Num destes dias de Agosto canicular, encontrei o senhor João
numa destas ruas estreitas. Eu sabia que ali para os lados da Fundação Inatel,
na Rua António Granjo, há pouco tempo houve romaria de amigos para lhe dar os parabéns
por mais um feliz aniversário. Afinal não é todas as semanas que se comemoram
84 Verões com muita vida e maior destreza mental. Com o motivo da efeméride,
estava dado o mote para começar uma longa conversa, em circum-palestra, acerca do que se passa à nossa volta.
Quase aposto que não haverá por
aqui ninguém que não conheça o senhor João Fernandes. Mesmo assim, e não vá alguém
erguer o dedo, vou rogar-lhe que seja ele a fazer a apresentação e nos conte um
cheirinho da vivência do homem
simples, discreto e filho do povo, que tenho à frente. Para complementar,
sempre vou escrevendo que, pelo reconhecido mérito enquanto director da Agência
da Fundação Inatel do distrito de Coimbra, foi agraciado com a medalha de ouro
da cidade no ano passado. Naquela instituição desde 1984, o João, calculo, com
uma lágrima no canto do olho, está a esvaziar as estantes e a encher malas com
memórias de uma vintena de anos. Em Setembro, próximo, deixa a actividade que
mais gozo lhe deu, numa vida cheia, prenhe de trabalho, mas com muita
paixão e amor. Vamos então ver o que diz o João Fernandes:
“Muito Obrigado, Luís, pelos parabéns. É verdade que comemorei há dias
as minhas 84 primaveras –a propósito como é que você soube? Mas, deixe lá, não
responda, passemos à frente. Sinto-me ainda com forças para laborar e com
vontade de fazer coisas. Para o próximo mês, sim, vou deixar a casa, e a causa,
a que me entreguei totalmente nos últimos vinte anos. Enquanto representante do
Inatel, realizei este ano a 22.ª feira Medieval, mas vou continuar a andar por
aí e, se me pedirem, estarei sempre disponível para ajudar.
Como deve imaginar já percorri muitas veredas espinhosas. O que me
custa mais suportar são as cretinices e as rasteiras dos maneirinhos e dos oportunistas.
Gente mal preparada e que não sabe o que é a vida. Tenho medo do que estão a
fazer à juventude; do que estão a fazer ao nosso país. Não temo a velhice. Só
tenho receio de ficar inutilizado numa cama. Sempre trabalhei ao longo do meu
respirar e talvez por isso veja o meu futuro com apreensão. Considero que os
meus 780 euros de reforma, depois de uma caminhada sempre a dar corda aos
sapatos, ficam muito aquém do que eu e a minha mulher –que não teve direito a
aposentação remunerada- precisamos para vivermos um final feliz. Mas não
importa, sinto-me realizado.
Perguntava-me você sobre como vejo a Baixa? Ai, meu amigo, isto é uma
dor de alma –e leva a mão ao peito. Vejo
toda esta área histórica e comercial com muita melancolia. Com uma grande
tristeza. Agora está tudo vazio; ruas e estabelecimentos sem movimento e a
declinarem. Tenho dúvidas que volte a recuperar os tempos de outrora. Repare,
quando os consultórios médicos estavam instalados nas ruas principais, chegou a
haver aqui 12 farmácias. O facto de se ter retirado o trânsito automóvel teve
muita influência para a sua queda. Apesar do meu cepticismo, quero acreditar que
a Baixa tem futuro. Precisamos de famílias a morarem aqui. A Câmara Municipal
deveria fomentar mais o arrendamento para casais jovens. É urgente vermos crianças
a brincar por aqui.”
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