segunda-feira, 19 de agosto de 2013

EDITORIAL: VOLTAR AO BURRO

(Imagem da Web)


 Algumas das cartas distribuídas hoje, dia 19, na Baixa de Coimbra, pelo carteiro, tinham carimbo de recepção dos CTT de 9 e 14 deste mês de Agosto. De salientar que algumas delas eram provenientes de Cantanhede, que dista cerca de 20 quilómetros da cidade dos estudantes. E fazendo alguma graça desta desgraça de insensibilidade e falta de respeito por parte dos Correios para com os cidadãos, poderíamos escrever que valia mais ter sido enviada a correspondência de burro, ou a pé, que chegaria mais cedo ao destinatário.
Já muito se escreveu sobre o encerramento de muitos postos dos CTT por este Portugal fora e, sobretudo, nos custos sociais que tais medidas perfeitamente arbitrárias, economicistas e que visam somente a privatização dos serviços, e, sendo assim, o que vou escrever não será nada de novo. Aliás, ainda há dias, mais precisamente na última sexta-feira, segundo o Diário de Coimbra, cerca de 70 trabalhadores manifestaram-se na Praça 8 de Maio, na cidade, contra a precariedade laboral na empresa. Ressalvavam que “O serviço não está a ser devidamente prestado às populações. Há correio fechado em caixas durante duas a três semanas no centro de distribuição, por falta de organização, não por culpa dos trabalhadores (…)”.
Para além dos manifestos prejuízos do emissor e receptor –imaginemos de que se trate de prazos que impliquem prescrição por parte dos tribunais- há questões sociais, de fundo, que é preciso analisar. Será que ninguém vê que se está a sacrificar a escrita manual enquanto meio de expressão cultural e se está a empurrar a população para as comunicações virtuais –e aqui surge outra interrogação: o que irá fazer metade da nossa população portuguesa que, por não saber lidar com esta nova forma de analfabetismo, não tem acesso aos computadores? Sabemos todos que a escrita é um meio para nos tornarmos melhores pensadores. Sabemos também que, comparando com a carta física, para o emissor escrever em correio electrónico é sempre mais sucinto e implica menos reflexão, na estética e nos cuidados com a língua. Será que não se deveria especular sobre o que vai acontecer ao português escrito no futuro, tendo em conta como o conhecemos hoje? E os CTT, enquanto Correios de Portugal com longo passado histórico, não tem nenhuma responsabilidade social e pode lavar as mãos assim desta maneira vil, fria e, enquanto empresa, somente visando os seus próprios interesses financeiros? Isto tudo para além de que estamos perante uma escandalosa violação do princípio da igualdade, de acesso e oportunidade, por disfunção de conhecimento para muitos cidadãos.
Vivemos um tempo de lógica estritamente assente entre o Deve e o Haver. Não é que uma gestão correcta não implique uma criteriosa gestão de meios. Nada disso! O que se contesta é que, abruptamente e a coberto da crise, desapareceu o raciocínio, entre o importante e o supérfluo, que no chamado Estado de Bem-estar Social justificava os serviços essenciais. Isto é, até há pouco havia uma noção corrente de serviços mínimos que mesmo apresentando algum prejuízo –que não é o caso em análise e que até dá lucro- eram tão indispensáveis para o desenvolvimento das populações que se aceitava a sua inscrição no vermelho e, por isso mesmo, estavam sujeitos à subsidiaridade de outros impostos. Refiro, como já se viu, os transportes públicos, a escola pública, o Serviço Nacional de Saúde e, no caso, a distribuição de correspondência, os correios. Nos últimos tempos, com o argumento da privatização, porque o Estado não é bom gestor, invoca-se, estamos a assistir a um desmantelamento de todas estas prestações públicas e, num plano urdido e pensado de muitos anos, a serem descaradamente entregues aos privados. Como exemplo mais remoto, a electricidade e as comunicações, que já há muito foram serviços privatizados. As águas, a recolha de lixo, seguem o mesmo destino, o caminho da total particularização. Os resultados deste desligamento do Estado em funções vitais da economia e que ainda garantia algum sentimento de equidade estão à vista de todos: estamos à beira da miséria colectiva. Actualmente o cidadão comum, como se fosse prisioneiro de um sistema ditatorial, mal consegue ganhar para pagar estes fundamentais instrumentos de bem-estar.
Não sei se estamos ou não no centro, no núcleo, do olho do vulcão do chamado ultra-liberalismo, selvagem, individualista. O que sei, e, tal como outros, sinto na pele, estamos na barbárie, num caos colectivo em que a ordem se vislumbra facilmente e a quem beneficia, cujo impacto social na vida de quem trabalha e no cidadão comum, reformados e outros, –não os privilegiados que vivem em ilhas de grande riqueza ostentativa- são terríveis e catastróficas. Apesar de uma repulsa continuada por quem nos governa nas últimas décadas, que conduz ao desânimo e à morte por suicídio, com a desculpa de que “nunca mais me apanham a votar”, continuamos alheios a um fim anunciado e a um futuro que é já amanhã.

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