É Domingo dia 6 deste mês de Outubro. O Sol
fustiga quem se assoma. São 13 horas acabadinhas de bater na torre sineira da
igreja da Vacariça. Ali mesmo ao lado, na Póvoa do Loureiro, à porta do
restaurante “Canto Directo”, um grupo
de cerca de vinte pessoas, vindas das faldas da Serra da Estrela em motorizadas
clássicas, perfila-se para tirar umas fotos para a posteridade. Estão
acompanhadas de um rapaz com uma viola a tiracolo e preparado para tocar a
qualquer momento. É notória uma simbiose perfeita entre os dois, como se o
aparelho fizesse parte do corpo ou fosse mesmo a sua alma. Se atentarmos bem no
estado do instrumento acústico, de seis cordas, do puto verificamos que já teria tido melhores dias. A fita-cola bem à
vista, a tentar reparar o irreparável, é disso testemunha. O Rui, o
instrumentista, não sabe por que foi convidado para almoçar com este grupo tão
simpático de homens e mulheres. Sabe apenas que um mês antes, em Setembro,
encontrou este mesmo agrupamento de pessoas no Luso e pediram-lhe para ele
tocar umas modinhas. E o Ruizinho, como é carinhosamente tratado por estes
viajantes, não se fez rogado e, acompanhado da guitarra, cantou e encantou numa
tarde solarenga ali mesmo próximo da fonte das onze bicas.
QUEM É O RUI?
Há cerca de dois anos encontrei o Rui Ferreira
a vaguear sozinho pelas ruas da vila acompanhado da sua inseparável viola. Como
caminheiro em busca de um santo redentor, este adolescente percorria as ruas a
tocar e a cantar. De certo modo identifiquei-me com a sua forma de ser. Na sua
pose, vi-me nas mesmas circunstâncias quatro décadas atrás. Ou seja, naquela
imagem vi o miúdo que já fui, que tanto gostava de música, que aprendeu tocar
viola pelos seus próprios meios, e que não teve possibilidades de ir além do
desejo de querer ser. Escrevi um texto aqui no blogue e foi publicado no jornal
da sede de concelho, “Mealhada Moderna” –hoje, infelizmente, encerrado. Volta e
meia, quando vou ao Luso, ao meu Luso que tanto gosto, encontro o Rui a
desempenhar a missão que se julga vocacionado e predestinado.
Agora com 19 anos, já maior mas a
conservar o mesmo olhar traquina de infante, o imitador de Tony Carreira diz o
seguinte: “acabei um curso de agricultura há pouco tempo. Fui para o centro de
Santo Amaro, em Casal Comba, mas que pertence à APPCDM de Anadia. Continuo a
tocar pelas estradas de Luso. Foi o meu pai que me passou as posições, as notas
na guitarra, para um papel e eu aprendi sozinho. Durante muitos anos ele foi
baixista numa formação musical do Pego, uma localidade próxima, que se chamava “Expresso”.
Júlio Parente é o mentor do grupo de amigos de
duas rodas, com sede em Póvoa Nova, Seia. Nascido em Agosto de 2010, baptizaram
este agrupamento de “Roda Punho”.
Vamos ouvir o Júlio: “somos cerca de
vinte amigos. Saímos de vez em quando todos juntos nas nossas motorizadas clássicas.
Uma vez por ano organizamos lá na nossa terra, em Póvoa Nova, um grande
encontro em que se chegam a juntar mais de uma centena de pessoas –a minha
aldeia tem cerca de 170 habitantes. Temos lá um prémio para a mota mais antiga
e mais bem restaurada. Foi a paixão pela motoreta, o ciclomotor, a rainha das
estradas durante tantas décadas do século passado, que nos moveu para estes
encontros. É uma família autêntica. Temos aqui vários elementos com várias
profissões. Há aqui de tudo, digamos assim, agentes da GNR, seguranças,
vendedores, enfermeiros, informáticos… está a ver?
Em 14 de Setembro, último, realizámos um passeio à Praia de Mira em
motorizada. No regresso parámos no Luso. Foi então que vimos o Ruizinho a tocar
e a cantar à nossa frente. Convidámo-lo para mostrar os seus dotes artísticos
para nós. Quando ele acabou de tocar a primeira música reparei que ninguém
bateu palmas e ele ficou tristonho. Senti uma dor. Imediatamente, dando o
exemplo, puxei por todos para que ovacionassem o trabalho deste rapaz e,
perante o entusiasmo de todos, tocou mais e muito mais. Poderia ter sido o ar
triste dele, mas impressionou-me. Qualquer coisa, que não sei explicar, me
tocou fundo. Vi o mau estado da guitarra. Fomos embora para Seia. Na viagem,
enquanto galgava o asfalto, ia pensando que tinha que saber mais acerca deste
personagem tão invulgar que percorria as ruas da vila com a água mais famosa de
Portugal. Quando cheguei a minha casa fui ao computador e, no Google, no motor
de busca, digitei “miúdo da viola do Luso”. E, nem de propósito, saiu-me o
texto no seu blogue. Era mesmo verdade, este rapaz é muito humilde. Temos de
fazer alguma coisa por ele, disse para com meus botões. No dia seguinte estava
a propor aos meus colegas do “Roda Punho” a intenção de proximamente, num
almoço, lhe oferecermos uma viola nova. E foi o que fizemos. Não podemos fazer
grandes coisas –somos todos gente de trabalho-, mas nestes pequenos gestos, com
pouco, podemos sempre fazer alguém mais feliz. Se cada um der um pouco, o pouco
todo junto passa a ser muito. Concorda comigo, não concorda?
Contactei-o a si através do seu blogue e depois a Junta de Freguesia de
Luso. Por isso mesmo estamos aqui, no restaurante “Canto Directo”, na Póvoa do
Loureiro, para almoçarmos e, numa cerimónia simples, fazer a oferta ao Ruizinho.”
Sem grandes manifestações efusivas, embora
parecesse sorrir muito mais, o Rui ficou contente. Mais uma vez tocou Tony
Carreira e outros artistas de renome. Foi muito bem acompanhado por um coro de
excelência que sabiam as letras de cor e
salteado, ao que parece já ensaiadas em muitas apresentações de Caraoque lá
nas proximidades da Serra da Estrela.
Com a simpatia do dono do
restaurante “Canto Directo” e com o
bom sabor do leitão à bairrada acompanhado
de bom vinho, ou não fosse a zona abençoada por Deus, o grupo “Punho Directo”, montado nas suas bombas de duas rodas rumaram para terras
mais frias do interior. Em meu nome pelo amável convite, em nome do Rui, em
nome de uma humanidade que, pelo exemplo, se espera multiplicar, bem-haja. Boa
sorte para o “Roda o Punho”!
1 comentário:
Ese Rui tiene talento y personalidad!
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