(Imagem da Web)
À hora de almoço encontrei o Rui Petas sentado
na esplanada do Café Santa Cruz, ao lado da Igreja com o mesmo nome e onde o
nosso pai eterno, Dom Afonso, dorme o sono solto dos patifórios que batem na
mulher lá em casa. O Rui é um gajo porreiro e bom filho. Normalmente não é
muito incomodativo com frases muito vincadas e até passa despercebido. É muito
virado para ambiguidade. Aliás, é tão bom filho que para agradar ao pai e à
mãe, tanto gosta de homens como mulheres –é bissexual, pronto! E ninguém tem
nada com isso! Homessa! Tanto come carne vermelha rachada como um bom chourição
de Trás-os-Montes –pelo menos até agora, que eu saiba, sempre foi assim.
Hoje estava cabisbaixo e muito pensativo. Por
mais que passasse à sua frente um machão ou um bom coirão –sem ofensa, é claro!- o
Petas não deslocava o queixo da mão em concha nem abria os olhos. Palavra de
honra, fiquei preocupadíssimo. Pensei logo que tinha acontecido alguma coisa
com uma figura do Governo que lhe é muito chegada. Para o fazer olhar para mim
foi mesmo um castigo. Tive de o abanar fortemente e dar-lhe um cachação no
pescoço. Até que, finalmente, abriu as cortinas e, mirando-me profundamente,
deu em chorar que parecia uma criança. Com algum constrangimento –que não gosto
muito de confusões- lá lhe dei um forte abraço e acompanhado de frases soltas e
calóricas de grande amizade e carinho.
-Então,
então, meu amigo, o que é que se passa? Interroguei com a minha melhor voz
e embrulhada em melaço mais adocicado que os pastéis de nata, da extinta Nata Lisboa.
-Ai, nem sei como te
conte, meu amigo! Replicou com ênfase, e ao mesmo tempo que retirava
das catacumbas da alma um profundo suspiro –tão grande que até o senhor Urbano,
o nobel engraxador do café, estremeceu.
-Ora, ora, Rui! Desabafa! Sabes bem que sou teu amigo
do peito, carago! Enfatizei rebuscando uma frase que já vira num teatro
qualquer.
-Estou muito ensimesmado, caríssimo! Certamente ouviste
e leste antes de ontem a declaração da OMS, Organização Mundial de Saúde, em
que consideravam as carnes vermelhas e outras processadas, como as salsichas, a
morcela e o salpicão passíveis de provocar cancro? E agora? Vou comer o quê?
E a última frase foi proferida em grito lancinante. Tão angustiante que até a
Lena, do quiosque Espírito Santo, saiu espavorida e com cara de assustada do
pequeno espaço que lhe sobra entre livros, jornais e revistas, e é razão directa
de ser tão magrinha.
-Bolas, Petas, não estejas assim! Passas a comer
peixe! Tentei contemporizar.
-Não gosto de peixe, pá! Eu gosto é de engolir
salsicha, morcela grossa, chouriça e salpicão. Só me dou bem com carnes
processadas. Adoro carne vermelha, porra! E agora? Esta última palavra
foi mesmo num grito profundo. Tão cavernoso que até o José Cruz, um dos sócios
do reputado café, veio a correr com uma vassoura na mão por pensar que estavam
a violar alguém na sua esplanada.
Como me estava a sentir incomodado com todo
aquele cenário de tristeza tive de abandonar o Rui Petas à sua melancolia.
Realmente! Aqueles tipos lá da OMS só pensam neles. É o que é!
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