segunda-feira, 16 de junho de 2014

PERSONAGENS COIMBRÃS: O CAGÃO OPORTUNISTA

(Imagem da Web)


Tenho uma faculdade que nunca contei aqui: detenho uma memória visual fantástica. Olho um rosto e raramente esqueço os seus traços, mesmo passadas décadas. Posso não saber de onde é imediatamente mas, matutando, matutando, chego lá. Então se forem caras conhecidas, políticos ou artistas mesmo fora de moda, raramente me escapam. Quando alguém, depois de sair da ribalta e vestido num fato de anonimato, entra na minha loja e o trato pelo nome desmancha-se todo no seu encómio de admiração: “conhece-me?!?". Então personagens locais que passem pelos jornais reconheço-os imediatamente. Escusado será escrever que me ignoram completamente, como nunca me vissem mais gordo e mesmo que já tivessem privado comigo de perto fazem tudo para não me dar importância. Este comportamento –anormal, posso escrever assim?- é extensível a praticamente todos os que voam lá no alto, nem que seja somente na sua própria imaginação. Curioso, que este comportamento também se passa com quem já percorreu o caminho das pedras e de um momento para o outro se vê catapultado para um lugar importante. Então sempre que se cruzam connosco, para não nos cumprimentar, puxam do telemóvel e fazem de conta que estão a ter uma longa conversa. Um monólogo de presumido, idiota que não vale um caracol. Se não fosse o trampolim político continuava anódino.
Para este tipo de gentinha, é como se a sociedade se dividisse em duas placas: superior e inferior. Na grelha inferior cabe toda a desaparecida classe média, com todos os trabalhadores assalariados ou independentes. Este tipo de gentalha, com um olhar altivo e dominador –tantas vezes a disfarçar um incómodo complexo de inferioridade-, quase segregacionista, apenas se relaciona com a classe superior. A excepção será para quando alguém que, ocupando um cargo na administração, lhe dê interesse e lhe sirva de ponte para a resolução de algum problema. Quando assim é, usa e abusa descaradamente de quem utiliza como escada para os seus fins que não conhecem meios.
No caso da figura que vou falar hoje e que deu origem a este apontamento, conhecemo-nos há trinta anos. Ou melhor, eu conheço-o desde o seu nome até a todos os passos que deu e vieram noticiados nos jornais. Ele já falou comigo algumas vezes e até sabe que tenho uma loja na Baixa da cidade, mas, de mim, não sabe mais nada. Não é uma ignorância de conjectura ocasional mas um desconhecimento tácito e planeado. A sua diferenciação social faz parte de um plano urdido em noites de insónia e baseado no aforismo “mostra-me com quem andas e digo-te o que vales”. Eu para ele serei apenas uma sombra que se cruza com a sua orquestrada imponência de pavão. Sempre tive ideia de que a sua figura foi construída milimetricamente, assente numa imagem de show-of, vazia de conteúdo, como se a sua representação assentasse na frontaria e fosse apenas um cenário de filme ou de teatro imaginário. Aos meus olhos, sempre viveu ancorado em esquemas, em teias entrelaçadas no poder instituído. É um camaleão, ou diria antes, uma cobra a saracotear a pradaria citadina do burlesco. Ao longo das últimas décadas viveu sempre no crepúsculo de uma dita e chamada cultura, tantas vezes defendida em grupo de intelectuais de pacotilha como este artista, a querer fazer crer aos estúpidos, como eu, que esta “coltura” era essencial para o modus vivendi do burgo. Mas, verdadeiramente, este género de cagão sempre esteve interessado em subtrair uns cobres ao erário público e nada mais. Ao longo das últimas décadas, com sorrisos e bolinhos enganou os tolinhos que passaram nos Passos do Concelho. Enganou não –não é o termo correcto! Extraiu de mão beijada dos patetas que chefiaram a edilidade. Foi sempre um contrato de mútuo. O pacóvio da autarquia precisava de mostrar ao munícipe que estava a fazer coisas, a cuidar da “coltura” da cidade, e como os milhões não lhe custaram nada –o eleito é apenas um mau administrador da massa falida-, e até caíram sempre do céu europeu aos trambolhões, distribuía-os pelos mais chegados. Hoje não é igual? Claro que é! Porém, como as vacas minguam e o leite é escasso, cabe menos a cada um dos compadres, dos ajudantes que contribuíram a eleger o homem do leme. Então como a distribuição só está a chegar a alguns, os não contemplados, por onde passam atiram setas envenenadas ao ex-idolatrado e apoiado no último sufrágio. Foi o caso deste cagão que encontrei há dias a vociferar e a deitar fogo pelas narinas como touro enraivecido. Vejam bem que em 30 anos praticamente nunca me dirigiu a palavra para além de um cumprimento à la carte, daqueles assim no género: “está bom, passou bem?”, mas continuando a caminhar na sua nuvem esotérica de pedestal e sem esperar resposta.
Dizia eu, então, vejam bem que o cagão oportunista há dias estava tão carente de ser ouvido –por que já ninguém atura as suas descaradas desavergonhices de pendura- que até falou comigo –eu, o tal, o insignificante aos seus olhos- a lamentar a postura do outro, o agora ocupante da cadeira do poder. Dizia-me ele: “veja bem que até foi a minha casa convidar-me para o apoiar! Prometeu-me mundos e fundos, e agora não aprova o meu programa! Já viu? Isto está bem para quem não tem vergonha! Fulano, marido da tal, e mais o tal que fez tal viram os seus desejos satisfeitos. E eu nada! É um sacana! E fui eu apoiar um gajo destes!?! Eu que até dei um salto mortal nas minhas convicções ideológicas?”



1 comentário:

Jorge Neves disse...

Acho que sei quem e essa figurinha, só não sei a marca do telemovel. Tambem tive a minha culpa para alimentar a sua vaidade.