terça-feira, 14 de junho de 2016

REQUIEM PELO AFINADOR DE PIANOS



Por me ter sido pedida hoje uma informação acerca de Manuel dos Reis -o “afinador de pianos”, que durante vários anos foi nosso companheiro e caminhante destas pedras milenares-, depois de ter ido investigar, fiquei a saber que o “senhor Manel” –como era tratado por mim- faleceu há cerca de um ano sozinho mas acompanhado na maior indignidade que pode acontecer a qualquer ser humano. Morreu nos HUC, Hospitais da Universidade de Coimbra. 
Segundo me foi dito, alegadamente, como a sua família da zona da Figueira da Foz não se interessasse em fazer-lhe um funeral decente e como deveria ser legitimo para qualquer humano finado, o corpo do “senhor Manel” esteve “engavetado” no frigorífico cerca de dois meses, vindo, depois, a ser enterrado, como indigente, em campa rasa –sublinho que transcrevo as informações como me foram cedidas.
Estes velhos do esquecimento mereciam ter na morte um outro respeito. Há poucos meses aconteceu o mesmo com o senhor “Xico”, um cordato passante destes becos e ruelas. Este homem morreu sozinho.
Num tempo –que embirro e me coloca os cabelos em pé- em que se dá mais dignidade aos animais, animalcentrismo, assiste-se, volta e meia, a esta indescritível vergonha social. Há dinheiro para tudo, até para grandes espectáculos, menos para criar um gabinete englobado no Departamento de Acção Social e Família, da Câmara Municipal de Coimbra, que se encarregasse de encaminhar estas pessoas para uma última morada digna, incluindo cerimónia religiosa, já que até na morte são discriminados e perseguidos pela má sorte até ao derradeiro suspiro. E aqui na Baixa de Coimbra há dezenas de “mendigos de carinho” como o senhor Reis. É a sina do desgraçado.
Conforme já escrevi aquando do funeral do “sismólogo”, o senhor “Xico”, o próprio hospital, os HUC, trata estes casos com pouca consideração –por elementar nobreza por quem nada tem, deveria ser exactamente o oposto. Por exemplo, verifiquei que, aquando da cerimónia religiosa na capela mortuária, o capelão do hospital apresentou-se vestido de bata branca. Custa muito aparecer com as vestes protocolares de padre? Má sorte nascer sem sorte, viver sem fortuna e morrer em silêncio, pior que um cão vadio.
Tome-se atenção que sendo pensionista da Segurança Social (SS) -e a maioria destes abandonados à sua sorte são-no de facto e de direito- as despesas com o funeral estão asseguradas até ao montante de 1,257.66 euros. O que normalmente se passa é que há três actos a desempenhar. O primeiro, é reconhecer o corpo do defunto -e pode ser qualquer pessoa que o conhecesse em vida. O segundo, é contactar a Segurança Social para a formulação do processo de ressarcimento de despesas com o enterro. O terceiro, falar com uma agência funerária que até nem se importa de aguardar pelo subsídio vindo da SS e assegure as cerimónias fúnebres. O problema é encontrar alguém que se preste a este serviço social. Daí, na impossibilidade de outra entidade localizada na Baixa chamar a si este préstimo, caber por inteiro a um departamento da Câmara Municipal de Coimbra.
Como elogio, embora já o tivesse feito em vida no texto que escrevi no jornal “O Despertar”, que o senhor Manuel Reis descanse em paz e perdoe os insensíveis, os morcões que o rodearam. Até um dia, “senhor Manel”.

(TEXTO ENVIADO, PARA CONHECIMENTO, À CÂMARA MUNICIPAL DE COIMBRA)

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