Largo da Freiria,
quarta-feira, 10h30, 20 graus celsius, Sol a espreguiçar-se e a piscar o olho
aos cantos e recantos escuros e impenetráveis dos becos e ruelas da Baixa de
Coimbra.
Aqui nesta encantadora praceta tudo se mantém
igual, com ligeiras diferenças pontuais, como, por exemplo, esta madrugada, quando
a claridade ainda se embrulhava no escuro, se ouviu um “pum”, “pum”, “pum”, um ruído de algo
a bater em ferro. Nos últimos meses o talho do Machado, na Rua das Padeiras foi
assaltado duas vezes. Acordando pelo barulho inconveniente e invasor, pensei:
lá estão outra vez a ir ao talho –e, abruptamente, levantei-me e fui à janela.
Do andar do prédio, lancei o olhar até onde os olhos poderiam perscrutar. Tudo
indicava que o talho não estava a ser violado. Então o que causava a atroada
intempestiva?
Em baixo, um homem, certamente funcionário
da empresa que ganhou o concurso encarregue da limpeza e higiene do Centro
Histórico, equipado com roupa amarela, reflectora, acompanhado de um carrinho
manual, varria a calçada. Na mão direita a vassoura, na esquerda uma pá, em ferro,
que recebia os detritos previamente encaminhados. A cada gesto correspondia um “pum”
consequente do batimento do ferro a bater na pedra. Atirei: ó
camarada, você tem que fazer menos barulho. São cinco e quarenta e cinco da manhã!
O homem, de trinta e poucos anos,
olhou para cima e, numa pronúncia estrangeirada, retorquiu: “ó “caralho”? Você não falar assim “pra” mim!
Eu trabalhar. Vá dormir!” –e irritado continuou a fazer o mesmo atrupido.
De pouco valeu explicar que o vocativo foi camarada
e não pelo nome do pai.
Não sei se a aparente confusão na
apreensão teria sido mesmo real ou intencional. Se, como político experimentado,
foi uma forma de desviar a atenção da poluição sonora e, em defesa
contorcionista, concentrar o caso num tratamento de cidadania pouco
dignificante.
Em especulação, o que senti naquele
curto diálogo foi uma espécie de mensagem de azedume pelo facto de ter de
trabalhar quando outros dormiam. Foi como dissesse: “enquanto tu dormes eu trabalho, por isso, aguenta-te!”
Não é a primeira vez que escrevo
sobre o ruído que alguns funcionários fazem quando laboram neste trabalho -que é
digno como qualquer outro- durante a noite. Estamos perante uma falta de
respeito por quem, legitimamente, tem direito a dormir. Se, por ventura, alguém
que manda nestes funcionários ler este texto talvez fosse bom sublinhar a
devida atenção no exercício da labuta.
Para não variar e provar que vale mais um
costume arreigado que uma ordenação social disciplinada, e que o lixo pode e
deve fazer parte da paisagem urbana, esta pequena praceta apresenta-se hoje,
mais uma vez e como habitualmente, como ontem,
antes de ontem e mais e mais
atrás –, como quem diz, muito feliz por continuar a ser um depositário
de esterco.
Aliviando o que escrevi atrás sobre o
madrugador barulhento, sei lá se a sua má-disposição tinha a ver com os
porcalhões que vivem e convivem em redor? Se foi por isto, pronto, está
perdoado!
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