quinta-feira, 23 de junho de 2016

COIMBRA VISTA DA MINHA JANELA






ESCRITO A QUATRO MÃOS.
POR MÁRCIO RAMOS E LUÍS FERNANDES 


Pujante, cheia de alegria, vivi a minha infância na Baixa onde podia não haver muitas iniciativas mas certamente havia mais movimentação de pessoas.
Hoje vemos uma zona com muitos prédios degradados e quase vazia de moradores, a essência que constitui o fulgor, a vida de uma comunidade.
Também por parte dos comerciantes deste bairro comercial há muitas culpas por se ter chegado onde chegou. Pela passividade e deixa-correr, pela falta de coragem em dar a cara e incapacidade de sublevação, as mais apontadas são o fecho do trânsito nas Ruas Visconde da Luz e Ferreira Borges e a abertura de centros comerciais. Ao longo dos últimos quinze anos, os negociantes têm aceitado todas as decisões políticas como desígnios de Deus.
Coimbra até ao final da década de 1980 foi uma cidade parcialmente industrializada. Só para referir algumas grandes empresas desaparecidas, tivemos a Fábrica da Cerveja Topázio, a Triunfo, a Estaco.
O fecho destas indústrias, pelo desemprego criado e penúria financeira, levou a que menos pessoas consumissem na zona comercial.
Depois foi o progressivo encerramento de serviços, pontos de atracção que obrigavam as pessoas a vir e a movimentar-se no Centro Histórico. Um dos mais recentes, há poucos anos, foi o Correio do Mercado –em criança, como num bailado bem ensaiado, lembro-me do corrupio de pessoas a entrar e sair do bonito edifício. O seu desaparecimento foi mais uma seta envenenada a contribuir para o empobrecimento da Baixa e do Mercado Municipal D. Pedro V.
Outro foi o Arquivo Municipal. Outro ainda, foi o posto número um, de saúde, na Avenida Sá Bandeira -diziam na altura que, por falta de obras, estava em risco de colapso. A verdade é que detinha poucas condições mas, na realidade, abandonado e sem utilidade, ainda lá está de pé. Outro serviço ainda foi a Manutenção Militar. Quando era pequeno via lá soldados, não sei se ainda está activa, mas é raro ver lá alguém.
Também pela deslocalização do antigo hospital, na Alta, em 1980, paulatinamente, vimos abalar os consultórios médicos. Caminhávamos pelas ruas largas e dávamos de frente com as placas médicas penduradas nas varandas dos prédios. Víamos também anúncios de advogados, de cabeleireiros, de fotógrafos e até escritórios de grandes firmas, já que, pela intensa procura, o exercício comercial não se limitava ao rés-do-chão. De muitos outros, são apenas alguns exemplos de serviços públicos e privados que desapareceram e davam dinamismo a esta zona.
De grandes firmas comerciais como, por exemplo agora, a Coimbra Editora que, perante a nossa impotência encerram, nem vale a pena um grito. Morreu? Paz à sua alma!
Na mesma enxurrada foram os cinemas, como o Tivoli, o Sousa Bastos, o antigo Avenida e até o Teatro Académico de Gil Vicente, que até à década de 1980 passou filmes na sua espectacular sala. Antes da chegada dos Multiplex nas grandes superfícies ainda se experimentou cinema, com duas salas, no novo Centro Comercial Avenida e no Centro Comercial Girassolum. Nesta luta entre o grande poder económico das grandes distribuidoras e os independentes, naturalmente, os segundos tinham que morrer. Tudo se resume a uma questão de força em que está transformada a economia nacional. Como está tudo encadeado, o desaparecimento dos cinemas da zona da Baixa, a par de outros serviços, é apenas a amostra de uma grande tragédia oculta nos subterrâneos da razão. Com um poder político hábil a disfarçar as desgraças como se remendasse uma camisa velha, procurando capitalizar a calamidade em proveito próprio ou partidário, tornamo-nos animais amestrados, e habituaram-nos a justificar tudo em nome do progresso. Tudo o que é tradicional, passado de costume arreigado popular, cheira a mofo e deve ser trucidado em nome da inovação. Transformamo-nos em coveiros da nossa memória. Os optimistas continuam a achar que na natureza nada se perde, tudo se transforma, mas a verdade é outra: tudo se perde e se transforma em algo absurdo e que não se vislumbra a utilidade social. Quando se destroem pilares citadinos que constituíram a nossa identidade colectiva e, em substituição, surgem postes de remedeio que ninguém reconhece, é evidente que, enquanto colectividade, estamos ameaçados e o resultado social, inevitavelmente, é o desastre. Como autómatos, sem dignidade nem personalidade, passamos a caminhar em direcção a nada, sem objectivo, e somente em busca da sobrevivência.
Valerá a pena pensar nisto?


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