terça-feira, 29 de setembro de 2015

45 ANOS DEPOIS, ENCERRA O ELDORADO





Encerrou neste último Sábado o Eldorado, na Rua Adelino Veiga. A história desta grande catedral está associada ao período áureo da Baixa comercial e à sua decrepitude. Sob orientação de Manuel Ribeiro, nasceu na Rua Eduardo Coelho, em 1970, e por lá se manteve até que, por alturas de 1974, um grande incêndio dizimou completamente todo o seu recheio e incluindo o edifício. Passou então para a rua do poeta morto, onde se manteve até agora. Sobre direcção do Ribeiro até 1991 e após esta data passou para propriedade de um grupo de comerciantes indianos de Lisboa. Quem veio gerir o estabelecimento foi o Asslam, um português nascido em Moçambique. Como curiosidade, como nunca conheci mais ninguém à frente da loja, sempre pensei que este homem simpático de ascendência muçulmana era o proprietário.
Com a abertura das primeiras grandes superfícies, o Continente e a Makro, em 1993 esta grande universidade comercial levou o primeiro abanão. A partir de 2005, por parte da sua gerência de Lisboa, passa a ser acompanhado com preocupação. Por volta de 2010 entra em morte clínica assistida. Em Janeiro de 2012 foi anunciado o eminente desligar das máquinas quando o seu proprietário colocou toda a existência da loja em liquidação total, dispensou praticamente todos os funcionários e deixou o Asslam -casado com a Clara, uma conimbricense e também trabalhadora numa loja comercial da Baixa. Tudo indicava que só restava a memória.

E SE EU ARISCASSE?

Depois de mais de vinte anos à frente dos destinos da loja –para lá veio jovem, ali contraiu matrimónio, ali recebeu a notícia do nascimento do seu primeiro filho-, aquele ponto de venda, para além de ser o espírito da sua existência, era parte integrante da sua família. Em casa, inevitavelmente durante todas as refeições falava-se do Eldorado como se, fazendo jus ao nome, continuasse a ser o sonho idealizado e realizado do menino que nasceu em Moçambique. Especulando, perante o anúncio do fecho, certamente numa daquelas noites de preocupação em que o sono teima em vir, a ideia bombardeou-lhe a mente: “e se eu arriscasse em ficar com o Eldorado? A Clara trabalha no comércio e tem muita experiência e pode ajudar-me. Amanhã vou propor-lhe o plano  para vir trabalhar comigo!”
A Clara concordou e despediu-se do emprego onde exercia há muitos anos. E em Janeiro de 2013, sem funcionários, marido e mulher assumem o comando do Eldorado.

O QUE É QUE CORREU MAL, ASSLAM?

Teoricamente este projecto deveria ter dado certo. O que falhou? Responde Asslam: “Tendo em conta a área e a localização do espaço até considero a renda que pago acessível. O problema é que não se vende. E não é por se dizer que a Rua Adelino Veiga está morta. Isso é um mito! É a Baixa, no seu todo, que está moribunda. Desde há vários anos que há um completo desprezo político por esta zona. Não vejo os políticos a fazerem alguma coisa para alterar o actual situacionismo. Os portugueses, na generalidade, não têm dinheiro para comprar e se calhar, a maioria dos que podem, escolhem os shopping’s em detrimento do comércio tradicional. Eu tinha clientes que moram cá e que me diziam que há vários anos que não vinham à Baixa. Assim, com este isolamento, como é que se podem manter abertas as lojas? O mercado interno nacional não funciona. Cerca de 80 por cento dos meus clientes eram turistas –mas isolados, que largavam o grupo e se aventuravam à pressa a comprar. Antes que nos afundássemos ainda mais decidimos encerrar.
Não consigo perceber como é que uma urbe que tem uma Universidade tão antiga e reconhecida em todo o mundo não forma os seus alunos para defenderem a cidade. Coimbra apanha constantemente pancada e não responde. O cidadão comum também não quer saber e não a resguarda. Coimbra foi desbaratando importância. Basta ver o número de deputados que perdeu na Assembleia da República.”

E DOMINGO? VAIS VOTAR?

Assim, de chofre, coloquei a pergunta aos dois. Primeiro, respondeu Asslam: “Não, não vou votar! Estou muito desconsolado com este sistema. Votar para quê? Isto só lá vai com uma grande revolução! De outra maneira não vamos lá! Sinto-me traído!”. A seguir desabafa a Clara: “Eu também não vou votar! Estou demasiado ferida e descontente para o fazer. Não vale a pena!”

E COMO É FICAS, ASSLAM?

Apesar de prometido pelo actual Governo –que chegou a mandar promulgar o decreto-lei nº 12/2013, de 25 de Janeiro e ter alterado as contribuições para a Segurança Social- o regime de jurídico de protecção social na eventualidade de desemprego dos trabalhadores independentes com actividade empresarial, com aplicação em Janeiro de 2015, os empresários em situação de insolvência continuam sem apoio. Segundo a CPPME, Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas, nove meses depois de ter entrado em vigor e 1900 empresários terem requerido o apoio, apenas 145 estão em apreciação. Até agora nenhum pedido foi satisfeito.
À minha pergunta, com a voz embargada, respondeu Asslam: “Ficamos muito mal. Muito debilitados. Como é óbvio saímos com dívidas –não leve a mal não entrar muito em pormenores. Entende, não entende? Para piorar somos os dois a ficar sem trabalho. Eu tenho 47 anos e a Clara 45. Somos novos para desempregados e velhos para conseguirmos trabalho. Temos um filho. Este é que nos preocupa. Ainda não sabemos o que vamos fazer amanhã. Para nos valer nesta aflição, não temos família para nos ajudar a nível financeiro nem alguém a quem possamos recorrer –só se for ajuda psicológica. Há dois anos eu tinha direito a desemprego, agora não sei como vou viver. Está certo acontecer isto? Só porque tentei não me acomodar?”

E PASSA UMA SENHORA…

Estou a conversar com o Asslam e a Clara na rua, em frente às montras agora mudas e sem brilho. Em andar ligeiro, passa uma senhora, olha as grades corridas e estanca subitamente. Volta atrás e, encarando o casal, interroga: “Encerrou o estabelecimento?!? Ai, não me diga!? É uma loja que faz muita falta!”.
Sem comentários, a Clara mirou o marido e eu fixei os dois. É assim que reagem os munícipes.

TALVEZ VÁ PARA O ESTRANGEIRO…

Sem apoio, embora não tivesse colocado a questão assim, provavelmente o Asslam gostaria de ser, neste momento, migrante do Médio Oriente. Como no seu corpo, por hereditariedade, corre sangue muçulmano, é bem possível que haja uma ou várias instituições a ajudar este casal. Vamos todos esperar para ver.
“É possível que vá para o estrangeiro. Estamos a ver a que nos podemos agarrar, ver o que acontece amanhã.”

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