(Imagem da Web)
Era Verão na estância turística. O Sol ainda
se arrumava no horizonte, provavelmente lá longe a encavalitar-se em cima do
mar. O restaurante estava parcialmente cheio. Casais na primavera da vida com
filhos e outros pares mais novos sem rebentos. Havia naquela sala um ruído de
fundo, ora provocado pelas conversas soltas, ora pelos talheres a baterem nos
pratos. A meio do compartimento alimentício um homem e uma mulher, ambos de
meia-idade, sem tomarem atenção ao barulho que teimava em rasgar o silêncio, com
as mãos sobrepostas sobre a mesa e entrelaçadas, olhavam um para o outro. Era
um olhar de meiguice, um entrosamento emaranhado de fluídos, como se entre eles
houvesse um misterioso filamento invisível que os unia. Os olhos dela volta e
meia desviavam-se dos dele para que, mais que certo, ele não se apercebesse que
uma lágrima balouçava, entre cai não cai, e estava prestes a atirar-se pelo sofrido
rosto abaixo.
Ambos sabiam que era uma história curta que
chegava ao fim. Uma sinopse de um grande filme. Acabava assim, desta maneira, não
porque não se gostassem. Nada disso! Muito pelo contrário! Mas no amor não
basta gostar. Ambos sabiam disto mesmo. Como num puzzle, tudo tem de encaixar
perfeitamente. A ideia versejada de que basta amar-se para tudo se ultrapassar
é uma mentira redundante e descarada do poeta. Como diz a canção “Anel de Rubi”,
de Rui Veloso -“tu eras aquela que eu
mais queria, pra me dar algum conforto e companhia, era só contigo que eu
sonhava andar pra todo lado e até, quem sabe, talvez casar. Ai o que eu passei
só por te amar, a saliva que eu gastei para te mudar, mas esse teu mundo era
mais forte do que eu e nem com a força da música ele moveu! Não fizeste um
esforço pra gostar e foste embora, contigo aprendi uma grande lição: não se ama alguém que não ouve a mesma
canção”- é preciso muito mais do que simplesmente gostar muito. Um e
outro sabiam a certeza disto mesmo. Ali nada havia a fazer, terminar quanto mais
breve melhor e antes que a dor da separação ferisse a alma de tal modo que
ficasse desfeita como pedra caída do Céu em chuvada de granizo repentino.
Como sempre e durante quase o ano que durou o
idílio, a refeição foi ligeira e regada com um vinho branco levemente
gaseificado. Como sempre, a seguir foi uma única sobremesa para os dois e, mais
que certo, Molotov. Como sempre, os
braços se cruzaram para que cada um encaixasse na boca do outro a prova doce de
um grande amor. Como sempre, a seguir viriam dois cafés, um curto. Como sempre,
haveria uma discussão contida porque os dois queriam pagar a conta. A seguir,
agarrados num abraço, abandonariam a casa de repasto. Mais uma vez, fora de vistas
e dos olhares indiscretos, o homem envolveria a mulher num longo abraço e,
peito contra peito, sentiriam o pulsar do mesmo coração divido por dois. Mais
uma vez ele começaria por dar um beijo nos cabelos prateados da mulher,
passaria à fronte, baixava aos olhos e terminava na boca, embrulhando as
línguas numa luta titânica de sofreguidão.
Mas desta vez era diferente de todas as
demais. Todo o percurso fora seguido à risca como programado mas o final,
como escolhido por um destino que os quisera separar, seria completamente
descontextualizado. Aquela era a última noite de um amor lindo que, por decisão dos dois, terminava ali. Não havia rancor para guardar. Apenas muita
ternura e gratas recordações de duas pessoas que se amaram muito em pouco tempo.
Em cada beijo que trocaram, na saliva trespassada, ficou a paixão gravada. Ela
tinha escolhido ficar só!
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