Hoje, mais uma vez, a tradicional feira de
velharias, que se realiza sempre ao quarto Sábado de cada mês, assentou
arraiais na Praça do Comércio. Sem grandes alterações de forma e substância
este certame manteve-se igual desde Junho de 1991 até agora. Igual a tantas
outras pelo país fora, foi sempre uma feira-franca, isto é, para qualquer operador
de velharias ou particular comercializar naquele espaço, até há pouco tempo,
bastava-lhe uma inscrição no local e desde que falasse com os responsáveis pela
comissão de feira. Actualmente esta comissão é composta pelo estabelecimento “O
Velhustro”, a Câmara Municipal de Coimbra-Departamento da Cultura, Polícia de
Segurança Pública e a Junta de Freguesia de São Bartolomeu (agregada).
Por algumas iniquidades
praticadas no local, há muito que este evento pedia uma remodelação –já escrevi sobre este assunto. Ao que parece a revolução está em curso e já começou neste
Sábado.
MAS, DIGA LÁ, DIGA LÁ!
Segundo consegui saber junto de alguns expositores,
hoje, a vários vendedores não foi permitido o acantonamento e foram mandados
embora por falta de inscrição de exercício de actividade na Autoridade
Tributária e Aduaneira.
E ESTÁ CERTO A CÂMARA PÔR ORDEM NA CASERNA?
Vamos por
partes, quanto à execução aqui localizada não há nada a apontar. Primeiro, o
Decreto-lei nº 85/2015, de 21 de Maio, obriga a isto mesmo, ou seja à inscrição
nas Finanças. Segundo, com base na alteração do Regulamento Municipal das
Feiras, Venda Ambulante e da Restauração, aprovado pelo executivo municipal em
reunião de 22 de Junho de 2015, os serviços estão a fazer o que lhe compete.
Não haverá reparos a menos que…
MAU! MAS PARECE HAVER
PEDRA NO SAPATO
Vamos outra
vez por partes. Esta medida está correcta se não for isolada. Se assim
acontecer, se for um tiro de pólvora seca, para além de ser discriminatória,
perde toda a legitimidade. Porque lembro que anteriormente várias vezes se
alterou o Regulamento da Venda Ambulante para ficar tudo na mesma. Se desta vez
for para cumprir, serei o primeiro a bater palmas à edilidade.
Portanto, retirando o meu
cepticismo, quero dizer que, sendo um regulamento específico, logo deve ser
aplicado a todos quantos operem no seu âmbito. E aqui enumero a venda ambulante no Bota-abaixo, os
vendedores de castanhas, as feiras sem regras em Santa Clara e em Santo António
dos Olivais e outras em todo o concelho.
E A LEI GERAL? É UMA BOA LEI?
Aqui é que
reside o “Quid pro quo”, tomar uma
coisa por outra. Vou ver se me safo com uma explicação simples e cabal. A meu
ver, que não percebo nada de direito, estamos perante uma boa forma e uma má
substância. Dito de outro modo, o princípio subjacente à lei, que é todos os
que transacionam bens contribuírem, está correcto. O que está mal é a sua
aplicação geral tornar inoperante o princípio de vendedor-pagador e ser mais
destruidor do que construtor de mais-valias. Já sei que o que escrevi, para si,
é igual a zero. Vou tentar reformular. O legislador, com este Decreto-lei quer
dizer o seguinte: se vendes regularmente
estás obrigado a colectar-te na administração fiscal. Se o montante anual das tuas transacções não ultrapassar os 12,500.00
euros, doze mil e quinhentos, ficas isento e, por inerência, não pagas nada. Se
passares essa fronteira começas a contribuir para safar o Estado desta crise.
E COMO É QUE SE CONTROLA?
A questão é
como é que se prova, como é que se controla, um vendedor para saber que não ultrapassa
os doze mil e quinhentos euros? A ideia (bacoca) foi tornar imperativo que
todos passem facturas. Realmente, para quem veio de Marte, é uma ideia genial.
Colocar um vendedor de velharias e uma vendedeira no Mercado Municipal a emitir
recibo de um euro –para além de ter de ser acompanhado de guias de transporte-
deveria ser perfeitamente exequível. Só que para um povo rural e simples tal
medida leva ao descontentamento geral e à desistência de todas as actividades
mercantis. Atrás disto vai a produção, naturalmente. A vendedeira deixa de
plantar couves e a praça municipal e o país vão ficando mais sós e empobrecidos.
Isto é, pelo desconhecimento, aselhice e avareza do legislador -que quis ser mais papista que o Papa-, estamos perante
uma bomba de neutrões: destrói tudo o que for pequeníssimo. E, contrariando o seu objecto, para piorar, como não há ninguém
a emitir recibos nestes espaços de venda popular, naturalmente, ninguém paga nada. O vendedor assobia para o ar
e o legislador conta as pedras do chão como se fossem alvíssaras. O princípio de todos pagarem está muito
bem implementado, o que é preciso é torná-lo simples e prático.
ENTÃO O QUE É PRECISO FAZER?
É estabelecer uma quota mínima para todos –chamemos-lhe
imposto único- e deveria incluir os micro empresários estabelecidos com loja.
Ou seja, todos contribuírem com uma colecta mínima. Para isso divida-se os
operadores em grupos –como antigamente. Imaginemos que todos os vendedores
ambulantes seriam inseridos no grupo C. A este agrupamento, sem excepção, por
exemplo, caberia pagar por ano 500 euros. Não era preciso andar a pedir guias
de transporte, emissão de recibos, ou outra coisa qualquer. Para mudança de
grupo –isto é para pagar mais- caberia à administração fiscal provar que aquele
contribuinte deixou de ser micro e já é mais importante no mapa da compra e
venda.
E TODOS TEMOS DE PAGAR ALGUMA COISA?
Claro que todos temos de contribuir. É óbvio! A bagunça está instalada e, por falta de critério de justiça, está a desmotivar os que cumprem, sobretudo quem está estabelecido com ponto de venda -estes são as vítimas do sistema, porque estão mais à mão e não podem escapar. (Até agora) praticamente não se paga nada nos
milhares de feiras pelo país fora, não se paga nada para vender através da Internet
e qualquer particular passou a empresário de sucesso –assim também eu!
Falta apenas regulamentar e
tornar prático o conceito. Vamos a isso? Agora, que estamos em véspera de eleições,
talvez faça falta um Secretário de Estado das Finanças. Não sei, digo eu!
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1 comentário:
Seria também bom que, de uma vez por todas, se distinguissem "velharias" de "antiguidades", o que implicaria algum esforço pedagógico de alguém. Fico sempre espantado com certas coisas sempre que visito a feira, sobretudo com o descaramento de muitos vendedores. Mas isso são contas de outro rosário.
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