Ontem ardeu o restaurante Casino
da Urca, em Santa Clara, junto ao Portugal dos Pequenitos. Foi um dia triste, de
inenarrável memória, trágico de mais para os irmãos Barbosa que dali extraiam
o seu pão e davam trabalho a funcionários -e também para um casal residente no primeiro andar que, pelos vistos, perdeu tudo. Ainda me lembro bem do João, irmão
dos actuais donos, que faleceu há cerca de 25 anos, e que, na década de 1980,
tomou conta deste antigo estabelecimento.
Ontem, foi já tarde quando soube
que este marco histórico da hotelaria da cidade, num ápice, tinha desaparecido.
É uma coisa incrível como num sopro o fogo tudo consome. O problema é que os
centros históricos das cidades estão entregues à sua própria sorte. A maioria
do casario, como era o caso deste prédio onde funcionava o Casino da Urca, é
centenária e com pisos em madeira. Acontece que as companhias de seguros
negam-se a segurar estes edifícios. Ou, no limite, podem até apresentar
propostas mas o custo do prémio pretendido é tão desmesuradamente elevado que torna
impossível segurar qualquer edifício nestas condições –não estou a escrever por
acaso. Sinto na pele este problema todos os dias. Tenho um pequeno edifício na
Baixa da cidade. Nos últimos anos tentei que várias companhias de seguros se interessassem
para segurar o imóvel. Depois de saberem que os pisos são em madeira nem uma
única proposta me foi dada a conhecer. O meu caminho e de todos os pequenos proprietários
de prédios antigos na cidade –e no país- é rezar, todos os dias, a todos os
santinhos que nos valham em caso de aflição. Estamos todos entregues a um
destino que não se sabe muito bem onde começa nem onde acaba. É escandaloso que
ninguém, quer o Governo, quer as autarquias locais, se preocupe com a situação futura
dos micros proprietários de imóveis nas cidades velhas. É que em caso de
tragédia qualquer pequeno dono de imóvel, ou pelo menos uma maioria, não tem
dinheiro para a reconstrução. O Governo, quanto antes, deveria criar um regime
especial de segurança que obrigasse as seguradoras a chamar a si os seguros. É
um absurdo exigir-se mil e um cuidados
na preservação da monumentalidade histórica particular, raiando mesmo o
metafísico, e nada se faça para assegurar o futuro em caso de cataclismo. Não
sei muito bem mas aposto que a maioria destes prédios velhos, como é o caso do
acidentado de ontem, não têm qualquer instrumento que lhe garanta a reconstrução. Ora, é fácil de ver, assim perde duas vezes um bem que, em muitos
casos, tanto lhe custou a ganhar.
Como é normal, comecei a escrever
este texto com uma intenção e, como romeiro em busca do Santo Graal, acabei a
tocar outros pontos. Escrevia eu logo na introdução desta crónica que foi já
tarde que soube deste desastre enorme para os irmãos Barbosa. Mesmo assim, numa
espécie de ver para crer, ou talvez uma homenagem ao que foi o Casino da Urca, passei
lá eram cerca das 3h00 da manhã e tirei a fotografia. Enquanto captava várias
imagens naquela rua deserta e silenciosa, mais parecendo um cenário
apocalíptico de guerra, dentro do prédio ardido, comecei a ouvir ruídos de
vidros a arrastar, como se alguém, naquela miséria visual, se aproveitasse para
furtar o que ainda havia para surripiar. Como estava sozinho não me aventurei a
investigar, no entanto liguei para a PSP. Não sei se lá se teriam deslocado e apanharam
alguém. O que gostaria de salientar é que é triste acontecer uma coisa destas e,
sem qualquer respeito por quem perdeu tudo, haver pessoas a comportarem-se como
abutres, aves de rapina que tudo serve para encher a pança. Bem sei que tudo isto que plasmo é filosofia. Apesar de que
o que vou escrever não gerar consenso, todo o homem é, intrinsecamente, um
ladrão em potência. Dependendo o acto apenas de três factores: da vontade, da oportunidade
e da necessidade. Se assim não fosse o roubo e o furto não teriam tanta
indispensabilidade de constar no ordenamento jurídico. Por mais formação na educação
que se empregue, sempre assim será até ao dealbar dos séculos. Mas é triste ver
uma coisa daquelas. Fica aqui o desabafo… se é que interessa para alguma coisa.
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