O país sempre teve altos e baixos
ao longo da sua história. A felicidade sempre andou de braço dado com a
economia. Não haverá gente feliz com fome, ou outras carências elementares ao
desenvolvimento social. Comparando com os últimos dois séculos, XIX e XX, tenho
por costume apreender os estados de alma através da fotografia. Se atentarmos
nas expressões faciais dos retratados, desde os primórdios do retrato por volta
de 1860 até aos nossos dias, verificamos que progressivamente se vão abrindo
mais até ao completo sorriso aberto. Se o que defendo estiver certo, o máximo
contentamento teria sido alcançado entre os princípios das décadas de 1970 até
aos finais de 1980 -atingindo o zénite, o pleno em 1989, com a convergência
mundial da queda do Muro de Berlim e com a ascensão nacional da entrada diária
de muitos milhões pela adesão de Portugal à então CEE, Comunidade Económica
Europeia.
Se olharmos os retratos destes
vinte anos, entre 1970 e 1980, vemos gente a sorrir desbragadamente. Normalmente
ao lado de um automóvel –símbolo da ostentação, da realização económica e conquista
financeira-, com a face completamente aberta, cheia de luz, olhos brilhantes, e
de aspecto desligado e despreocupado, homens e mulheres mostram-se de cabelos
soltos, posições informais, e trajes leves com muita cor –outro pormenor importante,
o colorido sempre foi a projecção do interior de cada um de nós. Se estivermos
bem vestiremos roupas de cores vivas entre o vermelho, o amarelo, o verde
alface e o azul-marinho. Se estivermos assim-assim envergaremos cores neutras
entre o branco e o verde-garrafa. Se a mágoa, a angústia, nos atropela a alma e
a depressão bate à porta é mais que certo que as cores predominantes serão
todas escuras, carregadas de luto, entre o preto e os tons cinza.
Até 1970, em Portugal, falando no
geral da população mais empobrecida e não em nichos de classes abastadas, no
vestir, predominava o cinzento, o preto, o castanho e o azul-escuro. Para quem
não souber, uma família humilde adquiria um agrupado cerimonial, o chamado conjunto de sair, constituído por
roupas e um único par de sapatos, que
se mantinha durante décadas. Eram apenas usadas em festas, cerimónias e afins.
No fim do desse dia, como soldados de volta à Pátria em eterno retorno,
regressavam ao cabide de um qualquer canto do lar –lembro-me de o meu pai
manter na sua posse um fato castanho, calça e casaco, talvez mais de vinte e
cinco anos. Nos restantes dias da semana as roupas de uso vulgar eram esticadas
até ao infinito da sua durabilidade com remendos, extensões e outros
acrescentos em milagre de vida.
A partir do princípio de 1970, assistiu-se
à invasão de algumas, poucas, marcas de ganga, moda vinda dos Estados Unidos e
usada pelos cowboys naquele país
americano. Este vestir aligeirado foi acompanhado com a simplicidade das
restantes vestimentas. Aos poucos as cores apagadas e sem brilho passaram a ser relevadas para o acto cerimonial, para festas e casamentos, e os garridos
tomam tudo de assalto. Por sua vez o acesso a grandes e pequenas marcas
democratizou-se e, com o pronto-a-vestir a substituir a confecção por medida, o
preço dos têxteis, mesmo sem a Globalização e a entrada da China sem restrições
que ocorreu em 2004, foi embaratecendo cada vez mais.
A seguir a esse período áureo, o maior rasgo
de dor, e talvez a primeira ruga de muitas outras que se seguiriam, na alegria universal
aconteceu em 1990 com a Guerra do Golfo, com a invasão do Kwait por tropas do
Iraque e posteriormente com o envolvimento no conflito de países em coligação. Apesar
da nuvem de crédito fácil que espalhou o consumo, é também nesta década de 1990
que se começou a assistir a ilhas de
pobreza e que daria origem à criação do Rendimento Mínimo de Garantia, implementado
por António Guterres em 1996 e que tanta celeuma fez correr. Com a indigência
sempre a crescer, apesar de aparentes picos exteriores de riqueza localizados
em eventos como a Expo 98, no país, estavam lançadas as bases da tristeza que
nunca mais deixaria de se acentuar.
Mais uma vez um grande
acontecimento a nível mundial viria espalhar a angústia em todo o planeta e na
qual não ficámos imunes: o derrube das Torres Gémeas, em Setembro de 2001. Com
a alegria a desaparecer drasticamente dos semblantes dos portugueses, entre a
euforia e o desânimo, assistimos à vitória de Durão Barroso nas eleições legislativas
de 2002 e a sua posterior fuga, em 2004, para um exílio dourado, em que assumiu
o cargo de presidente da Comissão Europeia, e subiu ao pódio ministerial Santana
Lopes, e, também neste ano, o Campeonato Europeu de Futebol com a construção de
vários estádios e que tanta tinta fez correr. E o nosso sorriso passou já a ser
uma sombra lunar de outros tempos recentes.
Em 2005 subiu à tribuna José
Sócrates e, fazendo analogia com o Reino do Botão, prometeu trazer a felicidade
a todos os nativos do rectângulo. Em busca incessante de um novo D. Sebastião
que expulsasse o nosso pesar, nem foi difícil acreditar neste vendilhão do templo, e servo de um tempo
perdido. Porém, dos fumos e da bruma política celestial só saiu mais tristeza e
sofrimento exangue para todos os nacionais. De repente estávamos no fim do poço
da melancolia e só restava procurar defesas. Tentando resistir a tanta mentira
colámos no rosto uma máscara de entristecimento que nunca mais se descolou.
Pensávamos que seria o fim da linha. Mas não era. Para além do limite
admissível, onde as forças pareciam estar no máximo e em tensão, verificámos,
todos, que afinal ainda havia mais espaço para o padecimento. Com o actual primeiro-ministro,
Pedro Passos Coelho, tivemos que colocar mais uns traços de esgar na já
padecente máscara de plangência. Somos agora um povo de fado negro, de fazer
chorar as pedras - muito mais choradinho do que o Fado da Saudade, da Amália-, atrás de um
destino que teima em nos empurrar para a infelicidade do século XIX. É muito
triste! Não é?
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