sábado, 12 de outubro de 2013

LEIA O DESPERTAR...




Para além  do texto "E PARA A BAIXA NÃO VAI NADA?", deixo também as crónicas "SÃO BARTOLOMEU EMBELEZADO"; "A LENA, DO LARGO DE SARGENTO-MOR, FEZ ANOS"; "A BAIXA A BOMBAR"; e "REFLEXÃO: A MODA DA REMODELAÇÃO".


E PARA A BAIXA NÃO VAI NADA?

Há cerca de um mês, encerrou uma das lojas da marca Capicua, mais concretamente na Rua Ferreira Borges. Nos vidros das montras forradas com papel ainda hoje pode ler-se “Encerrado para remodelação”. Para complementar e melhor fundamentar o que vou defender, gostava de lembrar que nesta loja de roupas, agora aparentemente extinta, funcionou, durante décadas, o Café Arcádia –para quem não souber este estabelecimento, encerrado em 1992 salvo erro, foi um dos mais importantes ícones de revitalização da Baixa coimbrã. Conheci muito bem este espaço emblemático de uma outra Baixa desaparecida e dou-me bem com o seu antigo dono e também proprietário do edifício: José Maria Cerveira. Foi neste desaparecido espaço de memória e de tertúlias que Adolfo Rocha, mais conhecido como Miguel Torga, teria concebido muitas das suas obras. Relembro também que este poeta e escritor era amicíssimo de José Maria Cerveira e companheiros de grandes caçadas –um dia destes, quando calhar, porque tenho tudo gravado em conversa com José Maria Cerveira, escreverei estes momentos marcantes para o antigo gerente do Café Arcádia. Foi um lugar importantíssimo na cidade durante cerca de meio-século. Por insensibilidade camarária, no final do século passado, este fantástico café apagou-se sem um pio, ou grito de revolta. Nessa altura, a meu ver, a edilidade deveria ter tido uma conversa com o meu amigo José Maria no sentido de o fazer ver que o Café Arcádia deveria continuar em atividade na Baixa. Ou seja, tentar sensibilizá-lo para que o arrendamento que se seguisse fosse de café. E até nem seria difícil de obter tal pretensão porque as câmaras municipais detêm, e já nessa altura também tinham acesso, um instrumento de defesa de atividades culturais e podem acionar este instrumento jurídico classificando o negócio de relevante interesse municipal –o que, na prática, inviabilizava a mudança para outro ramo diferente, como veio a acontecer aqui.
Ora o que me leva a escrever esta crónica é que o executivo camarário, que dentro de dias tomará posse com Manuel Machado a liderar, para além de tentar emendar a mão de uma démarche que outrora não desenvolveu, deveria, com urgência, falar com o proprietário e tentar motivá-lo a arrendar o locado apenas para hotelaria e no sentido de reanimar o velho café, tal como aconteceu com A Brasileira mesmo ao lado. Claro que a edilidade já não possui os recursos de classificação de interesse municipal, mas, conhecendo como conheço José Maria Cerveira, acredito que tal vontade seria possível.
O que esperam os serviços culturais da cidade para terem uma conversa com o José Maria do Arcádia, como assim era conhecido nas décadas do século passado?


SÃO BARTOLOMEU EMBELEZADO

 Quem olhou para o chão nos últimos dias, por estas praças e largos da Baixa, teria reparado que os buracos das árvores, outrora cheios de lixo e dejetos de animais, estão agora preenchidos com uma matéria própria para este efeito, à face do chão, e decorados a salpico bege e preto. No centro do quadrado está uma rodela, em volta da árvore, constituída por borracha. Ou seja, à medida que a árvore engrossa a matéria sintética vai alargando e, por isso mesmo, não impedindo o normal desenvolvimento arbóreo.
Trata-se de uma iniciativa do executivo em final de mandato da Junta de Freguesia de São Bartolomeu inserido no protocolo de delegação de competências estabelecido entre a autarquia e aquela representação de fregueses. Ouvido o até há pouco presidente, Carlos Clemente, foi dito que “depois de tratarmos de tapar os principais buracos que havia por aqui, na área da freguesia, lançámo-nos a esta empreitada. Ainda não estão todas arranjadas mas quase”. O número total de copas a embelezar são 23. O custo unitário de cada árvore ronda sensivelmente os 250 euros.
Ouvindo um comerciante da Praça do Comércio –que pediu o anonimato-, acerca do que lhe parecia este arranjo, apontando a saliência quadrada, comentou: “um bom serviço. Gosto! Isto estava sempre cheio de papéis e porcaria evacuada pelos animais. Agora é uma beleza. É preciso é não esquecer de que é necessário regar as árvores, sobretudo as mais novinhas. Tenho feito isso, mas não me compete fazê-lo”, enfatizou.


A LENA, DO LARGO SARGENTO-MOR, FEZ ANOS

 As cidades são macrocosmos no seu todo. De grosso modo e globalmente, vistas do céu serão uma mancha onde tudo, mesmo as partículas humanas em movimento, se encaixa fantasticamente. Habitualmente partimos do princípio de que este imbricamento é cada vez mais mecânico. Apregoamos, todos, um individualismo feroz e uma acentuada quebra de solidariedade para com o nosso confinante. Isto é, que cada um reage em função da sua estrita e premente necessidade. Se é certo que comportamento gera comportamento, e só cresce quem partilha, a verdade é que volta e meia somos surpreendidos por manifestações que nos fazem pensar e derrubam os estereótipos mais solidamente alicerçados em cimento e ferro de ideias feitas.
Atente no que vou contar. Ora veja lá se, perante o excecional quadro de simpatia e boa vizinhança, não estamos em face de um acontecimento extraordinário?! Se enquanto humanos todos somos animais de imitação, quem escreve tem uma obrigação acrescida de divulgar factos isolados que levem outros a fazer o mesmo em mimética.
Como que por mistério divino, o Largo de Sargento-mor apareceu na quarta-feira, logo de manhã, todo engalanado com bandeirinhas multicolores. Ao meio-dia o Luís Cortez, o nosso cantautor e instrumentista de serviço diário na animação musical à Baixa, já com o órgão montado no tripé, atirava a primeira nota acompanhada com “Parabéns a você… (…) para a menina Lena uma salva de palmas!”. E a Helena Gomes, a “nossa Lena”, do estabelecimento com o mesmo nome, como é carinhosamente tratada, de lágrimas a saltarem dos seus lindos olhos negros, apanhada de surpresa neste coletivo lago de ternura, recebeu uma rosa das mãos de um dos seus compartes.
Naturalmente que o momento solene exigia umas declarações para o jornalista de ocasião. E a resposta à minha pergunta saiu assim: “sinto-me muito feliz, senhor Luís. Tenho um marido e dois filhos que são o meu tesouro. Pode parecer paradoxal, mas sinto-me confortada com esta crise. É nestes momentos que vemos despertar outros valores que estavam arrumados nas catacumbas do mental silêncio individualista. Muito obrigado! Bem-haja, bons vizinhos do meu coração!”


A BAIXA A BOMBAR

Na última sexta-feira, da semana passada, a Baixa esteve repleta de sons e cores musicais. Apesar de, volta e meia, São Pedro mandar chuva para cima de quem ousava quebrar o silêncio rotineiro das palacianas ruas, mesmo assim, quase uma vintena de agrupamentos deram vida a esta parte da cidade. Sobre o lema “Coimbra a Bombar” e numa iniciativa da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra (APCC), em parceria com o Conservatório de Música de Coimbra e com a colaboração da edilidade, houve alegria em ondas gigantescas de satisfação.
Foi possível assistir a vários géneros musicais, desde gaiteiros a quartetos de cordas até um quinteto muito especial, o “Grupo Amizade”, formado por cinco idosos moradores nos bairros periféricos da cidade, e que deram vida à Rua Ferreira Borges durante a manhã. Esta formação, constituída pelo António Teles, Maria Isabel, Ludovina Santos e Manuela Brás, faz parte do Centro Comunitário de S. José e sob a égide da Cáritas. Através da alegria, com as suas vozes afinadas, espalhando o canto e o encanto prestam serviço comunitário.


Entre o Largo da Portagem e a Praça 8 de Maio, durante a tarde, centenas de crianças, alunos de várias escolas, e utentes de várias instituições congéneres da APCC, com as suas diferenças mostraram que, sendo a música a maior linguagem universal entre humanos, é possível caminharmos para a inclusão social e, apesar das desigualdades, tornarmos este mundo mais socializado. Pelos seus sorrisos rasgados de contentamento, no ribombar dos seus bombos e outros instrumentos de percussão, deram um colorido diferente num dia que para sempre ficará nas suas memórias. A todos, pela disponibilidade manifestada, a Baixa agradece.


REFLEXÃO: A MODA DA “REMODELAÇÃO”

Neste sábado, último, após algumas filas para vender o estoque existente durante vários dias, encerrou a Loja Portuguesa, na Rua das Padeiras.
Nos vidros forrados a papel um pequeno quadro se salienta: “fechados para remodelação”. Aqui na Baixa, desde as Ruas largas, da Sofia, Ferreira Borges e Visconde da Luz, até aos becos estreitos, a levarmos em conta os imensos estabelecimentos na mesma situação, com mensagens iguais, tudo indica que este final de ano de 2013, com tantas obras em perspectiva, construção civil e decoração, vai ser bom para o PIB, Produto Interno Bruto. Afinal o comércio está com bons indicadores. Quem ousa dizer, ou escrever, o contrário? Os pessimistas e velhotes do Restelo, boateiros do costume, como eu, naturalmente! Apetece-me gritar bem alto, mesmo que só eu me ouça: porque não te calas, alma penada?!

Sem comentários: