sexta-feira, 26 de agosto de 2016

CHEGUEI AOS "SE SENTA"

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)






Comemoro hoje sessenta anos, desde o dia em que nasci. Em boa verdade, já sou mais velho. Isto é, com mais uns, não sei quantos, meses. Desde muito cedo que me habituei a ouvir a minha mãe afirmar que me tinha registado “já fora do prazo” legal para o fazer. Imagino que teria nascido em casa com o apoio de uma parteira. Por estranho que pareça, quando o deveria ter feito, nunca me preocupei em interrogar qual a data verdadeira do meu nascimento. Só há cerca de uma dezena de anos, quando me quiseram realizar o designado “mapa astral” e me perguntaram a data e hora do nascimento, tomei noção da minha incapacidade. Ainda tentei saber alguma coisa junto da minha progenitora, porém já era tarde. Como estava já um pouco senil, ela já não conseguiu lembrar-se. Não é que esta ignorância tenha uma consequência por aí além, a não ser, por exemplo, quando leio -raramente, porque não acredito em premonições- a interpretação dos signos já sei que o melhor é ler os correspondentes “Caranguejo”, “Leão” e “Virgem” -o problema é a destrinça porque, na base astrológica, me identifico com os três. Sei também, pela data oficial de registo, que nasci no Dia Mundial do Cão, o que, em extrapolação, sendo este animal o amigo mais fiel do homem, se não me confere qualidades especiais, também não mas retira.
Depois deste introito, dizia eu então que fiz hoje 60 anos. Estou contente? Estou triste? Ou nem uma coisa nem outra? O que sei é que fisicamente sou mais velho do que sinto mentalmente. Apesar disso, contrariando outros tempos, antes de me lançar a um novo desafio penso uma, duas, três vezes. A idade tornou-me mais realista e menos idealista. Os sonhos, como pano cru lavado em água fumegante, encolheram e já só aspiro a ter saúde. Tornei-me convicto, por vezes teimoso aborrecido, como se estivesse certo de que o mundo não mudará nunca.
Esqueço facilmente onde deixei as chaves e, como cão em torno do rabo, procuro em vão, voltas e mais voltas, para acabar a verificar que estavam onde não pensava estarem.
Como milagre da Senhora do Ó, a minha barriga teima em crescer, mesmo que eu só ingira pão e água.
Passei a ler diariamente a página da necrologia dos vespertinos locais, provavelmente, em busca do meu retrato acompanhado com um pequeno historial.
Tenho de mudar. Cheguei aos “se senta” -o transpor da porta do estádio da contemplação. A partir de aqui, mais que certo, passarei a olhar o pôr-do-sol, o mar, a Lua, as estrelas com outros olhos. Já não me interessa o movimento frenético, mas antes a sua presença omnipotente. Deixaram de ser uma moldura na existência efémera para passarem a ser o símbolo do belo, o paradigma máximo da beleza perene.
Provavelmente, vou dar-me conta de que para ser feliz precisarei de cada vez menos, de pouco, de nada. Pressinto de que, de agora em diante, vou caminhar pela estrada e tomar mais atenção às pegadas de quem passou por ali antes de mim.
Em vez de correr os dias ouvindo vagamente o chilrear dos passarinhos, sempre que possa, vou sentar-me no banco do jardim público e vou apreciar cada momento, cada movimento das aves.
Quando pisar uma folha, seca e amarelecida, no asfalto negro e duro vou imaginar o seu outrora verde viçoso que já foi.
Vou ouvir a chuva na vidraça e relembrar a vida que eu percorri sem quase dar por isso. O vento ameaçador, a uivar no recanto do beiral, parecer-me-á notas de poesia intemporal e levar-me-á a escrever versos rimados e a compor canções em acordes já ouvidos.
Em vez de fazer perguntas no ruído ensurdecedor, em que ninguém me escuta, vou procurar respostas no silêncio avassalador e envolvente.
Em balanço existencial, mais que certo, vou dar por mim a arrepender-me por coisas que fiz mal feitas, mas de pouco valerá a pena, e tentar ser melhor, sobretudo, remediando em situações futuras.
Quando, à noite, me deitar e não conseguir dormir a tentar rebobinar o filme da minha vida, aceitando tudo o que ela me deu de melhor e pior, vou ser complacente com os meus erros praticados. Já nada posso fazer para os evitar.
Os “se senta” são um marco, uma fronteira, um entardecer que divide o dia e o crepúsculo, o resto da nossa vida.
Mesmo não sendo religioso, vou agradecer cada dia, como obra e graça do divino. De aqui para a frente, tenho a certeza, nada irá ser igual. Para meu bem, espero que assim seja. 
Muito obrigado a todos quantos me bafejaram com os parabéns de amizade e carinho.

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