(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Nesta última segunda-feira,
subitamente, como na ressaca de um temporal que varreu tudo pela fúria dos
elementos, a Baixa acordou calma. Não se ouviam as buzinas estridentes dos
automóveis. As ruas, como sempre estiveram até há cerca de três semanas,
apresentavam-se calmas e sem agitação, vazias de pessoas, com muitas lojas
fechadas. As abertas, resistentes, com alguns comerciantes nas portadas com cara de
quem já acreditou mais num passado, que se foi, do que num futuro que se
avizinha.
Prostrado na porta, tendo por
fundo uma média luz amarelada refulgente e que esboçava os contornos, o profissional
da venda mais parecia uma imagem sacra em oratório de catedral medieval. Mas não
deveria ser assim, afinal, mais uma vez, e já tantas que se perdeu a conta, acabou
de se concretizar mais uma eleição autárquica. O homem deveria estar feliz. Se
calhar, quem sabe, o candidato ganhador não foi o eleito do seu voto. E será
que ele teria ido votar? Quase de certeza que não. É um descrente. Perdeu completamente
a fé num Deus feito à imagem de gente e num humano transformado em divindade. Por
já não confiar nos partidos políticos, por não acreditar em promessas vazias
dos pretendentes ao trono, o mais provável é ter feito parte dos cerca de 40
por cento de abstencionistas nacionais -47 por cento, segundo os dados
oficiais, mas com mais de um milhão de eleitores fantasmas. Quem sabe, não
estaria o homem indignado por nestes últimos meses haver dinheiro para tudo menos
para a actualização premente dos cadernos eleitorais?
Bom, às tantas aquela tristeza
toda poderia ter sido pelo facto de o candidato da Coligação por Coimbra,
Barbosa de Melo ter sido apeado. Seria isso? Naã… não me parece! Não foi
surpresa. Caiu porque tinha mesmo de cair. O ciclo estava esgotado. Não por
total inabilidade dele – se bem que também alguma. Nestes dois últimos anos, na
edilidade, nunca largou as vestes de professor universitário. Voz palheta de
solista, trato fino e requintado e charme de bom burguês. Foi sempre o
paradigma do senhor doutor –um estereótipo agridoce, amado e odiado, numa urbe
de estudantes. Por outro lado, mesmo que o anátema do Governo não pesasse e ele
fosse diferente, como encosto, trazia
consigo, em espírito de maldição, o peso de muitos falhanços na cidade, sendo o
mais notório o Metro Ligeiro de Superfície. Não por culpa de Barbosa, mas do
anterior presidente Encarnação, que comeu o bolo e deixou a fava a este seu sucessor.
Portanto, num rotativismo já tão nosso conhecido, o fim estava anunciado.
Mas por que razão não estaria o
comerciante com o rosto iluminado de felicidade? Habemus um novo presidente! Poderia ser esta a frase. É certo que
novo, novo, não é. Manuel Machado regressou à casa, símbolo da negação da aspiração popular, que conhece bem, ao fim de uma dúzia de anos
de ausência forçada. Para além disso, no seu discurso de vitória até disse que
o seu mandato será orientado para a valorização da cidade, com inovação e
criação de empregos. Disse também que vai baixar os impostos municipais. Como as contradições fazem sempre parte, por
um lado, prometeu uma governação inclusiva, “em que todos temos de puxar mais fundo pela raiz identitária dos
conimbricenses”. Por outro, contrariando-se, teve uma palavra de ameaça ao
afirmar que “aqueles que tentaram, sem
sucesso, minar a nossa determinação. Esses não terão lugar na nossa cidade
renovada”, in Diário de Coimbra. Teria sido por esta manifestação sem ética de vencedor, onde deve predominar o respeito pelos vencidos, que o
comerciante estaria apreensivo?
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