quarta-feira, 28 de outubro de 2015

EDITORIAL: O MUNDO AO CONTRÁRIO

(Imagem do jornal Público)


Começo por dizer que já sou velho. Não aquele velhinho ancião de bengala na mão direita, curvado e psicologicamente vencido pela idade, mas um desgastado que, apesar da meia-idade, se tornou precocemente envelhecido. Nasci em 1956, ano em que Zacarias Oliveira publicou a “Teoria do Jornalismo”, aqui, e que analisa a imprensa católica. “Refere o autor que, para ele, assim como para a maior parte das pessoas, “os jornais têm grande importância, uma vez que os jornais entraram no lugar comum da existência. Influenciam, esclarecem, orientam, determinam. Numa caracterização do jornalista o autor afirma que este é “um ser de excepção”, porque “é um homem marcado pela inquietação da verdade, pela beleza que ele não descobre” e porque “é um especialista da verdade e do bom senso”. Alguns fins da imprensa são, segundo o livro, “calar a nossa curiosidade”, “vencer distâncias e aproximar os homens”.
Socorri-me deste apontamento para tentar perceber como é que neste ano de 2015, em que parece que estamos em democracia e a imprensa é, de facto, um sustentáculo do regime, um tribunal, no caso o Tribunal da Comarca de Lisboa, ainda que em Providência Cautelar, pode suspender e proibir um grupo de informação, com televisão, jornais e revistas, de publicar notícias sobre determinado processo -mesmo até que esteja em causa o segredo de justiça. Como se vê, o grupo é a Cofina, do jornal “Correio da Manhã”, e o processo é a “Operação Marquês” e visando directamente o arguido José Sócrates.
Precisamente pelo antecedente extraído do Estado Novo (1933-1974), em que a toda a imprensa era visada pela “Comissão de Censura”, foi plasmado na Constituição da República Portuguesa, no artigo 38, a “Liberdade de Imprensa e meios de Comunicação Social”. Nesta cláusula, no ponto 1, é imperativo: “É garantida a Liberdade de Imprensa”. No ponto 2 está doutrinado: “A liberdade de imprensa implica: a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional;”
Antes de avançar, para tentar compreender a motivação do juiz na suspensão de uma prerrogativa constitucional, só poderemos entender que a defesa de Sócrates conseguiu provar ao tribunal que o grupo Cofina se orienta por princípios de “natureza doutrinária ou confessional” – e aqui, na minha natural ignorância funcional, gostava de saber o que significa a “natureza doutrinal ou confessional”. Por doutrinal, segundo o dicionário Priberam: Doutrinal; do doutrinarismo; Pessoa que participa na elaboração de uma doutrina; Conjunto de teorias ou ideias”. Por confessional: “Relativo ou semelhante a confissão (ex.: tom confessional). Relativo a uma crença religiosa”. Isto é, se eu já era ignorante ainda fiquei mais. Acontece que eu sou inculto demais mas não sou parvo de todo e consigo entender que, numa forma pouco clara, o legislador com este emaranhado queria dizer simplesmente que sempre que estiver em causa a doutrina (ideologia) fascista ou confissões (religiosas) que visem a violência a interdição está justificada –e diz isto mesmo no número 4 do artigo 46º, relativo a Liberdade de Associação: “ Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.”
Ou seja, especulando e em silogismo, devemos entender que, na óptica do tribunal, o grupo de media defende a ideologia fascista –já que a contrária, esquerda radical, não é contemplada na magna carta- e porque certamente não sustentarão uma qualquer seita religiosa. Como não sabemos mais nada, ficamos por aqui.
É evidente que a minha alma está parva. Só me falta mesmo ver um porco a andar de bicicleta. Mas deve faltar pouco. E ainda fica mais quando depois de ter visto na televisão, no último fim-de semana, o ex-primeiro-ministro socialista –arguido, suspeito, mas também inocente até ao transitado em julgado- numa conferência em Vila Velha de Ródão sobre política e justiça ser aplaudido de pé.
Como velhote, é como se tudo em que acreditava, aos poucos, se esteja a desmoronar.  Já não vejo os defensores deste regime denunciarem atentados à democracia. Ou o pugnar pela liberdade depende da cara de quem está em causa? Se calhar! Verdadeiramente, este não é mesmo o meu tempo. Estou ultrapassado. Sou anacrónico, pronto! Ou melhor, ponto e parágrafo.


Sem comentários: