sexta-feira, 1 de agosto de 2014

LEIA O DESPERTAR...


LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: A EROSÃO DA VIDA"; "A DESTRUIÇÃO GRATUITA DA NOSSA ALMA"; "FALECEU A ROMY"; e "OS EMPATA IDEIAS PARA A BAIXA".



REFLEXÃO: A EROSÃO DA VIDA

Esta semana faleceu uma minha vizinha, uma comerciante com estabelecimento próximo. Como sempre faço, quando algum profissional do comércio nos deixa, escrevo um pequeno texto de elogio fúnebre. Não estou preocupado com o balanço entre o deve e o haver, como que a julgar se o que parte fez isto ou aquilo, se contribuiu ou não para uma melhor convivência. Se foi meu amigo, ou não. Se concorreu e foi importante na minha amizade eu refiro. Se não ajudou, paciência! Foi o que foi, ou que pode ser, e não estou cá com julgamentos e sentenças a posteriori. Como tenho muito de racionalista, acredito que na morte tudo se apaga. Ainda que os ativos e passivos sejam transmissíveis aos vindouros, algumas dívidas devem ser perdoadas. Sobretudo algumas ofensas ou palavras menos boas que, a seu tempo, nos feriram. Somos todos falíveis. Erramos a todo o momento e não me venham cá com superioridades comportamentais. E quem não absolver o próximo não se perdoará nunca e, enquanto andar por cá, será sempre uma pessoa azeda, intratável e que implica um razoável distanciamento na coexistência pacífica que deve nortear esta passagem a que chamamos de vida. Tenho para mim que o ódio, no pior, e o perdão no melhor, são paradigmas nos sentimentos da humanidade. Quero dizer, portanto, que a crónica final que escrevo sobre alguém que morre não é um ajuste de contas. É simplesmente um resumido aplauso a uma pessoa que esteve entre nós e, à sua maneira, representou um papel na comunidade –como alguém já escreveu, afinal a sociedade será um  grande teatro onde cada um de nós, no tempo de vida que lhe cabe, vai representando cenicamente a sua função. Ora, a ser assim, o papel de bonzinho não pode calhar a todos. Alguns terão de fazer de vilões e estes, mesmo em discriminação positiva, merecem uma ovação. É assim, com este espírito, que me entrego ao elogio fúnebre em geral.
Quando comecei este texto não era propriamente isto que queria transmitir. Mas, para quem gosta de se expressar através das palavras silenciosas, a escrita é assim como pensar em regar uma parte do jardim. Quando damos por ela já estamos fora de controlo.
Agora sim, vou pegar na ideia que me levou à primeira frase. Desde há sete anos que escrevo e fotografo praticamente todos os dias. É um disparate mas, sem grande cuidado na catalogação, tenho cerca de dez mil fotos de coisas e pessoas que passaram por aqui, pela Baixa da cidade. Então quando a semana passada soube da notícia da morte da minha vizinha Romy fui procurar uma sua fotografia –embora ela fosse profundamente avessa a fotos, estava convencido que tinha uma pelo menos. Se tenho, depois de passar mais de uma hora a procurar, não encontrei. A que postei depois foi gentilmente cedida pelo filho Patrick -a quem aproveito para agradecer. Ao “desfolhar” este meu álbum virtual aconteceu uma coisa interessante: com uma tristeza absorvente, tomei conta das dezenas e dezenas de pessoas que desapareceram das nossas vistas. Umas, enquanto funcionárias, foram despedidas; outras, enquanto comerciantes, encerraram os seus estabelecimentos; outras, ainda, morreram e nunca mais voltarão ao nosso meio. Por exemplo, ao ver a imagem do finito “Manel”, da Sapataria Reis e tal como ele também sumida, dá uma dor lancinante no peito. É como sentir que, com o seu desaparecimento físico, estamos mais abandonados e sozinhos. É como se, em metáfora, a nossa vida fosse um pavio a arder e, à medida que envelhecemos e vemos cair os mais chegados, vai ficando cada vez mais curto. É certo que a cidade, na nossa rua, no nosso largo, se renova com outras gentes mas já não é igual. É como se com quem parte, com eles, fosse um pouco de nós. É como se a nossa vida, em imbricamento, fosse também a deles. A verdade, e por estranho que pareça, é que quando estão no nosso meio não lhe damos grande valor. Pelo contrário até embirramos com minudências, com “coisinhas” que não têm o mínimo de interesse.
Há uns anos, em conversa com uma viúva, ao tentar confortá-la com a perda do seu marido, dizia-me a mulher: “sabe uma coisa? O meu homem não era flor que se cheirasse nem carregado de perfume caro. Às vezes maltratava-me, chegando mesmo a bater-me. Acredita que chego a ter saudades de uma ou outra bofetada que ele me dava?”. Na altura, não disse nada e fiquei sempre a pensar naquelas frases aparentemente vazias de sentido vivencial. Num primeiro momento fui levado a refletir que a mulher deveria ser masoquista. Hoje não! Agora entendo melhor o seu desabafo. Quem se vai, na grande viagem sem retorno, deixa um rasto de solidão inexplicável. Se é certo que em aforismo tudo e todos são substituíveis, na prática, na praxis do dia-a-dia, não é assim. Todos os que foram marcando a nossa existência deixam um rasgo profundo na memória. E não é certo que, até no genoma, somos feitos de todo um passado que se perde nos labirintos do tempo?




A DESTRUIÇÃO GRATUITA DA NOSSA ALMA

A semana passada, de quinta para sexta-feira, a hora indeterminada, desconhecidos vandalizaram o monumento ao fado, constituído por uma guitarra de Coimbra em forma estilizada de mulher, junto aos Arcos de Almedina e da Traição. Tributo à Canção de Coimbra, esperada classificação, a par de Lisboa, como património imaterial da humanidade, elegia sentida à alma da cidade, esta espetacular obra de arte em bronze, a par também da escultura de homenagem à Tricana de Coimbra com assento no início das Escadas de Quebra-Costas, é da autoria do escultor Alves André.
Segundo o testemunho de Catarina Rosas, de uma loja de artesanato em frente, que gentilmente cedeu a foto, “de manhã, quando chegámos para abrir a porta, deparamo-nos com este atentado à cultura, desrespeito profundo ao património artístico da cidade, e ofensa ao génio humano.”
Cerca do meio-dia, portanto umas horas depois, saliento o facto positivo de dois funcionários camarários já terem reparado a escultura, assim como, em tentativa falhada, a parede pintada do banco Millenium, ao lado, e também grafitada com uma frase, curiosamente, “abaixo o machismo contra a cultura”.
Lembro os atentados, nos últimos anos, no Jardim da Sereia –a própria Tricana de Coimbra, inaugurada em 2008, obra do mesmo autor e situada um pouco mais acima, já foi também vandalizada. Recordo há cerca de um mês a destruição de um corrimão em ferro numa escada da Alta. Em face dos milhares de euros despendidos pelo erário público, alguma coisa terá de se fazer. Não se pode, passivamente, continuar a olhar para estes desmandos como coisa vulgar e que vai caindo numa certa habituação. Isto acontece por três motivos. O principal é o continuado desinvestimento na educação e a seguir na formação de adultos. Quem fez isto é crescidinho. O ensino universitário continua a apostar apenas na intelectualização e pouco na cidadania. O segundo é o continuar a licenciar estabelecimentos toda a noite e como se este fosse um caminho certo para manter os jovens ocupados. Caminhamos alegremente para o abismo social e, pela passividade, pela falta de exigência cidadã, deixamos que os (maus) gestores municipais, esquecendo os moradores, sejam coniventes com o apocalipse da vivência nas urbes e da aniquilação social dos jovens e continuem a semear a cultura do notívago selvagem. Em terceiro lugar, é a falta de policiamento, de vigilância, que contribui para este abandalhamento da convivência com a arte. Hoje, e já há bastante tempo, o Centro Histórico, Baixa e Alta, está entregue à sua sorte. O que é de admirar, por incrível que pareça, é não a haver ainda mais devastação monumental. Neste estado a que chegámos a norma é imperativa: “faz o que te apetece! Se estás frustrado com a tua vida, bebe uns copos e arrasa qualquer coisa!”.


FALECEU A ROMY

Durante cerca de catorze anos, quase diariamente, fez-nos companhia com a sua presença. Do virar do milénio até 2012 teve a loja comercial com o seu nome no Largo da Freiria, a “Boutique Romy”. De 2008 a 2011 esteve também estabelecida na Rua Eduardo Coelho com vestidos de cerimónia. Na segunda-feira passada, subitamente, sem um ai e sem se despedir de ninguém, o coração traiu-a. Com apenas 60 anos de idade, Maria Rosa Vinhas Gomes, mais conhecida por Romy, partiu para não mais voltar.
Segundo a sua irmã Teresa Gomes, “sofreu muito, a minha irmã! Perante tanta pressão, era inevitável este desfecho!”. Emigrante durante muitos anos na Bélgica, creio, regressou a Portugal a meio da década de 1990. Com grande inclinação e muito gosto para a moda, a sua boutique deu brado e marcou forte presença na Baixa.
Mesmo sendo simpática, era ao mesmo tempo uma pessoa algo tímida e introvertida. Nos últimos anos, como a tantos de nós, a vida, comercial e familiar, pregou-lhe frustrações e desencantos. Progressivamente, como passarinho solitário, foi-se fechando no seu sofrimento e dor. É mais um de nós que se vai e, por ficarmos mais sós, deixa um lastro de angústia e consternação.
Aos seus familiares diretos, ao seu filho Patrick Gomes Marques bem como à sua irmã Teresa Gomes, nesta hora de incomensurável tristeza, em nome de todos os comerciantes, se posso escrever assim, os nossos sentidos pêsames. Descanse em paz, Romy. Até um dia!



OS EMPATA IDEIAS PARA A BAIXA

Com organização constituída por profissionais de várias áreas, estava previsto realizar neste último domingo a 2.ª Edição do “Mercadinho da Baixa”. Tal como a primeira mostra, feita no primeiro de junho, seria apresentada na calçada, nas Ruas Visconde da Luz e Ferreira Borges. Na véspera, sem qualquer justificação e por e-mail, a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) informou os promotores de que para aquela localização o projecto estava indeferido e dando a Praça do Comércio como alternativa. Vamos ouvir a organização do “Mercadinho da Baixa”:
“Consideramos este procedimento por parte da CMC inadmissível. Entregámos toda a documentação solicitada, incluindo as plantas de localização das bancadas. Não é a um dia do evento que oficialmente se faz a comunicação negativa. Tínhamos quarenta e tal expositores inscritos, envolvendo alguns lojistas da Praça do Comércio. Tirando o anterior esforço, deu-nos muito trabalho para desmarcar em cima da hora. Queremos ajudar a revitalizar a Baixa mas, assim, como é que se pode? Pensámos ser ao domingo porque os estabelecimentos estão encerrados e é um dia muito morto para esta zona histórica. Certamente, vamos mudar o conceito. Se calhar, com muita pena nossa, com estes entraves e falta de respeito camarário, vamos sair desta zona.”


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