço!