LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: A EROSÃO DA VIDA"; "A DESTRUIÇÃO GRATUITA DA NOSSA ALMA"; "FALECEU A ROMY"; e "OS EMPATA IDEIAS PARA A BAIXA".
REFLEXÃO: A EROSÃO DA VIDA
Esta semana faleceu uma minha vizinha, uma
comerciante com estabelecimento próximo. Como sempre faço, quando algum
profissional do comércio nos deixa, escrevo um pequeno texto de elogio fúnebre.
Não estou preocupado com o balanço entre o deve e o haver,
como que a julgar se o que parte fez isto ou aquilo, se contribuiu ou não para uma
melhor convivência. Se foi meu amigo, ou não. Se concorreu e foi importante na
minha amizade eu refiro. Se não ajudou, paciência! Foi o que foi, ou que pode
ser, e não estou cá com julgamentos e sentenças a posteriori. Como tenho muito de racionalista, acredito que na
morte tudo se apaga. Ainda que os ativos
e passivos sejam transmissíveis aos
vindouros, algumas dívidas devem ser perdoadas. Sobretudo algumas ofensas ou
palavras menos boas que, a seu tempo, nos feriram. Somos todos falíveis.
Erramos a todo o momento e não me venham cá com superioridades comportamentais.
E quem não absolver o próximo não se perdoará nunca e, enquanto andar por cá,
será sempre uma pessoa azeda, intratável e que implica um razoável
distanciamento na coexistência pacífica que deve nortear esta passagem a que
chamamos de vida. Tenho para mim que o ódio,
no pior, e o perdão no melhor, são
paradigmas nos sentimentos da humanidade. Quero dizer, portanto, que a crónica
final que escrevo sobre alguém que morre não é um ajuste de contas. É
simplesmente um resumido aplauso a uma pessoa que esteve entre nós e, à sua
maneira, representou um papel na comunidade –como alguém já escreveu, afinal a
sociedade será um grande teatro onde cada um de nós, no tempo de vida que
lhe cabe, vai representando cenicamente a sua função. Ora, a ser assim, o papel
de bonzinho não pode calhar
a todos. Alguns terão de fazer de vilões
e estes, mesmo em discriminação positiva, merecem uma ovação. É assim, com este
espírito, que me entrego ao elogio fúnebre em geral.
Quando comecei este texto não era propriamente
isto que queria transmitir. Mas, para quem gosta de se expressar através das
palavras silenciosas, a escrita é assim como pensar em regar uma parte do
jardim. Quando damos por ela já estamos fora de controlo.
Agora sim, vou pegar na ideia que
me levou à primeira frase. Desde há sete anos que escrevo e fotografo
praticamente todos os dias. É um disparate mas, sem grande cuidado na
catalogação, tenho cerca de dez mil fotos de coisas e pessoas que passaram por
aqui, pela Baixa da cidade. Então quando a semana passada soube da notícia da
morte da minha vizinha Romy fui
procurar uma sua fotografia –embora ela fosse profundamente avessa a fotos,
estava convencido que tinha uma pelo menos. Se tenho, depois de passar mais de
uma hora a procurar, não encontrei. A que postei depois foi gentilmente cedida
pelo filho Patrick -a quem aproveito
para agradecer. Ao “desfolhar” este
meu álbum virtual aconteceu uma coisa interessante: com uma tristeza
absorvente, tomei conta das dezenas e dezenas de pessoas que desapareceram das
nossas vistas. Umas, enquanto funcionárias, foram despedidas; outras, enquanto
comerciantes, encerraram os seus estabelecimentos; outras, ainda, morreram e
nunca mais voltarão ao nosso meio. Por exemplo, ao ver a imagem do finito “Manel”, da Sapataria Reis e tal como ele também sumida, dá uma dor
lancinante no peito. É como sentir que, com o seu desaparecimento físico,
estamos mais abandonados e sozinhos. É como se, em metáfora, a nossa vida fosse
um pavio a arder e, à medida que envelhecemos e vemos cair os mais chegados,
vai ficando cada vez mais curto. É certo que a cidade, na nossa rua, no nosso
largo, se renova com outras gentes mas já não é igual. É como se com quem
parte, com eles, fosse um pouco de nós. É como se a nossa vida, em imbricamento, fosse também a deles. A
verdade, e por estranho que pareça, é que quando estão no nosso meio não lhe
damos grande valor. Pelo contrário até embirramos com minudências, com “coisinhas” que não têm o mínimo de
interesse.
Há uns anos, em conversa com uma viúva, ao tentar confortá-la com a perda do seu marido, dizia-me a mulher: “sabe uma coisa? O meu homem não era flor que se cheirasse nem carregado de perfume caro. Às vezes maltratava-me, chegando mesmo a bater-me. Acredita que chego a ter saudades de uma ou outra bofetada que ele me dava?”. Na altura, não disse nada e fiquei sempre a pensar naquelas frases aparentemente vazias de sentido vivencial. Num primeiro momento fui levado a refletir que a mulher deveria ser masoquista. Hoje não! Agora entendo melhor o seu desabafo. Quem se vai, na grande viagem sem retorno, deixa um rasto de solidão inexplicável. Se é certo que em aforismo tudo e todos são substituíveis, na prática, na praxis do dia-a-dia, não é assim. Todos os que foram marcando a nossa existência deixam um rasgo profundo na memória. E não é certo que, até no genoma, somos feitos de todo um passado que se perde nos labirintos do tempo?
Há uns anos, em conversa com uma viúva, ao tentar confortá-la com a perda do seu marido, dizia-me a mulher: “sabe uma coisa? O meu homem não era flor que se cheirasse nem carregado de perfume caro. Às vezes maltratava-me, chegando mesmo a bater-me. Acredita que chego a ter saudades de uma ou outra bofetada que ele me dava?”. Na altura, não disse nada e fiquei sempre a pensar naquelas frases aparentemente vazias de sentido vivencial. Num primeiro momento fui levado a refletir que a mulher deveria ser masoquista. Hoje não! Agora entendo melhor o seu desabafo. Quem se vai, na grande viagem sem retorno, deixa um rasto de solidão inexplicável. Se é certo que em aforismo tudo e todos são substituíveis, na prática, na praxis do dia-a-dia, não é assim. Todos os que foram marcando a nossa existência deixam um rasgo profundo na memória. E não é certo que, até no genoma, somos feitos de todo um passado que se perde nos labirintos do tempo?
A DESTRUIÇÃO GRATUITA DA NOSSA ALMA
A semana passada, de quinta para sexta-feira,
a hora indeterminada, desconhecidos vandalizaram o monumento ao fado,
constituído por uma guitarra de Coimbra em forma estilizada de mulher, junto aos
Arcos de Almedina e da Traição. Tributo à Canção de Coimbra, esperada
classificação, a par de Lisboa, como património
imaterial da humanidade, elegia sentida à alma da cidade, esta espetacular
obra de arte em bronze, a par também da escultura de homenagem à Tricana de
Coimbra com assento no início das Escadas de Quebra-Costas, é da autoria do
escultor Alves André.
Segundo o testemunho de Catarina Rosas, de uma
loja de artesanato em frente, que gentilmente cedeu a foto, “de manhã, quando chegámos para abrir a porta,
deparamo-nos com este atentado à cultura, desrespeito profundo ao património
artístico da cidade, e ofensa ao génio humano.”
Cerca do meio-dia, portanto umas horas depois,
saliento o facto positivo de dois funcionários camarários já terem reparado a
escultura, assim como, em tentativa falhada, a parede pintada do banco
Millenium, ao lado, e também grafitada com
uma frase, curiosamente, “abaixo o machismo
contra a cultura”.
Lembro os atentados, nos últimos anos, no
Jardim da Sereia –a própria Tricana de Coimbra, inaugurada em 2008, obra do
mesmo autor e situada um pouco mais acima, já foi também vandalizada. Recordo
há cerca de um mês a destruição de um corrimão em ferro numa escada da Alta. Em
face dos milhares de euros despendidos pelo erário público, alguma coisa terá
de se fazer. Não se pode, passivamente, continuar a olhar para estes desmandos
como coisa vulgar e que vai caindo numa certa habituação. Isto acontece por
três motivos. O principal é o continuado desinvestimento na educação e a seguir
na formação de adultos. Quem fez isto é crescidinho. O ensino universitário
continua a apostar apenas na intelectualização e pouco na cidadania. O segundo
é o continuar a licenciar estabelecimentos toda a noite e como se este fosse um
caminho certo para manter os jovens ocupados. Caminhamos alegremente para o
abismo social e, pela passividade, pela falta de exigência cidadã, deixamos que
os (maus) gestores municipais, esquecendo os moradores, sejam coniventes com o
apocalipse da vivência nas urbes e da aniquilação social dos jovens e continuem
a semear a cultura do notívago selvagem. Em terceiro lugar, é a falta de
policiamento, de vigilância, que contribui para este abandalhamento da
convivência com a arte. Hoje, e já há bastante tempo, o Centro Histórico, Baixa
e Alta, está entregue à sua sorte. O que é de admirar, por incrível que pareça,
é não a haver ainda mais devastação monumental. Neste estado a que chegámos a
norma é imperativa: “faz o que te apetece!
Se estás frustrado com a tua vida, bebe uns copos e arrasa qualquer coisa!”.
FALECEU A ROMY
Durante cerca de catorze anos, quase
diariamente, fez-nos companhia com a sua presença. Do virar do milénio até 2012
teve a loja comercial com o seu nome no Largo da Freiria, a “Boutique Romy”. De 2008 a 2011 esteve
também estabelecida na Rua Eduardo Coelho com vestidos de cerimónia. Na
segunda-feira passada, subitamente, sem um ai e sem se despedir de ninguém, o
coração traiu-a. Com apenas 60 anos de idade, Maria Rosa Vinhas Gomes, mais
conhecida por Romy, partiu para não
mais voltar.
Segundo a sua irmã Teresa Gomes, “sofreu muito, a minha irmã! Perante tanta
pressão, era inevitável este desfecho!”. Emigrante durante muitos anos na
Bélgica, creio, regressou a Portugal a meio da década de 1990. Com grande
inclinação e muito gosto para a moda, a sua boutique
deu brado e marcou forte presença na Baixa.
Mesmo sendo
simpática, era ao mesmo tempo uma pessoa algo tímida e introvertida. Nos
últimos anos, como a tantos de nós, a vida, comercial e familiar, pregou-lhe
frustrações e desencantos. Progressivamente, como passarinho solitário, foi-se
fechando no seu sofrimento e dor. É mais um de nós que se vai e, por ficarmos
mais sós, deixa um lastro de angústia e consternação.
Aos seus
familiares diretos, ao seu filho Patrick Gomes Marques bem como à sua irmã
Teresa Gomes, nesta hora de incomensurável tristeza, em nome de todos os
comerciantes, se posso escrever assim, os nossos sentidos pêsames. Descanse em
paz, Romy. Até um dia!
OS EMPATA IDEIAS PARA A BAIXA
Com organização constituída por profissionais
de várias áreas, estava previsto realizar neste último domingo a 2.ª Edição do “Mercadinho da Baixa”. Tal
como a primeira mostra, feita no primeiro de junho, seria apresentada na
calçada, nas Ruas Visconde da Luz e Ferreira Borges. Na véspera, sem qualquer
justificação e por e-mail, a Câmara
Municipal de Coimbra (CMC) informou os promotores de que para aquela
localização o projecto estava indeferido e dando a Praça do Comércio como
alternativa. Vamos ouvir a organização do “Mercadinho
da Baixa”:
“Consideramos este procedimento por parte da CMC inadmissível.
Entregámos toda a documentação solicitada, incluindo as plantas de localização
das bancadas. Não é a um dia do evento que oficialmente se faz a comunicação
negativa. Tínhamos quarenta e tal expositores inscritos, envolvendo alguns
lojistas da Praça do Comércio. Tirando o anterior esforço, deu-nos muito
trabalho para desmarcar em cima da hora. Queremos ajudar a revitalizar a Baixa
mas, assim, como é que se pode? Pensámos ser ao domingo porque os
estabelecimentos estão encerrados e é um dia muito morto para esta zona
histórica. Certamente, vamos mudar o conceito. Se calhar, com muita pena nossa,
com estes entraves e falta de respeito camarário, vamos sair desta zona.”
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