(Imagem da Web)
Algumas das cartas distribuídas
hoje, dia 19, na Baixa de Coimbra, pelo carteiro, tinham carimbo de recepção
dos CTT de 9 e 14 deste mês de Agosto. De salientar que algumas delas eram
provenientes de Cantanhede, que dista cerca de 20 quilómetros da cidade dos
estudantes. E fazendo alguma graça desta desgraça de insensibilidade e falta de
respeito por parte dos Correios para com os cidadãos, poderíamos escrever que
valia mais ter sido enviada a correspondência de burro, ou a pé, que chegaria
mais cedo ao destinatário.
Já muito se escreveu sobre o
encerramento de muitos postos dos CTT por este Portugal fora e, sobretudo, nos
custos sociais que tais medidas perfeitamente arbitrárias, economicistas e
que visam somente a privatização dos serviços, e, sendo assim, o que vou
escrever não será nada de novo. Aliás, ainda há dias, mais precisamente na
última sexta-feira, segundo o Diário de Coimbra, cerca de 70 trabalhadores
manifestaram-se na Praça 8 de Maio, na cidade, contra a precariedade laboral na
empresa. Ressalvavam que “O serviço não está a ser devidamente prestado às
populações. Há correio fechado em caixas durante duas a três semanas no centro
de distribuição, por falta de organização, não por culpa dos trabalhadores (…)”.
Para além dos manifestos prejuízos
do emissor e receptor –imaginemos de que se trate de prazos que impliquem
prescrição por parte dos tribunais- há questões sociais, de fundo, que é
preciso analisar. Será que ninguém vê que se está a sacrificar a escrita manual
enquanto meio de expressão cultural e se está a empurrar a população para as
comunicações virtuais –e aqui surge outra interrogação: o que irá fazer metade
da nossa população portuguesa que, por não saber lidar com esta nova forma de
analfabetismo, não tem acesso aos computadores? Sabemos todos que a escrita é
um meio para nos tornarmos melhores pensadores. Sabemos também que, comparando
com a carta física, para o emissor escrever em correio electrónico é sempre
mais sucinto e implica menos reflexão, na estética e nos cuidados com a língua.
Será que não se deveria especular sobre o que vai acontecer ao português escrito
no futuro, tendo em conta como o conhecemos hoje? E os CTT, enquanto Correios
de Portugal com longo passado histórico, não tem nenhuma responsabilidade
social e pode lavar as mãos assim desta maneira vil, fria e, enquanto empresa,
somente visando os seus próprios interesses financeiros? Isto tudo para além de
que estamos perante uma escandalosa violação do princípio da igualdade, de
acesso e oportunidade, por disfunção de conhecimento para muitos cidadãos.
Vivemos um tempo de lógica
estritamente assente entre o Deve e o
Haver. Não é que uma gestão correcta
não implique uma criteriosa gestão de meios. Nada disso! O que se contesta é
que, abruptamente e a coberto da crise, desapareceu o raciocínio, entre o
importante e o supérfluo, que no chamado Estado
de Bem-estar Social justificava os serviços essenciais. Isto é, até há
pouco havia uma noção corrente de serviços mínimos que mesmo apresentando algum
prejuízo –que não é o caso em análise e que até dá lucro- eram tão indispensáveis
para o desenvolvimento das populações que se aceitava a sua inscrição no
vermelho e, por isso mesmo, estavam sujeitos à subsidiaridade de outros
impostos. Refiro, como já se viu, os transportes públicos, a escola pública, o
Serviço Nacional de Saúde e, no caso, a distribuição de correspondência, os
correios. Nos últimos tempos, com o argumento da privatização, porque o Estado não é bom gestor, invoca-se,
estamos a assistir a um desmantelamento de todas estas prestações públicas e,
num plano urdido e pensado de muitos anos, a serem descaradamente entregues aos
privados. Como exemplo mais remoto, a electricidade e as comunicações, que já
há muito foram serviços privatizados. As águas, a recolha de lixo, seguem o mesmo
destino, o caminho da total particularização. Os resultados deste desligamento
do Estado em funções vitais da economia e que ainda garantia algum sentimento
de equidade estão à vista de todos: estamos à beira da miséria colectiva. Actualmente
o cidadão comum, como se fosse prisioneiro de um sistema ditatorial, mal
consegue ganhar para pagar estes fundamentais instrumentos de bem-estar.
Não sei se estamos ou não no centro,
no núcleo, do olho do vulcão do chamado
ultra-liberalismo, selvagem, individualista. O que sei, e, tal como outros,
sinto na pele, estamos na barbárie, num caos colectivo em que a ordem se
vislumbra facilmente e a quem beneficia, cujo impacto social na vida de quem
trabalha e no cidadão comum, reformados e outros, –não os privilegiados que
vivem em ilhas de grande riqueza
ostentativa- são terríveis e catastróficas. Apesar de uma repulsa continuada
por quem nos governa nas últimas décadas, que conduz ao desânimo e à morte por
suicídio, com a desculpa de que “nunca mais
me apanham a votar”, continuamos alheios a um fim anunciado e a um futuro
que é já amanhã.
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