Para além do texto "E PARA A BAIXA NÃO VAI NADA?", deixo também as crónicas "SÃO BARTOLOMEU EMBELEZADO"; "A LENA, DO LARGO DE SARGENTO-MOR, FEZ ANOS"; "A BAIXA A BOMBAR"; e "REFLEXÃO: A MODA DA REMODELAÇÃO".
E PARA A BAIXA NÃO VAI NADA?
Há cerca de um mês, encerrou uma
das lojas da marca Capicua, mais concretamente na Rua Ferreira Borges. Nos
vidros das montras forradas com papel ainda hoje pode ler-se “Encerrado para remodelação”. Para
complementar e melhor fundamentar o que vou defender, gostava de lembrar que nesta
loja de roupas, agora aparentemente extinta, funcionou, durante décadas, o Café Arcádia –para quem não souber este
estabelecimento, encerrado em 1992 salvo erro, foi um dos mais importantes
ícones de revitalização da Baixa coimbrã. Conheci muito bem este espaço
emblemático de uma outra Baixa desaparecida e dou-me bem com o seu antigo dono
e também proprietário do edifício: José Maria Cerveira. Foi neste desaparecido
espaço de memória e de tertúlias que Adolfo Rocha, mais conhecido como Miguel
Torga, teria concebido muitas das suas obras. Relembro também que este poeta e
escritor era amicíssimo de José Maria Cerveira e companheiros de grandes
caçadas –um dia destes, quando calhar, porque tenho tudo gravado em conversa
com José Maria Cerveira, escreverei estes momentos marcantes para o antigo
gerente do Café Arcádia. Foi um lugar importantíssimo na cidade durante cerca
de meio-século. Por insensibilidade camarária, no final do século passado, este
fantástico café apagou-se sem um pio, ou grito de revolta. Nessa altura, a meu
ver, a edilidade deveria ter tido uma conversa com o meu amigo José Maria no
sentido de o fazer ver que o Café Arcádia deveria continuar em atividade na
Baixa. Ou seja, tentar sensibilizá-lo para que o arrendamento que se seguisse
fosse de café. E até nem seria difícil de obter tal pretensão porque as câmaras
municipais detêm, e já nessa altura também tinham acesso, um instrumento de
defesa de atividades culturais e podem acionar este instrumento jurídico
classificando o negócio de relevante
interesse municipal –o que, na prática, inviabilizava a mudança para outro
ramo diferente, como veio a acontecer aqui.
Ora o que me leva a escrever esta
crónica é que o executivo camarário, que dentro de dias tomará posse com Manuel
Machado a liderar, para além de tentar emendar
a mão de uma démarche que outrora
não desenvolveu, deveria, com urgência, falar com o proprietário e tentar
motivá-lo a arrendar o locado apenas para hotelaria e no sentido de reanimar o
velho café, tal como aconteceu com A
Brasileira mesmo ao lado. Claro que a edilidade já não possui os recursos
de classificação de interesse municipal, mas, conhecendo como conheço José
Maria Cerveira, acredito que tal vontade seria possível.
O que esperam os serviços
culturais da cidade para terem uma conversa com o José Maria do Arcádia, como assim era conhecido nas décadas do
século passado?
SÃO BARTOLOMEU EMBELEZADO
Quem olhou para o chão nos últimos dias, por estas praças
e largos da Baixa, teria reparado que os buracos das árvores, outrora cheios de
lixo e dejetos de animais, estão agora preenchidos com uma matéria própria para
este efeito, à face do chão, e decorados a salpico bege e preto. No centro do
quadrado está uma rodela, em volta da árvore, constituída por borracha. Ou
seja, à medida que a árvore engrossa a matéria sintética vai alargando e, por
isso mesmo, não impedindo o normal desenvolvimento arbóreo.
Trata-se de uma iniciativa do
executivo em final de mandato da Junta de Freguesia de São Bartolomeu inserido
no protocolo de delegação de competências estabelecido entre a autarquia e
aquela representação de fregueses. Ouvido o até há pouco presidente, Carlos
Clemente, foi dito que “depois de tratarmos de tapar os principais buracos que
havia por aqui, na área da freguesia, lançámo-nos a esta empreitada. Ainda
não estão todas arranjadas mas quase”. O número total de copas a embelezar
são 23. O custo unitário de cada árvore ronda sensivelmente os 250 euros.
Ouvindo um comerciante da Praça
do Comércio –que pediu o anonimato-, acerca do que lhe parecia este arranjo, apontando
a saliência quadrada, comentou: “um bom
serviço. Gosto! Isto estava sempre cheio de papéis e porcaria evacuada pelos
animais. Agora é uma beleza. É preciso é não esquecer de que é necessário regar
as árvores, sobretudo as mais novinhas. Tenho feito isso, mas não me compete
fazê-lo”, enfatizou.
A LENA, DO LARGO SARGENTO-MOR, FEZ ANOS
As
cidades são macrocosmos no seu todo. De grosso modo e globalmente, vistas do
céu serão uma mancha onde tudo, mesmo as partículas humanas em movimento, se
encaixa fantasticamente. Habitualmente partimos do princípio de que este
imbricamento é cada vez mais mecânico. Apregoamos, todos, um individualismo
feroz e uma acentuada quebra de solidariedade para com o nosso confinante. Isto
é, que cada um reage em função da sua estrita e premente necessidade. Se é
certo que comportamento gera comportamento, e só cresce quem partilha, a
verdade é que volta e meia somos surpreendidos por manifestações que nos fazem
pensar e derrubam os estereótipos mais solidamente alicerçados em cimento e
ferro de ideias feitas.
Atente no que vou contar. Ora veja
lá se, perante o excecional quadro de simpatia e boa vizinhança, não estamos em
face de um acontecimento extraordinário?! Se enquanto humanos todos somos
animais de imitação, quem escreve tem uma obrigação acrescida de divulgar factos
isolados que levem outros a fazer o mesmo em mimética.
Como que por mistério divino, o
Largo de Sargento-mor apareceu na quarta-feira, logo de manhã, todo engalanado
com bandeirinhas multicolores. Ao meio-dia o Luís Cortez, o nosso cantautor e instrumentista de serviço
diário na animação musical à Baixa, já com o órgão montado no tripé, atirava a
primeira nota acompanhada com “Parabéns a
você… (…) para a menina Lena uma salva de palmas!”. E a Helena Gomes, a “nossa Lena”, do estabelecimento com o
mesmo nome, como é carinhosamente tratada, de lágrimas a saltarem dos seus lindos
olhos negros, apanhada de surpresa neste coletivo lago de ternura, recebeu uma
rosa das mãos de um dos seus compartes.
Naturalmente que o momento solene
exigia umas declarações para o jornalista de ocasião. E a resposta à minha
pergunta saiu assim: “sinto-me muito
feliz, senhor Luís. Tenho um marido e dois filhos que são o meu tesouro. Pode
parecer paradoxal, mas sinto-me confortada com esta crise. É nestes momentos que
vemos despertar outros valores que estavam arrumados nas catacumbas do mental silêncio
individualista. Muito obrigado! Bem-haja, bons vizinhos do meu coração!”
A BAIXA A BOMBAR
Na última sexta-feira, da semana
passada, a Baixa esteve repleta de sons e cores musicais. Apesar de, volta e
meia, São Pedro mandar chuva para cima de quem ousava quebrar o silêncio
rotineiro das palacianas ruas, mesmo assim, quase uma vintena de agrupamentos
deram vida a esta parte da cidade. Sobre o lema “Coimbra a Bombar” e numa iniciativa da Associação de Paralisia
Cerebral de Coimbra (APCC), em parceria com o Conservatório de Música de
Coimbra e com a colaboração da edilidade, houve alegria em ondas gigantescas de
satisfação.
Foi possível assistir a vários
géneros musicais, desde gaiteiros a quartetos de cordas até um quinteto muito
especial, o “Grupo Amizade”, formado
por cinco idosos moradores nos bairros periféricos da cidade, e que deram vida
à Rua Ferreira Borges durante a manhã. Esta formação, constituída pelo António
Teles, Maria Isabel, Ludovina Santos e Manuela Brás, faz parte do Centro
Comunitário de S. José e sob a égide da Cáritas. Através da alegria, com as
suas vozes afinadas, espalhando o canto e o encanto prestam serviço comunitário.
Entre o Largo da Portagem e a
Praça 8 de Maio, durante a tarde, centenas de crianças, alunos de várias
escolas, e utentes de várias instituições congéneres da APCC, com as suas
diferenças mostraram que, sendo a música a maior linguagem universal entre
humanos, é possível caminharmos para a inclusão social e, apesar das
desigualdades, tornarmos este mundo mais socializado. Pelos seus sorrisos
rasgados de contentamento, no ribombar dos seus bombos e outros instrumentos de
percussão, deram um colorido diferente num dia que para sempre ficará nas suas
memórias. A todos, pela disponibilidade manifestada, a Baixa agradece.
REFLEXÃO: A MODA DA “REMODELAÇÃO”
Neste sábado, último, após
algumas filas para vender o estoque existente durante vários dias, encerrou a Loja Portuguesa, na Rua das Padeiras.
Nos vidros forrados a papel um
pequeno quadro se salienta: “fechados para
remodelação”. Aqui na Baixa, desde as Ruas largas, da Sofia, Ferreira
Borges e Visconde da Luz, até aos becos estreitos, a levarmos em conta os
imensos estabelecimentos na mesma situação, com mensagens iguais, tudo indica
que este final de ano de 2013, com tantas obras em perspectiva, construção
civil e decoração, vai ser bom para o PIB, Produto Interno Bruto. Afinal o
comércio está com bons indicadores. Quem ousa dizer, ou escrever, o contrário?
Os pessimistas e velhotes do Restelo,
boateiros do costume, como eu, naturalmente! Apetece-me gritar bem alto, mesmo
que só eu me ouça: porque não te calas,
alma penada?!
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