Comemoro
hoje sessenta anos, desde o dia em que nasci. Em boa verdade, já sou mais velho.
Isto é, com mais uns, não sei quantos, meses. Desde muito cedo que
me habituei a ouvir a minha mãe afirmar que me tinha registado “já
fora do prazo” legal para o fazer. Imagino que teria nascido em
casa com o apoio de uma parteira. Por estranho que pareça, quando o
deveria ter feito, nunca me preocupei em interrogar qual a data
verdadeira do meu nascimento. Só há cerca de uma dezena de anos,
quando me quiseram realizar o designado “mapa astral” e me
perguntaram a data e hora do nascimento, tomei noção da minha
incapacidade. Ainda tentei saber alguma coisa junto da minha
progenitora, porém já era tarde. Como estava já um pouco senil,
ela já não conseguiu lembrar-se. Não é que esta ignorância tenha
uma consequência por aí além, a não ser, por exemplo, quando leio
-raramente, porque não acredito em premonições- a interpretação
dos signos já sei que o melhor é ler os correspondentes
“Caranguejo”, “Leão” e “Virgem” -o
problema é a destrinça porque, na base astrológica, me identifico
com os três. Sei também, pela data oficial de registo, que nasci no
Dia Mundial do Cão, o que, em extrapolação, sendo este
animal o amigo mais fiel do homem, se não me confere qualidades
especiais, também não mas retira.
Depois
deste introito, dizia eu então que fiz hoje 60 anos. Estou contente?
Estou triste? Ou nem uma coisa nem outra? O que sei é que
fisicamente sou mais velho do que sinto mentalmente. Apesar disso,
contrariando outros tempos, antes de me lançar a um novo desafio
penso uma, duas, três vezes. A idade tornou-me mais realista e menos
idealista. Os sonhos, como pano cru lavado em água fumegante,
encolheram e já só aspiro a ter saúde. Tornei-me convicto, por
vezes teimoso aborrecido, como se estivesse certo de que o mundo não
mudará nunca.
Esqueço facilmente onde
deixei as chaves e, como cão em torno do rabo, procuro em vão,
voltas e mais voltas, para acabar a verificar que estavam onde não
pensava estarem.
Como milagre da Senhora
do Ó, a minha barriga teima em crescer, mesmo que eu só ingira pão
e água.
Passei a ler diariamente
a página da necrologia dos vespertinos locais, provavelmente, em
busca do meu retrato acompanhado com um pequeno historial.
Tenho
de mudar. Cheguei aos “se senta” -o transpor da porta do
estádio da contemplação. A partir de aqui, mais que certo,
passarei a olhar o pôr-do-sol, o mar, a Lua, as estrelas com outros
olhos. Já não me interessa o movimento frenético, mas antes a sua
presença omnipotente. Deixaram de ser uma moldura na existência
efémera para passarem a ser o símbolo do belo, o paradigma máximo
da beleza perene.
Provavelmente, vou dar-me
conta de que para ser feliz precisarei de cada vez menos, de pouco,
de nada. Pressinto de que, de agora em diante, vou caminhar pela
estrada e tomar mais atenção às pegadas de quem passou por ali
antes de mim.
Em vez de correr os dias
ouvindo vagamente o chilrear dos passarinhos, sempre que possa, vou
sentar-me no banco do jardim público e vou apreciar cada momento,
cada movimento das aves.
Quando pisar uma folha, seca e amarelecida, no asfalto negro e duro vou imaginar o seu outrora verde viçoso que já foi.
Quando pisar uma folha, seca e amarelecida, no asfalto negro e duro vou imaginar o seu outrora verde viçoso que já foi.
Vou ouvir a chuva na
vidraça e relembrar a vida que eu percorri sem quase dar por isso. O
vento ameaçador, a uivar no recanto do beiral, parecer-me-á notas
de poesia intemporal e levar-me-á a escrever versos rimados e a
compor canções em acordes já ouvidos.
Em vez de fazer perguntas
no ruído ensurdecedor, em que ninguém me escuta, vou procurar
respostas no silêncio avassalador e envolvente.
Em balanço existencial,
mais que certo, vou dar por mim a arrepender-me por coisas que fiz
mal feitas, mas de pouco valerá a pena, e tentar ser melhor,
sobretudo, remediando em situações futuras.
Quando, à noite, me
deitar e não conseguir dormir a tentar rebobinar o filme da minha
vida, aceitando tudo o que ela me deu de melhor e pior, vou ser
complacente com os meus erros praticados. Já nada posso fazer para
os evitar.
Os “se senta”
são um marco, uma fronteira, um entardecer que divide o dia e o crepúsculo, o resto da nossa
vida.
Mesmo
não sendo religioso, vou agradecer cada dia, como obra e graça do
divino. De aqui para a frente, tenho a certeza, nada irá ser igual.
Para meu bem, espero que assim seja.
Muito obrigado a todos quantos me bafejaram com os parabéns de amizade e carinho.
Muito obrigado a todos quantos me bafejaram com os parabéns de amizade e carinho.
Sem comentários:
Enviar um comentário