sábado, 24 de agosto de 2013

ONDE ESTÁ A ALEGRIA?





 O país sempre teve altos e baixos ao longo da sua história. A felicidade sempre andou de braço dado com a economia. Não haverá gente feliz com fome, ou outras carências elementares ao desenvolvimento social. Comparando com os últimos dois séculos, XIX e XX, tenho por costume apreender os estados de alma através da fotografia. Se atentarmos nas expressões faciais dos retratados, desde os primórdios do retrato por volta de 1860 até aos nossos dias, verificamos que progressivamente se vão abrindo mais até ao completo sorriso aberto. Se o que defendo estiver certo, o máximo contentamento teria sido alcançado entre os princípios das décadas de 1970 até aos finais de 1980 -atingindo o zénite, o pleno em 1989, com a convergência mundial da queda do Muro de Berlim e com a ascensão nacional da entrada diária de muitos milhões pela adesão de Portugal à então CEE, Comunidade Económica Europeia.
Se olharmos os retratos destes vinte anos, entre 1970 e 1980, vemos gente a sorrir desbragadamente. Normalmente ao lado de um automóvel –símbolo da ostentação, da realização económica e conquista financeira-, com a face completamente aberta, cheia de luz, olhos brilhantes, e de aspecto desligado e despreocupado, homens e mulheres mostram-se de cabelos soltos, posições informais, e trajes leves com muita cor –outro pormenor importante, o colorido sempre foi a projecção do interior de cada um de nós. Se estivermos bem vestiremos roupas de cores vivas entre o vermelho, o amarelo, o verde alface e o azul-marinho. Se estivermos assim-assim envergaremos cores neutras entre o branco e o verde-garrafa. Se a mágoa, a angústia, nos atropela a alma e a depressão bate à porta é mais que certo que as cores predominantes serão todas escuras, carregadas de luto, entre o preto e os tons cinza.
Até 1970, em Portugal, falando no geral da população mais empobrecida e não em nichos de classes abastadas, no vestir, predominava o cinzento, o preto, o castanho e o azul-escuro. Para quem não souber, uma família humilde adquiria um agrupado cerimonial, o chamado conjunto de sair, constituído por roupas e um único par de sapatos, que se mantinha durante décadas. Eram apenas usadas em festas, cerimónias e afins. No fim do desse dia, como soldados de volta à Pátria em eterno retorno, regressavam ao cabide de um qualquer canto do lar –lembro-me de o meu pai manter na sua posse um fato castanho, calça e casaco, talvez mais de vinte e cinco anos. Nos restantes dias da semana as roupas de uso vulgar eram esticadas até ao infinito da sua durabilidade com remendos, extensões e outros acrescentos em milagre de vida.
A partir do princípio de 1970, assistiu-se à invasão de algumas, poucas, marcas de ganga, moda vinda dos Estados Unidos e usada pelos cowboys naquele país americano. Este vestir aligeirado foi acompanhado com a simplicidade das restantes vestimentas. Aos poucos as cores apagadas e sem brilho passaram a ser relevadas para o acto cerimonial, para festas e casamentos, e os garridos tomam tudo de assalto. Por sua vez o acesso a grandes e pequenas marcas democratizou-se e, com o pronto-a-vestir a substituir a confecção por medida, o preço dos têxteis, mesmo sem a Globalização e a entrada da China sem restrições que ocorreu em 2004, foi embaratecendo cada vez mais.
 A seguir a esse período áureo, o maior rasgo de dor, e talvez a primeira ruga de muitas outras que se seguiriam, na alegria universal aconteceu em 1990 com a Guerra do Golfo, com a invasão do Kwait por tropas do Iraque e posteriormente com o envolvimento no conflito de países em coligação. Apesar da nuvem de crédito fácil que espalhou o consumo, é também nesta década de 1990 que se começou a assistir a ilhas de pobreza e que daria origem à criação do Rendimento Mínimo de Garantia, implementado por António Guterres em 1996 e que tanta celeuma fez correr. Com a indigência sempre a crescer, apesar de aparentes picos exteriores de riqueza localizados em eventos como a Expo 98, no país, estavam lançadas as bases da tristeza que nunca mais deixaria de se acentuar.
Mais uma vez um grande acontecimento a nível mundial viria espalhar a angústia em todo o planeta e na qual não ficámos imunes: o derrube das Torres Gémeas, em Setembro de 2001. Com a alegria a desaparecer drasticamente dos semblantes dos portugueses, entre a euforia e o desânimo, assistimos à vitória de Durão Barroso nas eleições legislativas de 2002 e a sua posterior fuga, em 2004, para um exílio dourado, em que assumiu o cargo de presidente da Comissão Europeia, e subiu ao pódio ministerial Santana Lopes, e, também neste ano, o Campeonato Europeu de Futebol com a construção de vários estádios e que tanta tinta fez correr. E o nosso sorriso passou já a ser uma sombra lunar de outros tempos recentes.
Em 2005 subiu à tribuna José Sócrates e, fazendo analogia com o Reino do Botão, prometeu trazer a felicidade a todos os nativos do rectângulo. Em busca incessante de um novo D. Sebastião que expulsasse o nosso pesar, nem foi difícil acreditar neste vendilhão do templo, e servo de um tempo perdido. Porém, dos fumos e da bruma política celestial só saiu mais tristeza e sofrimento exangue para todos os nacionais. De repente estávamos no fim do poço da melancolia e só restava procurar defesas. Tentando resistir a tanta mentira colámos no rosto uma máscara de entristecimento que nunca mais se descolou. Pensávamos que seria o fim da linha. Mas não era. Para além do limite admissível, onde as forças pareciam estar no máximo e em tensão, verificámos, todos, que afinal ainda havia mais espaço para o padecimento. Com o actual primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, tivemos que colocar mais uns traços de esgar na já padecente máscara de plangência. Somos agora um povo de fado negro, de fazer chorar as pedras - muito mais choradinho do que o Fado da Saudade, da Amália-, atrás de um destino que teima em nos empurrar para a infelicidade do século XIX. É muito triste! Não é?

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