segunda-feira, 4 de agosto de 2014

REQUIEM POR UM BANCO QUE JÁ FOI BOM

(Imagem da Web)




A minha ascensão de vida está directamente ligada ao Banco Espírito Santo & Comercial de Lisboa (BESCL) -mais tarde abreviado para BES. Não é uma narrativa de afectos, monocórdica e de floreados. É antes uma história de amor-ódio. Quem faz o favor de me ler saberá que provenho de uma família “pé-rapada”. Fazendo das tripas coração, andando em ziguezague e aos tropeções, a comer terra e a beber suor, tal como milhares de portugueses da minha geração, comecei a subir a montanha para fugir à miséria e à pobreza que me estaria destinada por herança paternal –não porque o esforço deles, dos meus pais, ficasse aquém do meu, nada disso, simplesmente tive outros instrumentos, percorri outros caminhos que se me apresentaram e, por períodos áureos da economia, acabei por ter mais sorte. Foi assim que, como outros nacionais, atingi o pleno da classe média, o ambicionado bem-estar, e, quem sabe num retorno às origens e num plano inclinado, a descer, agora vivo preocupadíssimo para consegui manter o que conquistei a pulso de obreiro.
Vou recuar ao ano de 1980. Tinha 24 anos. Já casado e com dois filhos pequenos, os ordenados conjuntos, mesmo esticando como toalha curta a tentar cobrir a mesa mais longa, nunca se estendiam para além do dia 20. A minha vida era consumida por único pensamento que se deitava comigo, sonhava com ele, e me acordava ao romper da aurora: um dia vou trabalhar por minha conta e proporcionar à minha família uma vida melhor, que não tive. Foi assim que comecei a fazer o périplo entre uma loja, de várias escolhidas que procurava adquirir de trespasse, e o BESCL. Tentei tantas vezes que o gerente do banco, o senhor Silvano já me conhecia de ginjeira. Quando pedia para lhe falar pessoalmente ele já adivinhava o que levava embrulhado em noites de sonho. Então naquela pequena sala, da Rua Visconde da Luz e mais tarde na Avenida Sá da Bandeira, travava-se a dialética, esgrimindo argumentos. Em tese, um atacava, outro defendia. Fundamentando conforme podia, eu procurava a todo o custo provar que, para além de ser confiável e trabalhador, o novo projecto de negócio que tinha em mãos era óptimo e que a instituição bancária poderia financiar-me. Em contraposição, a resguardar, o trabalho dele era rebater os meus raciocínios. Neste entrar e sair da casa de crédito, chegou meados de 1982 com o País a atravessar a sua maior crise até aí depois da Revolução de Abril e com intervenção do FMI. Os juros para empréstimos estavam a 38 por cento e eram postecipados –quer dizer que quem tivesse a sorte de ser contemplado com um financiamento de, por exemplo, mil contos –cinco mil euros- apenas levava para casa 620 contos. Ou seja, os juros eram logo descontados à cabeça. Nesta altura, para minha sorte ou azar, tive uma chatice na empresa onde trabalhava há cerca de uma década e, porque estava a ser humilhado, sem pensar duas vezes, peguei no casaco e fui embora. Ou seja, de repente estou no meio de uma batalha económica e sem qualquer arma financeira para defesa. Para não ser fastidioso, vou abreviar e escrever que, armando-me em guerreiro experimentado, me atirei à guerra sem medo. Quero dizer que tomei um estabelecimento de trespasse sem um cêntimo e com esperança que o meu Anjinho da Guarda me ajudasse. Já com o contrato-promessa assinado, depois de correr todos os bancos na cidade e sem nenhum deles sequer me escutar ou olhar nos olhos e levar uma nega como bofetada a frio, fui falar com o senhor Silvano, o gerente do BESCL. Talvez com alguma habilidade da minha parte, invocando o nome de um conhecido, consegui que o Silvano proferisse uma frase de esperança adventista: “durante estes quatro meses que faltam para a escritura trabalhe noite e dia, junte o mais dinheiro que puder. Antes do Natal venha falar comigo. Alguma coisa se há-de arranjar!”. Como a sorte protege os audazes, quis o destino que já não precisasse de contrair o empréstimo. Evitei sempre pedir dinheiro ao banco. Passados cinco anos, já com algum dinheiro aforrado mas que não chegava, precisei de fazer umas grandes obras no estabelecimento e mais uma vez fui ao BESCL. A resposta foi irónica: o empréstimo não poderia ser concedido porque… eu não tinha historial de crédito no banco. Mais uma vez fui articular com o Silvano e, irado, dizer-lhe na cara o que pensava da sua instituição e virei costas. No mesmo dia o financiamento estava aprovado e realizei as obras que pensei.
Mais tarde, em 1990, adquiri o meu primeiro automóvel a estrear, uma carrinha de trabalho Renault Expresso. Não tinha o suficiente. Faltavam-me 500 contos –que para a época, com a economia a rolar, era uma ninharia. Mais uma vez o financiamento estava sujeito a condições muito especiais: entre balanços e balancetes, eram precisos sete documentos para a sua obtenção. Indignado preenchi uma livrança de 500 escudos –hoje 2,5 euros. No mesmo dia tinha os quinhentos contos na conta. Apesar deste relacionamento complicado, conhecia pelo nome muitos funcionários, desde o senhor Abel, o Cravo, o Fonseca, o Artur e outros que agora não lembro, e eles também me tratavam sempre pelo apelido. A partir de 2000 tudo mudou. Os velhos funcionários passaram para aposentados e eu senti-me desprotegido. Do velho banco que conhecia já pouco restava. Nessa altura para mim, já era um novo banco que não reconhecia.


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