(Imagem da Web)
A minha ascensão de vida está directamente
ligada ao Banco Espírito Santo & Comercial de Lisboa (BESCL) -mais tarde abreviado
para BES. Não é uma narrativa de afectos, monocórdica e de floreados. É antes
uma história de amor-ódio. Quem faz o favor de me ler saberá que provenho de
uma família “pé-rapada”. Fazendo das tripas coração, andando em ziguezague e
aos tropeções, a comer terra e a beber suor, tal como milhares de portugueses
da minha geração, comecei a subir a montanha para fugir à miséria e à pobreza
que me estaria destinada por herança paternal –não porque o esforço deles, dos
meus pais, ficasse aquém do meu, nada disso, simplesmente tive outros
instrumentos, percorri outros caminhos que se me apresentaram e, por períodos
áureos da economia, acabei por ter mais sorte. Foi assim que, como outros
nacionais, atingi o pleno da classe média, o ambicionado bem-estar, e, quem
sabe num retorno às origens e num plano inclinado, a descer, agora vivo
preocupadíssimo para consegui manter o que conquistei a pulso de obreiro.
Vou recuar ao ano de 1980. Tinha 24 anos. Já
casado e com dois filhos pequenos, os ordenados conjuntos, mesmo esticando como
toalha curta a tentar cobrir a mesa mais longa, nunca se estendiam para além do
dia 20. A minha vida era consumida por único pensamento que se deitava comigo,
sonhava com ele, e me acordava ao romper da aurora: um dia vou trabalhar por minha conta e proporcionar à minha família uma
vida melhor, que não tive. Foi assim que comecei a fazer o périplo entre
uma loja, de várias escolhidas que procurava adquirir de trespasse, e o BESCL.
Tentei tantas vezes que o gerente do banco, o senhor Silvano já me conhecia de ginjeira.
Quando pedia para lhe falar pessoalmente ele já adivinhava o que levava
embrulhado em noites de sonho. Então naquela pequena sala, da Rua Visconde da
Luz e mais tarde na Avenida Sá da Bandeira, travava-se a dialética, esgrimindo
argumentos. Em tese, um atacava, outro defendia. Fundamentando conforme podia, eu
procurava a todo o custo provar que, para além de ser confiável e trabalhador,
o novo projecto de negócio que tinha em mãos era óptimo e que a instituição
bancária poderia financiar-me. Em contraposição, a resguardar, o trabalho dele
era rebater os meus raciocínios. Neste entrar e sair da casa de crédito, chegou
meados de 1982 com o País a atravessar a sua maior crise até aí depois da
Revolução de Abril e com intervenção do FMI. Os juros para empréstimos estavam
a 38 por cento e eram postecipados –quer dizer que quem tivesse a sorte de ser
contemplado com um financiamento de, por exemplo, mil contos –cinco mil euros-
apenas levava para casa 620 contos. Ou seja, os juros eram logo descontados à
cabeça. Nesta altura, para minha sorte ou azar, tive uma chatice na empresa
onde trabalhava há cerca de uma década e, porque estava a ser humilhado, sem
pensar duas vezes, peguei no casaco e fui embora. Ou seja, de repente estou no
meio de uma batalha económica e sem qualquer arma financeira para defesa. Para
não ser fastidioso, vou abreviar e escrever que, armando-me em guerreiro
experimentado, me atirei à guerra sem medo. Quero dizer que tomei um
estabelecimento de trespasse sem um cêntimo e com esperança que o meu Anjinho da Guarda me ajudasse. Já com o contrato-promessa assinado, depois de
correr todos os bancos na cidade e sem nenhum deles sequer me escutar ou olhar
nos olhos e levar uma nega como bofetada a frio, fui falar com o senhor
Silvano, o gerente do BESCL. Talvez com alguma habilidade da minha parte, invocando
o nome de um conhecido, consegui que o Silvano proferisse uma frase de
esperança adventista: “durante estes
quatro meses que faltam para a escritura trabalhe noite e dia, junte o mais
dinheiro que puder. Antes do Natal venha falar comigo. Alguma coisa se há-de
arranjar!”. Como a sorte protege os audazes, quis o destino que já não precisasse
de contrair o empréstimo. Evitei sempre pedir dinheiro ao banco. Passados cinco
anos, já com algum dinheiro aforrado mas que não chegava, precisei de fazer
umas grandes obras no estabelecimento e mais uma vez fui ao BESCL. A resposta
foi irónica: o empréstimo não poderia ser
concedido porque… eu não tinha historial de crédito no banco. Mais uma vez
fui articular com o Silvano e, irado, dizer-lhe na cara o que pensava da sua
instituição e virei costas. No mesmo dia o financiamento estava aprovado e
realizei as obras que pensei.
Mais tarde, em 1990, adquiri o meu primeiro
automóvel a estrear, uma carrinha de trabalho Renault Expresso. Não tinha o suficiente. Faltavam-me 500 contos –que
para a época, com a economia a rolar, era uma ninharia. Mais uma vez o financiamento
estava sujeito a condições muito especiais: entre balanços e balancetes, eram
precisos sete documentos para a sua obtenção. Indignado preenchi uma livrança
de 500 escudos –hoje 2,5 euros. No mesmo dia tinha os quinhentos contos na
conta. Apesar deste relacionamento complicado, conhecia pelo nome muitos
funcionários, desde o senhor Abel, o Cravo, o Fonseca, o Artur e outros que
agora não lembro, e eles também me tratavam sempre pelo apelido. A partir de
2000 tudo mudou. Os velhos funcionários passaram para aposentados e eu senti-me
desprotegido. Do velho banco que
conhecia já pouco restava. Nessa altura para mim, já era um novo banco que não reconhecia.
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