segunda-feira, 22 de agosto de 2016

UM COMENTÁRIO RECEBIDO SOBRE... E UMA RESPOSTA




Tétisq deixou um novo comentário na sua mensagem "EDITORIAL:VARRER OS TOXICODEPENDENTES PARA DEBAIXO...":


São questões interessantes e pertinentes, mas não comungo daquilo que me parece uma excessiva desculpabilização desses indivíduos, 'doentes sociais'. Se cometem crimes devem ser punidos, se uns consomem outros traficam pelo que será importante terminar com esse tipo de negócio para fazer dispersar essa comunidade.
No final dos anos 80 a minha vila ocupava o lugar de maior centro de consumo e tráfico de droga da zona Norte. Desde os 6 anos que convivo com a imagem de indivíduos a injectarem-se, as seringas abandonadas eram frequentes no caminho da escola e sendo que nessa altura havia um 'entendimento' da comunidade toxicodependente de que era importante viciar os mais novos, foi nessa altura que comecei a recusar os 'doces' que me tentavam impingir no portão da escola.

Cresci a ter medo de circular nas ruas da minha vila, e nas ruas do Porto, e quando vim para Coimbra fiquei feliz porque me sentia segura e podia gabar-me aos amigos de que em na cidade dos estudantes andava na rua sozinha a qualquer hora, mesmo que fosse noite. Mas, agora. até de dia sinto medo e nojo quando ando nas ruas da Baixa.
Tenho medo porque já assisti a discussões entre indivíduos desse grupo onde empunhavam facas, que não me ameaçando directamente me podiam prejudicar.
Tenho medo e nojo porque os animais, principalmente cães, que estes indivíduos trazem com eles parecem uma ameaça à saúde publica. E, no fundo, tenho medo porque me cruzo mais vezes com eles enquanto praticam ilícitos do que com patrulhamento policial.
Tirando o policia que fica em frente ao Banco de Portugal como se fosse um meco, já que não pode sair de lá, raramente vejo policia nas ruas da Baixa.
Acho que as várias entidades, Câmara Municipal, Cáritas, associação comercial e autoridades deviam chegar a um acordo para que o patrulhamento aumente e todos se sintam mais seguros. Os turistas que já vi muitas vezes desistir de entrar nos becos da Baixa por medo e que deixaram certamente de consumir nas lojas aí situadas, os cidadãos que assistem às cenas que descrevi, e os trabalhadores que têm nessa zona o seu local de trabalho, desde “call center NOS, Pingo Doce, Continente e diversas estruturas cujos trabalhadores maioritariamente jovens, começam a ter medo de estacionar ou simplesmente apanhar um autocarro ali perto.
Nem na minha vila nem nas zonas mais problemáticas do Porto situações semelhantes a esta se resolveram sem o aumento do policiamento. É imperativo eliminar o tráfico para evitar outros pequenos delitos que por ali se repetem e perpetuam.





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RESPOSTA DO EDITOR


Muito obrigada, Té Tisq, por ter respondido ao meu repto de uma forma tão clara.
Começo por fazer uma ressalva em jeito de introdução. Pode até parecer que sou um defensor acérrimo da liberalização de drogas e de salas de chuto medicamente assistidas. Puro engano. Defendo estes instrumentos, legalizados por lei da Assembleia da República, como último recurso, que pode ser experimental, numa batalha (contra a droga) declaradamente perdida por todos, pela sociedade, pelas polícias, pelos governos, que fazem o que podem para manter a situação sob controle, mas que já deu para ver que com o actual “status quo”, situacionismo, não se sai do mesmo lugar, se é que não estamos a piorar. Continuamos a assistir, impávidos e serenos, à destruição de famílias, com mortes associadas -eu já passei e continuo a passar por essa experiência. Tenho vários familiares com este problema. Já vi desaparecer jovens na primavera da vida que gostava muito.
O que se passa é que, colectivamente, fizemos do consumo e tráfico de droga um anátema, uma execração, uma maldição contrária ao modus vivendi societário, na forma como entendemos a perfeição na convivência humana, e, fugindo, não procuramos enfrentar o cancro. Sobretudo o consumo de droga é um comportamento que, quer pelos envolvidos directamente, os viciados, quer pela família, uns e outros tentam esconder. Sem enfrentar a consequência de frente. Pela segunda, a família, há um retrato comum: os pais, em face da adversidade não se unem em bloco, dividem-se, e um deles passa a considerar o filho como doente, “coitadinho do menino”, alega-se em repetido, e a manipulação passa a ser uma constante. Esta super-protecção de uma das partes leva à desvalorização da autoridade paternal do outro. Por seu lado, o protegido cada vez se sente mais forte e vai manipulando cada um dos entes a seu bel-prazer e tendo sempre em conta a sua conveniência egoísta e mesquinha. O resultado desta divisão é o esboroar das relações familiares e o desmantelamento da família. É um erro assacar culpas na educação.
O que deveria acontecer (e na maioria não acontece) deveria ser a família unir-se em bloco e impor regras que passam pelo tratamento compulsivo do afectado. Sem cedências, o ultimato deve ser uma escolha: ou te tratas ou vais à tua vida, mas sozinho. É fácil lidar com esta constatação? Claro que não -só quem passa por isso sabe do que escrevo. Logo aquando da descoberta de consumo os pais deveriam assumir friamente que é uma luta de vida ou de morte. A perda do ente querido é uma inevitabilidade. Se nada se fizer e se manter a situação, o mais certo, mais tarde ou mais cedo, é, no caso das leves, ele acabar com os neurónios queimados, ou estendido com uma overdose, no caso das drogas pesadas. Se a pé juntos se optar pelo tratamento e o viciado não aceitar, o melhor, antes que destrua tudo em redor, é obrigá-lo a ir -repito, é muito difícil, mais fácil é escrever, mas é a única possibilidade dos primogénitos se manterem juntos.
O consumo de droga é uma institucionalizada condenação à morte. Quando não percorremos os carreiros desse mundo terrível, a forma como lidamos com o assunto, alheando-se da solução, na generalidade, entendemos que não é um problema nosso. Pensamos que só acontece aos outros. Com o espectáculo público de injecções na veia acontece a mesma coisa: só nos tira o sono quando verificamos que está junto à nossa porta. Então, quando assim é, gritamos, estrebuchamos que nem peixe fora de água.

MAS PORQUE É QUE TUDO CONTINUA IGUAL?

É uma pergunta sem resposta objectiva. No entanto, tenho para mim que tudo continua na mesma e igual à lesma porque, por um lado, como disse em cima, as famílias preferem enterrar a cabeça na areia, não dando a cara, ao invés de se procurarem soluções, exigindo dos governos nacionais um novo testar do problema do consumo e tráfico de droga, por outro, há demasiados interesses envolvidos nesta questão. Sem ofensa para ninguém em especial, desde as instituições ligadas à prevenção e combate à droga, passando pelo lobi farmacêutico, até aos cartéis, que envolvem governos internacionais e personalidades ditas intocáveis, ninguém está interessado em alterar o actual panorama.

MAS, VAMOS AO COMENTÁRIO OU NÃO?

E finalmente vamos às suas questões.

São questões interessantes e pertinentes, mas não comungo daquilo que me parece uma excessiva desculpabilização desses indivíduos, 'doentes sociais'. Se cometem crimes devem ser punidos, se uns consomem outros traficam pelo que será importante terminar com esse tipo de negócio para fazer dispersar essa comunidade.


A desculpabilização de que você alude, a meu ver, surge a jusante como um benefício em resultado da incapacidade (de todos) de não se ter actuado preventivamente a montante. Isto é, logo na detecção do problema dever-se-ia actuar em conformidade, com mão forte e o Estado chamar a si a terapêutica, o tratamento de doentes. Como se prefere actuar depois do mal-feito, de certo modo, é como se, pacificamente, aceitasse a tese de Rosseau, século XVIII, de que todos nascemos puros e bons e é a sociedade que nos conspurca, tornando-nos selvagens.
Se atentarmos, a justiça é o braço pretensamente justo que pune os ilícitos em nome da sociedade. E será tão justa tanto quanto, pela sentença ou acórdão, consiga, ao mesmo tempo e num equilíbrio precário, satisfazer os vitimizados e os agressores. A tal paz social, de que se fala, assenta e é conseguida mais nesta premissa de ressarcimento individual do que pela restrição de liberdade ou custo monetário.
No caso a que alude, na punição de tráfico e consequência do consumo, como vemos, está logo viciado à partida e a justiça, por ser parte da parte (Estado), utiliza um paternalismo (talvez) exacerbado na análise e conclusão do processo.
Poderia ser diferente? Penso que sim se a responsabilização começasse logo na educação/formação e não apenas na idade da alegada tomada de consciência dos actos, seguindo o Direito Romano, de há mais de dois mil anos, como se uma pessoa de 14/16 anos tivesse hoje a mesma mentalidade de há milhares de anos e não percepcionasse a consequência de modo diferente, límpido e calculista.


Cresci a ter medo de circular nas ruas da minha vila, e nas ruas do Porto, e quando vim para Coimbra fiquei feliz porque me sentia segura e podia gabar-me aos amigos de que em na cidade dos estudantes andava na rua sozinha a qualquer hora, mesmo que fosse noite. Mas, agora. até de dia sinto medo e nojo quando ando nas ruas da Baixa.”

Com todo o respeito pela sua opinião, retirando o pequeno furto, aqui e ali com assaltos à propriedade, e escaramuças próprias de uma cidade média, Coimbra, e sobretudo a Baixa, que é a zona de que falamos, é garantidamente segura. Para fundamentar a minha afirmação, trabalho e resido na Baixa. Mais, por vezes, percorro estas ruas noite dentro e nunca tive qualquer problema. Acredito que, pela desertificação a que a área está votada, sobretudo durante a noite, o medo é mais formal, psicológico, que efectivo, material.

Tenho medo porque já assisti a discussões entre indivíduos desse grupo onde empunhavam facas que não me ameaçando directamente me podiam prejudicar.
Tenho medo e nojo porque os animais, principalmente cães, que estes indivíduos trazem com eles parecem uma ameaça à saúde publica. E, no fundo, tenho medo porque me cruzo mais vezes com eles enquanto praticam ilícitos do que com patrulhamento policial.
Tirando o policia que fica em frente ao Banco de Portugal como se fosse um meco, já que não pode sair de lá, raramente vejo policia nas ruas da Baixa.”

Tanto quanto julgo saber, o grupo a que se refere costuma estar “estacionado” ora na Rua da Sofia ora nas artérias largas. Não quero entrar em desculpabilização gratuita mas, no caso, creio, será mais de “vadios sem eira nem beira” onde o álcool jorra de garrafa para garganta do que propriamente os “drogados” com substâncias opiáceas de que falamos. Se por um lado concordo que a sua exposição pública não é muito gratificante para a Baixa, por outro, sejamos justos, as polícias pouco podem fazer -pelo direito constitucional de liberdade de circulação.

Acho que as várias entidades, Câmara Municipal, Cáritas, associação comercial e autoridades deviam chegar a um acordo para que o patrulhamento aumente e todos se sintam mais seguros. Os turistas que já vi muitas vezes desistir de entrar nos becos da Baixa por medo e que deixaram certamente de consumir nas lojas aí situadas, os cidadãos que assistem às cenas que descrevi, e os trabalhadores que têm nessa zona o seu local de trabalho, desde “call center NOS, Pingo Doce, Continente e diversas estruturas cujos trabalhadores maioritariamente jovens, começam a ter medo de estacionar ou simplesmente apanhar um autocarro ali perto.”

Concordo plenamente consigo. Apesar de não considerar a insegurança preocupante na Baixa, defendo que o policiamento a pé, durante a noite e não só à luz do dia, deveria ser uma obrigação da PSP.

Nem na minha vila nem nas zonas mais problemáticas do Porto situações semelhantes a esta se resolveram sem o aumento do policiamento. É imperativo eliminar o tráfico para evitar outros pequenos delitos que por ali se repetem e perpetuam.”


Mais uma vez concordo consigo. Por isso mesmo continuo a dissertar sobre este assunto e até, quase a parecer provocação, me dou ao trabalho de escrever este lençol.

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