(Vídeo de Márcio Ramos)
Pressentia-se uma estranha atmosfera dividida
entre a modorra e a efervescência na Praça 8 de Maio. Nos beirais em redor, os
pombos, como sentinelas de um quartel sitiado, miravam tudo à sua volta. Está bem que
sendo Sábado e, como parte do descanso semanal, é um dia em que a maioria, sem
horário para cumprir, estende as pernas e passeia o olhar numa divagação entre
o tudo e o nada. Por outro lado, é também certo que, neste penúltimo dia da
semana, se realizava a feira do artesanato nas ruas da calçada e o ambiente
estava composto.
Na esquina que dá para a Rua Direita e junto
ao Olímpio Medina, o “Zé Preto”,
depois de uma ressaca mal curada e com cara de missão, com a perna direita a
fazer um quatro e com o chapéu de “cowboy” sobre o rosto ressequido de tantos
balázios em copo de três, parecendo que estava a segurar a parede, esperava
qualquer coisa.
Junto à entrada da Igreja de Santa Cruz e
Panteão Nacional, o “Fininho”,
afilhado por afinidade genética do fundador da Nacionalidade, estendendo a mão
à caridade turística, em busca de uma moeda para um dia-a-dia melhor e,
sobretudo, para que o frequentador da vetusta catedral, cheio de nódoas negras
na alma, mais facilmente encontre o caminho do Céu, ora dava um passo atrás,
ora dava dois à frente.
Foi então que, quando os ponteiros do relógio electrónico
da Farmácia Universal marcaram 10h30, o mistério começou a desvendar-se como
paisagem carregada de nevoeiro em manhã de Agosto. Vindo dos lados da Rua da
Sofia, como que preparado para um duelo, chapéu sobre o rosto e a fazer lembrar
Sartana, o “western” da nossa
juventude, A. Castelo Branco, um simpático amigo da Baixa, trazendo numa mão
uma caixa, se encaminhou para a Dona Adelaide, a última tremoceira, que estava sentada no parapeito de pedra em frente
ao antigo BES e agora Novo Banco para mais um dia de trabalho igual a tantos passados. Ao mesmo
tempo, um comerciante, conhecido e que é um grande cromo na zona, entregou um ramo de flores à anciã. As lágrimas
irromperam em catadupa saídas das catacumbas do espírito da velhinha, e o enigma finalmente
se desvaneceu: Adelaide, mulher de história, cujos vincos na face enrugada
mostram o apedregulhar de uma vida de sacrifício, comemorou hoje 92 anos.
Por iniciativa de A. Castelo Branco foi-lhe
feita esta festa surpresa. O antigo funcionário da Fundação Inatel -que escreveu
uma carta no “Fala o Leitor”, do
Diário de Coimbra, a dar conta da notícia-, puxando da pistola acendeu as duas
velas. Seguidamente fez um discurso solene e em nome dos presentes desejou
longa vida à aniversariante e que, no mínimo, chegasse ao século de existência.
Em privado referiu a necessidade da preservação da espécie e fez apologia da citação
de autor desconhecido de que “um velho
que morre é uma biblioteca que arde”.
Com um bolo de aniversário oferecido pela
pastelaria Palmeira, na Rua da Sofia, vários comerciantes da zona se associaram
à festa como, por exemplo, o Marques, da Casa dos Enxovais, e o Silva, da
Ourivesaria Silva. Também outros transeuntes ocasionais provaram o espectacular
doce da nossa mais conhecida confeitaria da Baixa e lamberam os beiços.
Marcelo Rebelo de Sousa, o novo Presidente da República, não esteve porque não foi convidado –se tivesse sido, mais que certo, teria estado. O mesmo se poderá dizer dos políticos do palácio do paço –não estiveram mas poderiam ter estado.
Só gente humilde, como humilde é o nosso povo, rodeou a nossa grande amiga. Desde a Helena, do quiosque Espírito Santo, ao Paulo Gonçalves, do Café Santa Cruz, ao “Fininho”, como o tal comerciante pseudo-jornalista cá da aldeia, assim como o cauteleiro da nossa praça o João Monteiro, até ao Melga –um outro cromo conhecido que realiza vídeos "pro bono"-, todos cantaram os parabéns à mais antiga vendedeira de pistáchios, amendoins e tremoços nas ruas do nosso bairro histórico e ícone de respeitabilidade.
Marcelo Rebelo de Sousa, o novo Presidente da República, não esteve porque não foi convidado –se tivesse sido, mais que certo, teria estado. O mesmo se poderá dizer dos políticos do palácio do paço –não estiveram mas poderiam ter estado.
Só gente humilde, como humilde é o nosso povo, rodeou a nossa grande amiga. Desde a Helena, do quiosque Espírito Santo, ao Paulo Gonçalves, do Café Santa Cruz, ao “Fininho”, como o tal comerciante pseudo-jornalista cá da aldeia, assim como o cauteleiro da nossa praça o João Monteiro, até ao Melga –um outro cromo conhecido que realiza vídeos "pro bono"-, todos cantaram os parabéns à mais antiga vendedeira de pistáchios, amendoins e tremoços nas ruas do nosso bairro histórico e ícone de respeitabilidade.
Muitos anos de vida, senhora
Adelaide. Gostamos muito de si.
2 comentários:
Maravilha!!!
Com gestos destes, a Baixa continua viva!!!
Abraço!
Amigo
Biso o que foi dito pelo meu caro amigo e conterrâneo Dr. João Pedro.
Sabe, são histórias como esta que vão animando o bar do Zé ( Joe's Bar ) à hora da bica, por aqui titulada de "espresso", fazendo inveja a tudo e todos, do minhoto ao algarvio, do madeirense aos curiscos açoreanos e " se mais mundo houvesse" até esses, tan doçura humana invejariam.
Desta vez vou levar comigo o iPad para que também encherguem e possam louvar.
Um abraço
Álvaro José da Silva Pratas Leitão
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